PORTUGAL
Um ano após o acordo entre o ministério e um laboratório que já permitiu curar 1477 pessoas, ainda há quem aguarde por um remédio que possa tratá-lo
Há mil doentes renais com hepatite C sem acesso a um medicamento inovador para os curar da doença. Há um ano, o Ministério da Saúde assinou um acordo com um laboratório para financiamento de dois medicamentos, que já curaram 1477 doentes com hepatite C. Mas que não serve para quem está em hemodiálise. Há três meses que o Infarmed tem um acordo de principio com a Abbvie, laboratório que tem no mercado remédios que podem tratar estes doentes, mas o processo não está concluído. O preço por tratamento ronda atualmente os 30 mil euros.
"O medicamento no mercado não serve todos os doentes. Os medicamentos da Abbvie permitem tratar os doentes renais, mas ainda não há comparticipação. Os medicamentos estão disponíveis por autorização especial de utilização (AUE), mas dá acesso a poucos. Estão cerca de 40 doentes a serem medicados através de AUE [mecanismo usado quando ainda não existe acordo para comparticipação]. Queremos que chegue a todos. Não é só a questão da discriminação, é terminar com o risco de contaminação, como o que aconteceu com os seis doentes infetados com hepatite C numa clínica de diálise", disse ao DN João Cabete, presidente da Associação Portuguesa de Insuficientes Renais. Estima-se que sejam mil doentes renais infetados com hepatite C.
Os medicamentos ombitasvir/ paritaprevir/ritonavir e dasabuvir têm taxas de cura de 98%. Foram aprovados em janeiro de 2015 pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e nessa altura a comparticipação começou a ser negociada. Mas até ao momento, sem consenso. "Temos um acordo de principio com o Infarmed desde o final de novembro, mas continuamos a aguardar a conclusão do processo", disse fonte do laboratório Abbvie, sem adiantar os motivos do atraso. O DN questionou o Infarmed, mas não recebeu resposta em tempo útil.
Segundo o que o DN soube, o valor por tratamento (12 semanas) custa cerca de 30 mil euros, sendo que alguns doentes podem precisar de dois. Custos atualmente assumidos pelos hospitais, já que os medicamentos estão apenas disponíveis por AUE. O acordo entre o Infarmed e o laboratório, segundo apurou o DN, irá permitir reduzir substancialmente o preço a pagar, além de permitir que o pagamento passe a ser feito através de uma linha de financiamento própria, à parte dos orçamentos dos hospitais, como já acontece com os medicamentos da Gilead, cujo acordo foi assinado em fevereiro de 2015. O Estado pagará apenas pelos doentes curados.
Luís Mendão, presidente do GAT - Grupo Português de Activistas sobre Tratamentos, alertou o Ministério da Saúde para a falta de tratamento dos doentes renais com hepatite C, mas afirmou que garantir o acesso é uma responsabilidade de todos. "O preço é muito alto, ainda não há acordo de reembolso, e as administrações dos hospitais têm de assumir os custos. Também não há meio de o daclastavir [da Bristol-Myers Squibb] chegar a acordo. É preciso que os laboratórios baixem os preços. Ainda existem cerca de 30 mil doentes por identificar e tratar. Se os laboratórios não apresentarem propostas sustentáveis, ficamos todos a perder", afirmou Luís Mendão, salientando que "independentemente do preço, o Estado tem de dar condições para o tratamento dos doentes mais graves".
Até junho a EMA deverá aprovar mais um remédio inovador - o elbasvir + grazoprevier da farmacêutica MSD - para a hepatite C. Segundo fonte do laboratório, "o medicamento está indicado para o tratamento de doentes renais e pacientes com os genotipos 1,3 e 4". Já foi aprovado nos Estados Unidos e Canadá. "Neste momento, a nossa principal prioridade na Europa é conseguir a aprovação regulamentar, sendo que o respetivo processo está em avaliação pela EMA. A autorização pela EMA é o principal garante de acesso aos doentes que podem beneficiar deste medicamento, pelo que, não prevemos a existência de programas de acesso precoce", disse fonte do laboratório MSD. Este programa permite o acesso gratuito a tratamentos.
Pela erradicação da doença
Na semana passada realizou-se a primeira European Policy Summit, que juntou associações, representantes de vários governos e da Comissão Europeia e de onde saiu um manifesto pela erradicação da hepatite C na Europa. "Todos dizem que há interesse social e de saúde pública no compromisso de eliminar a doença. Temos medicamentos, sabemos como prevenir a infeção, sabemos onde encontrar os doentes. Podemos fazê-lo. Em Portugal uma parte já aconteceu. Agora é fundamental ter um rastreio. A modalidade e eficácia precisam de ser discutidas", disse Luís Mendão, que esteve na reunião.
Fonte: DN.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.