Autorização para laqueadura feita na hora da cirurgia não tem valor, pois vai contra os requisitos estabelecidos no artigo 10 da Lei 9.263/1996, que trata do planejamento familiar. Por ter constatado essa irregularidade numa cirurgia de cesariana, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mandou médico e hospital pagarem, solidariamente, R$ 35 mil de indenização moral a uma mulher submetida ao procedimento num hospital do interior.
A sentença do juízo local negou o pedido de indenização por não vislumbrar nenhuma espécie de dano ou ‘‘perda de uma chance’’. E também não acolheu o argumento de que ela e o marido não leram o conteúdo da autorização da laqueadura tubária, que viria a ser feita após a cirurgia de cesariana.
O relator da Apelação, desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, no entanto, disse que o procedimento foi efetivado em total inobservância às normas legais que regem a matéria, atraindo a responsabilidade tanto do médico quanto do hospital.
Citando as exigências do referido artigo, o desembargador constatou que a mulher assinou a autorização para a esterilização no dia em que foi submetida à cesariana, o que é proibido. Além disso, destacou, é pouco provável que ela tenha ficado ciente de todos os riscos e consequências da operação naquele momento, como exige a lei.
Pestana afirmou ainda que a mulher não se enquadrava nas exceções que autorizam, excepcionalmente, a laqueadura, pois não fizera nenhuma cesariana anteriormente — dava à luz seu primogênito.
‘‘Por outra, sequer ficou demonstrado risco à mulher ou ao concepto [feto] a permitir a laqueadura, pois, a despeito de a demandante sofrer de esquizofrenia, não há laudo médico atestando a necessidade de se realizar a ligadura de tubas uterinas’’, complementou. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 27 de junho.
O caso
A autora contou à Justiça que no dia 20 de janeiro de 2004 chegou ao Hospital Roque Gonzales, no município de Caibaté, para se submeter a uma cesariana. Na ocasião, ela e o marido assinaram o termo de autorização da cirurgia. Decorridos quatro anos do nascimento do primeiro filho, resolveu consultar um médico, porque não conseguia engravidar novamente.
Para chegar à causa do problema, o seu marido foi submetido a vários exames, os quais não apontaram nenhum fator de ordem física. Depois, foi a sua vez de passar por intensa bateria de exames, quando, então, ficou constatado que tinha sido submetida a laqueadura.
A autora saiu de Santa Rosa, sua cidade, e foi até Caibaté, para saber por que tinha sido submetida ao procedimento, já que não o autorizara. Disse que não encontrou, nos documentos disponibilizados pelo hospital, nenhuma autorização formal nesse sentido. Face à irregularidade, resolveu ajuizar Ação de Indenização contra o hospital e o médico que lhe assistiu durante o parto.
Formalmente citado pela 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Rosa, o médico apresentou contestação. Afirmou que a indicação para a laqueadura tubária estava na doença psiquiátrica da autora, tanto que ela e seu marido assinaram o termo de responsabilidade. Destacou que a cesariana decorreu de sugestão de psiquiatra, exatamente em decorrência da saúde mental da autora, que se agravara com a gravidez. E mais: a patologia poderia ser transmitida à descendência.
O hospital também se defendeu, alegando que o procedimento cirúrgico foi expressamente autorizado pelo casal. Tanto que repassou à autora cópia dos documentos da autorização de cirurgia e do Termo de Responsabilidade.
A sentença
A juíza Miroslava do Carmo Mendonça, após tecer considerações acerca da legislação consumerista, disse que não ficou comprovada a ocorrência de danos à autora. Além disso, a documentação acostada ao processo mostra claramente que ela e o esposo, efetivamente, autorizaram o procedimento de esterilidade. A alegação de que ambos desconheciam o que estavam assinando — destacou a juíza — não é suficiente para sustentar os pedidos.
‘‘Assim, não tendo a autora trazido aos autos elementos suficientes para provar que o hospital e o médico deram causa ou contribuíram para a situação apresentada na inicial, qual seja, a realização de laqueadura tubária sem autorização, ocasionando-lhe danos morais, danos pela perda de uma chance e danos materiais, e nem mesmo comprovado que o médico agiu de forma negligente, a improcedência dos pedidos é a medida que se impõe’’, encerrou a juíza.
Fonte: Revista Consultor Jurídico (Jomar Martins)
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.