Caso de marido que teria tratado câncer da mulher com remédios caseiros e homeopáticos suscita discussão
A suposta negligência de um marido diante do câncer que consumiu a mulher é alvo de discussão na Justiça do Distrito Federal. Em 6 junho de 2010, cerca de um mês depois de ser internada em virtude de um melanoma — tumor na pele — em estágio terminal, Edna Guimarães Campos, 46 anos, morreu no Hospital de Apoio. O companheiro da vítima foi acusado pelo Ministério Público do DF e Territórios por homicídio doloso, em virtude de não prestar a devida assistência e de a ter impedido de receber atendimento médico adequado. De acordo com o processo que apura as circunstâncias da morte, Paulo Cesar Santos Machado, 60, tratou o problema com remédios caseiros e pomadas homeopáticas.
O caso abre a discussão sobre a responsabilidade de maridos, mulheres, filhos e irmãos diante de um parente doente que não quer receber atendimento médico. Na opinião do advogado Claudismar Zupiroli, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-DF, se soubesse da real situação de saúde da esposa, Paulo Cesar poderia, de fato, ser responsabilizado pela morte. “As pessoas próximas e familiares têm o dever de prover o melhor tratamento para salvar a vida. Trata-se de uma obrigação familiar”, observa. Se alguém se nega a fazer consultas médicas ou tomar o medicamento adequado, é possível, inclusive, acionar o Judiciário em busca de uma decisão que obrigue o parente a se tratar.
Na última semana, a 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios desclassificou a acusação de homicídio doloso (quando há intenção de matar) contra Paulo Cesar, fazendo com que a ação, que seria analisada no Tribunal do Júri de Brasília, fosse para um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. De acordo com a relatora do processo, desembargadora Sandra Santis, o acusado e a vítima não imaginavam a gravidade da doença. “Não se sabe se uma pronta ação do recorrente teria evitado o resultado fatal. É mais provável que não, devido às características específicas do tumor”, destacou.
Em depoimento à Justiça, Paulo Cesar, profissional da área de tecnologia da informação, negou as acusações e disse que desconhecia a doença. No início de 2010, a professora pediu ao marido uma pomada de própolis para tratar de suposto furúnculo em uma das axilas. Segundo a defesa, em maio de 2010, o marido a reparou que ela estava muito magra e a levou, à força, ao Hospital de Base. “Ele não sabia nada a respeito do câncer, foi informado da gravidade do quadro pelos médicos que a atenderam”, explica Priscila Corrêa Gioia, advogada de Paulo Cesar.
O homem, então, decidiu entrar em contato com os familiares de Edna. Quando chegaram à unidade de saúde, os irmãos ficaram chocados com as condições da professora. “A situação dela era crítica, com mau cheiro, unhas grandes, estava com fungos”, relatou um dos parentes. Uma irmã conseguiu transferi-la para o Hospital de Apoio. De acordo com a denúncia, Edna revelou detalhes do que havia passado com o marido. Os irmãos registraram ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher. Agentes foram até o hospital para ouvir Edna, e uma liminar foi concedida a fim de impedir o acesso de Paulo Cesar ao hospital.
Segundo um familiar, a professora disse à polícia que o marido sabia da gravidade do caso e se negava a prestar-lhe socorro. Poucos dias depois, Edna morreu. O Ministério Público deu andamento às investigações, oferecendo a denúncia. Maurício Miranda, promotor de Justiça do Tribunal do Júri de Brasília que atuou no caso, explica que o depoimento da vítima foi muito contundente, o que motivou o pedido de condenação por homicídio doloso. “Ainda espero que ele venha a ser responsabilizado por maus-tratos ou até mesmo por lesão corporal seguida de morte”, completa.
``Não se sabe se uma pronta ação do recorrente teria evitado o resultado fatal. É mais provável que não, devido às características específicas do tumor``
Sandra Santis, desembargadora
Grave
O oncologista Murilo Buso, especialista em câncer de pele, diz que o melanoma é o tipo de manifestação mais grave da derme. “O tratamento depende da extensão e do tamanho do tumor”, explica. Nos estágios iniciais, é necessário fazer um procedimento cirúrgico, com chances altas de cura. Em um estágio secundário, a indicação pode ser pelo esvaziamento do local atingido — como perna ou axila —, uso de medicação e radioterapia. Já o melanoma metástico é incurável, restando aos médicos apenas tentar oferecer mais qualidade de vida ao paciente.
Memória
2007
Em agosto de 2011, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios condenou Kleber Ferreira Gusmão Ferraz a 17 anos de prisão por induzir a namorada, a funcionária pública Maria Aparecida Lima da Silva, ao suicídio. O rapaz manteve um relacionamento com a vítima, a quem manipulou para tirar proveitos financeiros, causando o endividamento da servidora do Superior Tribunal de Justiça. Em março de 2007, o rapaz teria se aproveitado do estado depressivo da moça para manipulá-la, incentivando a namorada a beber uma substância química capaz de matá-la. Maria Aparecida chegou a receber socorro, mas não resistiu. O crime aconteceu no Bay Park Hotel. Kléber teria levado a mulher a crer que ambos se suicidariam e preparou o local onde o fato aconteceria. O motivo do crime seria um seguro de vida feito por Maria Aparecida, no valor de R$ 210 mil, em nome de Kleber. O acusado foi condenado por homicídio duplamente qualificado.
2009
Thomas e Manju Sam foram presos em Sydney, na Austrália, por deixar a filha Gloria, de 9 meses e meio, morrer de septicemia e desnutrição, consequências de um severo caso de eczema, em 2002. Thomas, 42 anos, e Manju, 37, se recusaram a buscar ajuda médica durante os quatro meses e meio em que a criança esteve doente, preferindo tratá-la com homeopatia. O casal foi condenado por homicídio culposo. A pena combinada dos dois chega a um mínimo de 10 anos de prisão, sendo que o pai deve cumprir pelo menos seis anos, e a mãe, pelo menos quatro. Sam é médico homeopata e tratou a filha sozinho, até que ela desenvolveu uma úlcera no olho esquerdo e foi levada a um hospital, dois dias antes de morrer. O juiz Peter Johnson, da Suprema Corte de Nova Gales do Sul, disse que a bebê sofreu desnecessariamente por causa de uma condição que é tratável.
Fonte: Correio Braziliense / Thaís Cieglinski
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.