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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Médicos deveriam defender mais a saúde do brasileiro

*Por Rogério Seguins Martins Junior, Paulo Sérgio Leite Fernandes, Otávio Augusto Rossi Vieira, Maurício Vasques de Campos Araujo, Gabriel Ribeiro de Escobar Ferraz e Lucas Andreucci da Veiga

A Justiça Federal de Minas Gerais, por despacho liminar lavrado pela 5ª Vara Federal de Belo Horizonte, indeferiu pretensão do Conselho Regional de Medicina a que não fosse obrigado a registrar provisoriamente os médicos estrangeiros lotados no programa Mais Médicos, empreendido pelo Ministério da Saúde, tudo legitimado, em tese, por medida provisória emanada do Executivo federal. É caso típico de “tiro pela culatra” ou, como dizem outros, “disparo no pé”. O juiz federal acentuou, no despacho, que negar o registro aos médicos “causaria à Administração o perigo da demora inverso, sob o aspecto de deixar ao desamparo cidadãos hipossuficientes da camada mais pobre de nossa sociedade”. Isso cria consequência muito curiosa, porque pode ser interpretado como obediência implícita a registro, embora não seja exatamente assim. De qualquer forma, cuida-se de precedente complexo, porque o despacho daquele magistrado federal, nos termos da prolação, não pode obrigar as outras sedes da competência. Parece que o pretor, enquanto negava abrigo à reivindicação do Conselho Regional de Medicina, estaria obrigando, por via travessa, a tal registro, numa espécie de efeito bumerangue. Se e quando houver tal entendimento, há de se submeter a seriíssima controvérsia jurídica. Dá-se, convenha-se, o começo de combate acirrado, pois a Medida Provisória 621/2013 dispensa o médico intercambista de revalidar o diploma. Tocante a Cuba, há acertamento com o governo local no sentido de intermediação, com retenção parcial, dos salários predeterminados.

O constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins, extrapolando habitual discrição em tais aspectos, teceu considerações sobre a vocação ideológica exibida em Cuba, Venezuela e quejandos, criticando-a, pois vincados, tais países, nas chamadas ditaduras típicas ou derivadas. Preferível seria não se precisar discutir tais pormenores, embora a maioria dos médicos exportados para o Brasil traga nas costas a pesada mochila representada pelo padrão político vigendo entre os cubanos. A presidente da República, certamente, pode receber a nebulosa denominação de “populista”, não se indo mais longe, isto significando preocupação acentuada com as chamadas classes menos favorecidas. Há formas e formas de se demonstrar tais tendências. Uma delas pontifica no programa Mais Médicos, verificando-se a ausência de assistência à saúde em muitos municípios espalhados pelo país. O ministério respectivo tomou providências impactantes, importando os esculápios sem maiores indagações quanto à competência do grupo e dispensando, em algumas alternativas, a revalidação dos diplomas. Pretendeu-se tal resultado a poder de medida provisória vigendo com força de lei até apreciação pelo Congresso, ou perecendo pela inação. Uma espécie de zona cinzenta, mas com imposição no interregno. Evidentemente, os Conselhos Regionais de Medicina e o próprio Conselho Federal não admitem a situação, pois perdem, de um lado, a capacidade de fiscalizar a qualidade dos visitantes e, de outra parte, receiam pelo cometimento de erros médicos resultantes das referidas deficiências. Existe, além disso, justificada reação dos médicos brasileiros, porque destes, ou nestes, o requisito de inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina é impositivo. A resposta do governo, na particularidade, é menos jurídica que factual: as regiões deficitárias precisam de facultativos. Na medida em que os nacionais não querem suprir as vagas, o remédio é buscar no exterior quem as queira. Isso lembra, muitos e muitos anos atrás, atitude assumida na China. Lá, em determinada época, o governo preparou uma espécie de enfermeiros melhorados, suprindo-os com apenas três anos de preparação. Num sentido bem grosseiro, é bom dizer que a China tem grande superavit de gente para morrer, pois a população ascende a mais de bilhão, havendo restrições, inclusive, a número de filhos. Apesar disso, aqueles orientais, em média, vivem mais do que nós. É uma forma de ver as coisas, convenha-se.

Um outro aspecto, este muito prático, precisa ser realçado: muitos moços brasileiros, com dificuldade de cursar medicina no Brasil, quer pela competição desmesurada, quer mesmo pelo dimensionamento excessivo de mensalidades nas escolas particulares, estudam medicina em países menos exigentes, fazendo-o na Bolívia, Venezuela, Cuba, Paraguai, Argentina e assim por diante. Praticam-no em estado de necessidade. Não se deve esquecer que São José do Rio Preto implantou, há pouco tempo, outra faculdade de Medicina porque médicos da região, influentes por certo, querem seus filhos seguindo a mesma carreira, a exemplo de Santos, hoje formando muitos profissionais assim referendados. É uma espécie de solução doméstica. Volte-se aos formados no exterior: sendo brasileiros, querem enricar no Brasil, obrigando-se a enfrentar a satisfação dos requisitos exigidos pelo Conselho Federal de Medicina. Vê-se, no programa Mais Médicos, uma oportunidade de laceamento das dificuldades atuais.

Quanto à acusação, advinda da classe médica e setores outros, no sentido de seccionamento do salário corresponder a uma espécie de trabalho escravo, há, é certo, dificuldade concernente a recolhimentos previstos na legislação trabalhista, mas isso não parece ser o óbice maior. A questão assume relevância com a oposição feita pelos Conselhos de Medicina, notadamente pelo Conselho Federal, entendendo-se que o não registro do médico naqueles órgãos constitui exercício ilegal de profissão. Dentro do contexto, os médicos, cubanos ou não, estariam pendurados na ilicitude. A hipótese difere do exercício da profissão de advogado. Já se fixou definitivamente que a inscrição de bacharel na OAB é requisito essencial à atividade da advocacia, ressalvadas aquelas profissões em que a criatura faz parte, por exemplo, do Ministério Público, havendo particularidades curiosas, porque diversos setores da iInstituição se vêm valendo de assessores jurídicos, assinando-se tal condição. Significaria isto que, dentro do sacrário dos gabinetes, qualquer auxiliar juridicamente qualificado poderia emitir pareceres oficiais, postos publicamente mais tarde nos processos e sem contas a prestar à OAB. Parta-se, assim, e então, para raciocínio filigranado, pois integrantes do Ministério Público, ou seus agentes, não podem advogar. Contraditoriamente, para assessorar juridicamente promotores de Justiça, o assistente precisa ser advogado. Veja-se a bruxaria do paradoxo. Vale, então, o ditado: “– Preso por ter cão e preso por não o ter”.

O conflito parece estar apenas em início. Tocante ao aspecto politicoideológico, no sentido de Cuba ser ou não país submetido a regime autoritário – e é –, não se preste atenção excessiva ao assunto. A presidente Dilma Rousseff é, com absoluta certeza, pertencente à denominada “esquerda”, abrigando-se em qualquer das múltiplas denominações existentes. Conhece-se criatura, aliás, bem defendida na Justiça Militar autoritária, que andava pelas ruas usando sandálias franciscanas, precisando esconder-se num mosteiro, onde era esporadicamente visitada. Aquele rapaz se arrependeu e é, hoje, empresário enriquecido por trato com o Brasil democrático. Não vale a pena, entretanto, esperar que mude de lado alguém que foi picotada nas câmaras de tortura do DOI-Codi. É tatuagem indelével. Dói (com o perdão do trocadilho) até a morte. Dentro do contexto, o jurista não pode ser ingênuo. Regra geral, somos o que fomos. Podemos disfarçar, mas o adulto de hoje é o escolar de ontem. Quando se quer examinar a personalidade de alguém, basta reduzi-lo a criança de curso primário. Aquilo não muda, ressalvadas exceções raríssimas.

Independentemente de aspectos jurídicos e ideologias contrastantes, seria muito bom que os médicos noviços brasileiros se engastassem na atividade de defesa da saúde de milhares de cidadãos perdidos na lama e no lixo de lugarejos longínquos. A medicina é profissão vocacionada a tanto. Ou não. Às vezes, no entremeio de municípios humildes, o médico da roça amadurece, vira pessoa graúda e até casa com filha de fazendeiro. Faz filhos e, ao morrer, vira nome de rua. A propósito, Carlos Stamato foi o primeiro dentista de Santo André. Seu nome é perpetuado naquela cidade que tem, hoje, quase 700 mil habitantes. Em outras oportunidades, o ideólogo paga o preço da doação aos desnutridos. A vida funciona assim.

A título de encerramento, não se desprezando os argumentos usados pelo constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins, nosso respeitadíssimo amigo, cuja cultura, honestidade e vetustez fazem parte da sua capacidade de interpretar os fenômenos que turbilhonam a nação, valeria dizer aos jovens médicos brasileiros que a bata branca imaculada nem sempre é apanágio dos idealistas. Um pouco de sangue dos miseráveis pendurados nas palafitas pode retemperar, nos renitentes, a esperança de um Brasil melhor. E não se diga que os cronistas escrevem de boca cheia. Um deles, cinquenta e poucos anos atrás, recebia honorários, frequentemente, em meia dúzia de ovos ou em leitãozinho rosado que os filhos se recusavam a deixar matar, fazendo o bicho envelhecer, gordo e saudável, numa sitiola da vizinhança.

Fonte: Revista Consultor Jurídico