Contudo, defesa recorreu e ex-médico vai aguardar novo júri em liberdade.
Flávia Rosa, de 23 anos, morreu em 2001 após cirurgia de lipoaspiração.
O ex-médico Denísio Marcelo Caron foi condenado a 13 anos de prisão, em regime fechado, pela morte da paciente Flávia Rosa, de 23 anos, ocorrida em março de 2001, seis dias após ela ter sido submetida a uma cirurgia de lipoaspiração. A sessão do júri popular presidida pelo juiz Lourival Machado da Costa, do 2º Tribunal do Júri da capital, aconteceu nesta quinta-feira (29), no Fórum de Goiânia.
Contudo, assim que o juiz leu a sentença condenatória, o advogado de Caron, Ricardo Naves, recorreu da decisão e o ex-médico vai aguardar novo julgamento em liberdade.
Ao ler a sentença, o juiz salientou que a condenação não era somente por causa da conduta do ex-médico, mas também pelo fato do réu não ser habilitado a fazer cirurgias plásticas. "O réu tinha plena convicção da sua falta de esperteza pelo fato de não ter residência na área cirúrgica e mesmo assim, se habilitar a fazê-lo", pontuou.
Foram convocados 25 jurados. Destes, sete foram sorteados pela manhã para integrar o júri. Como a promotoria e a defesa têm o direito de aceitar ou não os componentes do júri sorteados, a defesa de Caron requisitou que três pessoas escolhidas fossem substituídas. Elas eram mulheres e jovens, o mesmo perfil da vítima que morreu. Após a substituição, o júri ficou composto por cinco homens e duas mulheres.
O julgamento, iniciado às 8h55, foi suspenso para o almoço, por volta das 13h, e retomado por volta das 14h15. À tarde, a promotoria e a defesa apresentaram os argumentos e, por fim, os sete jurados votaram. A sentença foi proferida por volta das 19h.
Debates
Durante quase quatro horas, membros de defesa e acusação de Caron expuseram aos jurados suas alegações. O primeiro a falar foi o promotor de Justiça Maurício Gonçalves de Camargo. Ele pediu a acusação de Caron por homicídio doloso com dolo eventual se baseando principalmente em duas vertentes: o laudo pericial da morte de Flávia e o fato do réu realizar cirurgias plásticas sem ser habilitado para tal procedimento.
“O laudo aponta que a Flávia morreu por infecção depois de ter o fígado perfurado. Foi ele quem fez isso (disse apontando para o ex-médico), por imperícia e por não ter conhecimento técnico. A partir disso, decorreu o processo infeccioso", afirmou.
O promotor ainda lembrou que o acusado responde pela morte de outras cinco mulheres. Ele foi irônico ao falar da história de Caron a respeito das mulheres. Para o promotor, elas são vitimas de "procedimentos infelizes". "Em menos de cinco anos, dezenas de pacientes foram mutiladas e seis morreram. Nesse ranking ele não tem competidor".
Defensor do réu, o advogado Ricardo Naves citou o laudo de exumação da oficial de Justiça. “Os peritos não podem negar que houve imprudência, imperícia ou negligência na lipoaspiração", disse, lendo um trecho do documento, o qual considera inconclusivo.
Naves também alegou que Caron era amigo da família de Flávia. Antes que os jurados tomassem a decisão, pediu que agissem com isenção e não fossem levados por uma possível influencia da mídia. “A mídia esta toda nele e vende muito escândalo. Será que conseguimos julgá-lo com imparcialidade ou ainda o vemos com aquele estigma?", questionou.
Interrogatório
O interrogatório de Marcelo Caron durou 1h20. Ele começou a falar às 11h40, após as declarações de quatro testemunhas. Caron chorou e disse ter sido "excessivamente acusado" e, ao ser questionado pelo júri popular sobre a vítima, falou: "Se pudesse, trocaria a minha vida pela dela".
A declaração irritou a mãe de Flávia, Mônica Rosa de Oliveira, que deixou o tribunal por alguns minutos. "Saí de lá para não gritar. Ele quer ganhar o júri, mas são lágrimas de crocodilo", disse ao G1 a mãe da vítima.
O ex-médico disse não acreditar que uma lesão no fígado seja a causa da morte da paciente. Para o ex-médico, Flávia foi vítima de embolia.
Primeiramente, Caron respondeu ao juiz que, na fase pós cirúrgica, quando Flávia foi internada na UTI do Hospital Jardim América, houve uma "preocupação exacerbada com o fígado" da paciente, deixando de dar atenção aos outros órgãos, e argumentou: "A perfuração era de dois centímetros, o equivalente a uma pulsão para biopsia". No entanto, logo depois, disse que o fígado foi lesionado durante a cirurgia geral realizada após a lipoaspiração.
Caron disse ter acompanhado a cirurgia geral, feita por outro médico, e argumenta não haver provas da perfuração no órgão: "Houve apenas uma avaliação do cirurgião geral de que o fígado foi perfurado. Não houve registro, não houve fotos". Para o ex-médico, uma embolia levou ao inchaço no fígado, que levou a vítima a uma infecção, abaixou sua imunidade e causou a falência múltipla de órgãos.
Mais cedo, a médica Ana Flávia Vilela, plantonista que atendeu a vítima na UTI do hospital na manhã seguinte à internação, disse a paciente apresentava grave anemia por ter tido o fígado perfurado durante o procedimento estético. Segundo a médica, a vítima chegou ao hospital com muita falta de ar e estava com o abdômen bastante endurecido, mas Caron avaliou o quadro como "normal".
Ela relatou que os dois divergiram sobre o diagnóstico: "Ele achou uma coisa, eu achei outra e, por fim, quando ele saiu, eu chamei outro médico para olhá-la". Segundo Ana Flávia, quando o outro cirurgião abriu a paciente, viu um sangraremos volumoso e constatou o inchaço no fígado. "Então, ele percebeu que o órgão tinha sido perfurado", disse a profissional, que na época atuava em clínica geral e atualmente é oncologista.
Dor psicológica
Entre as testemunhas de acusação também estavam a mãe e uma prima da vítima. Mônica Rosa e a sobrinha Caroline Rodrigues de Oliveira Rosa reclamaram da conduta do médico após a cirurgia plástica. "Ele falava que ela estava com manha e que a dor que sentia era psicológica", relatou Caroline.
Mônica falou a o juiz que partiu dela a iniciativa de internar a filha: "Por telefone, ele [Caron] me disse que podia internar, mas que qualquer despesa seria por minha conta".
Também testemunhou, arrolado pela acusação, o cirurgião plástico Nassif Barulla Neto, com quem Caron fez um estágio de dois anos, disse que o réu podia atuar em medicina, mesmo não tendo feito residência na área: "Não há impedimento legal, desde que o profissional seja médico".
Em entrevista ao G1, o advogado Ricardo Naves, defensor de Caron, reconheceu a responsabilidade do ex-médico, mas nega dolo eventual: "culpa é culpa, mas ele não tinha intenção de matar, nem assumiu o risco".
Cirurgia
Flávia Rosa morreu em 12 de março de 2001, seis dias após se submeter a uma cirurgia de lipoaspiração. Segundo o promotor, durante o procedimento, o ex-médico perfurou o fígado da vítima. "Ela recebeu alta da clínica de Caron pouco tempo depois da cirurgia, mas, em casa, sentia fortes dores e tinha febre. A família, então, decidiu levá-la para um hospital, onde ela veio a falecer", relatou Camargo.
Caron responde a 29 processos na Justiça por diversos crimes como lesão corporal e estelionato. O ex-médico foi condenado, em primeira instância, pela morte de duas mulheres no Distrito Federal. Em Goiás, responde pela morte de quatro pacientes, por complicações após cirurgias estéticas.
Condenações
Em 2009, o ex-médico foi condenado por homicídio pelas mortes das pacientes do DF. Juntas, as penas dos dois processos somam 30 anos de prisão. Ele recorreu da sentença e aguarda em liberdade. No entanto, ele cumpre pena no regime semiaberto em Natal, onde reside atualmente, por lesão corporal grave a uma paciente de Goiânia, em 2012.
Apesar de atuar como cirurgião plástico em Goiás e no Distrito Federal, ele não tinha especialização na área e teve o registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina por exercício ilegal da profissão. Depois da primeira condenação, ele se formou em direito, mas disse durante o julgamento que faz "serviços braçais".
Fonte: Globo.com
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.