Consultores do Senado analisam os cortes feitos pela Presidência da República ao PLS 268/2002 e recomendam que sejam derrubados em plenário por falta de sustentação técnica
A assessoria do Senado produziu nota técnica que contesta a maior parte dos 10 vetos à Lei do Ato Médico (Lei 12.842/2013) emitidos pela presidente Dilma Rousseff. O documento, que já circula entre os parlamentares, resultou de uma análise solicitada pela senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que integra a Comissão Mista encarregada de fazer um relatório com base na decisão do Palácio do Planalto.
O parecer reforça os argumentos da classe médica que, nesta quinta-feira (8), vai ao Congresso Nacional com mais de 200 lideranças para esclarecer e sensibilizar os parlamentares sobre os pontos que serão abordados na votação que pode derrubar os vetos, prevista para o dia 20 de agosto. Os médicos se reunirão às 14 horas no auditório Nereu Ramos do Senado Federal.
De acordo com os analistas do Senado, os argumentos apresentados pela Presidência da República não têm sustentação. O Governo diz que barrou os pontos do projeto, aprovado após 12 anos de tramitação, por considerar que a norma contrariava o interesse público. No entanto, os técnicos parlamentares afirmam que não há embasamento adequado que justifique os cortes. O principal ponto destacado no relatório se refere ao veto ao inciso I do caput e ao § 2º do art. 4º, que estabelece como atividade privativa dos médicos a formulação do diagnóstico nosológico (de doenças) e respectiva prescrição terapêutica.
A nota técnica ressalta que o veto ao inciso I do art. 4º é improcedente, uma vez que não considerou a existência de outros dispositivos que preservam as atividades das demais categorias profissionais de saúde. “Para resguardar o sentido do projeto de regulamentação do exercício da Medicina, haveria que derrubar esse veto”, afirma.
Além de destacar os acordos e os consensos formulados ao longo período de tramitação, que resultaram no texto aprovado pelo Congresso, afirma-se que essa Lei não afeta a autonomia, a competência ou as atribuições das outras 13 categorias profissionais da área da saúde. O alegado impacto desse item nas políticas e programas de saúde pública também foi descartado.
“Com relação à possível descontinuidade de programas de prevenção e controle de doenças que a efetivação do inciso I do caput do art. 4º possa resultar, especificamente em relação a malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, conforme as alegadas razões do veto, esse risco fica afastado quando se considera que há previsão legal que garante aos enfermeiros a capacidade de prescrição de medicamentos no âmbito desses programas”, ressalta o texto.
O documento salienta ainda que o veto de Dilma Rousseff é contraditório, ao reconhecer que “o diagnóstico nosológico e a respectiva prescrição terapêutica são próprios do campo da Medicina”. A análise destaca ainda: “a aplicação do art. 4º, que trata do campo privativo dos médicos, deve ocorrer resguardando-se as competências próprias das demais profissões de saúde, do que se depreende que as práticas e atividades de saúde realizadas legalmente pelos profissionais não médicos não poderão ser afetadas pela efetivação da lei do exercício da Medicina”.
Os assessores recomendara a derrubada do veto aos incisos VIII e IX do caput do art. 4º, que incluem como atividade privativa de médico a indicação do uso de órteses e próteses:. “Entendemos que não procedem as alegações (da Presidência) de que a indicação e confecção de muletas axilares, andadores e cadeiras de rodas estariam comprometidas. Esses são meios auxiliares de locomoção e a sua indicação ou confecção não constituem objeto de atuação privativa de médicos”, afirma o relatório.
No parecer, o uso de próteses mamárias também foi citado. “De acordo com ociedade Brasileira de Mastologia, essas próteses – também chamadas de implantes mamários ou inclusões – são utilizadas em mamoplastia com finalidade estética ou para a recomposição do volume mamário pós-mastectomia. Portanto, essas próteses devem ser empregadas a partir de indicação e execução médicas”.
Sobre o inciso IX, que determina a prescrição de órteses e próteses oftalmológicas como atividade privativa de médicos, o relatório salienta que a lei diz respeito à atividade prescritora. “É necessário observar que, entre as profissões de saúde atualmente regulamentadas, nenhuma outra categoria profissional além dos médicos exerce esse tipo de atividade. Dessa forma, o dispositivo não interfere no exercício profissional das demais profissões de saúde regulamentadas”.
“A manutenção do dispositivo não acarretaria qualquer impacto para o Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que as ações de saúde visual desenvolvidas por outros profissionais que atuam no Sistema estão preservadas e o SUS não tem em seus quadros o cargo de optometrista, já que se trata de profissão não regulamentada”, acrescentou.
Com respeito aos vetos aos incisos I e II do § 4º do art. 4º, que abordam os procedimentos invasivos como atividade privativa dos médicos, os técnicos também fizeram críticas. “Ao vetar os incisos I e II, a lei passa a considerar como procedimento invasivo apenas as situações em que há invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos (inciso III). Tecnicamente isso não faz sentido”, alega o documento, que afirma que o corte “promoveu distorções técnicas de ordem conceitual e legislativa”.
Nas razões do veto, a Presidência da República alegou que os procedimentos invasivos foram caracterizados de maneira ampla e imprecisa, o que levaria a se atribuir como atividade privativa de médicos um rol extenso de procedimentos, inclusive alguns já consagrados no SUS como atividades multiprofissionais. Sobre isso, os técnicos afirmam que “quanto às alegações feitas, há que observar que esses dispositivos não devem ser considerados de forma isolada, mas sim de forma combinada com outros que especificam situações e procedimentos que não se inserem no campo privativo de médicos, como a aplicação de injeções, por exemplo. Com isso, buscou-se delimitar esse campo de atuação privativa dos médicos relativa aos procedimentos invasivos, evitando-se justamente uma caracterização ampla e imprecisa que pudesse dar margem ao cerceamento da atividade de outras categorias profissionais”.
Com relação à acupuntura, o relatório técnico do Senado informa que deve ser ressaltado que o texto do projeto aprovado pelo Congresso Nacional foi redigido de forma a não tratar dessa atividade, seja para torná-la atividade privativa de médicos ou o contrário. “O inciso II do art. 4º, estabelece como privativo de médicos a invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos. Essa redação foi adotada considerando-se que nenhum dos termos utilizados – injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia – conflitava com a atividade da acupuntura, uma vez que o “agulhamento” realizado na acupuntura tem por objetivo a estimulação de pontos corporais, e não quaisquer das funções enunciadas no dispositivo”.
Os técnicos também consideraram improcedente o veto ao inciso I do art. 5º, que determinou como privativo de médicos a direção e chefia de serviços médicos. Para justificar o veto, a Presidente Dilma alegou a imprecisão da definição de “serviços médicos”, o que causaria insegurança quanto à amplitude de sua aplicação. Segundo eles, “a combinação do inciso I, que trata da direção de serviços médicos, com o parágrafo único do art. 5º – que determina não ser privativa de médico a direção administrativa de serviços de saúde – elimina as dúvidas a respeito da abrangência do dispositivo. Como as funções meramente administrativas dos serviços de saúde não se inserem como atividades privativas de médico, apenas as funções diretivas de caráter técnico que envolvem atividades médicas são privativas de médicos”.
Fonte: CFM
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.