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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Médicos que debatem a discriminalização do aborto se dividem

Questão esbarra em ética, moral e religião

Belo Horizonte — Por trás do crime, das sequelas para o corpo e para a alma, muitas vezes carregadas pelo resto da vida, milhares de brasileiras que se submetem a um aborto clandestino no país se deparam com a eterna dúvida: em qual momento nasce a vida? De cunho moral, religioso e ético, a questão ganha foco no Brasil diante da decisão de entidades nacionais em propor a discriminalização do aborto, o que permitiria a interrupção da gravidez de até 12 semanas.

A posição, apesar de sugerida pelo órgão que representa 400 mil médicos, o Conselho Federal de Medicina (CFM), não é consenso na classe. Prova disso é o posicionamento do Conselho Regional de Medicina (CRM), que diz que “doutores são treinados para salvar vidas, não matá-las”. A resistência é tão grande que, até em processos legais de interrupção da gravidez, como em caso de estupro, há especialistas que se recusam a fazer o procedimento, respeitando a própria consciência e a ética. O CRM de Goiás também é contrário à medida.

Tratada no âmbito da reforma do Código Penal Brasileiro, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, a proposta dos conselhos de Medicina e de Psicologia, de acordo com o CFM, foi apresentada em março e se baseia na ideia de que a mulher deve ter autonomia para decidir por levar uma gravidez de até três meses adiante, assim como é feito em outros países. Para essa decisão, o conselho contou com a colaboração de outras entidades, entre elas a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “Somos um total de 23 pessoas, entre médicos, filósofos, advogados e religiosos. Desses, 17 foram favoráveis ao aborto em até 12 semanas”, diz o médico e presidente da SBB, Cl& aacute;udio Lorenzo, professor do Programa de Pós-Graduação de Bioética da Universidade de Brasília (UnB), com doutorado no Canadá em ética aplicada a ciências clínicas.

De acordo com ele, a discordância para o tema está no estatuto moral do embrião. “Na minha opinião, a vida humana é quando há uma relação com o outro, sentimentos e percepções proeminentes humanos. O embrião de até 12 semanas não tem o sistema nervoso para estabelecer qualquer espécie de relação. Um bebê que seja capaz de sonhar e perceber coisas maternas se torna pessoa. Essa definição vem de Aristóteles, que dizia que, nesse período da gestação, a criança é gente, ganha alma. Nesse caso, apesar de o embrião não ser coisa, não posso comparar a questão moral de uma mulher que não deseja prosseguir uma gravidez em relação a algo que tem o potencial futuro de vida”, defende.

Para o presidente da Febrasgo, o obstetra Olímpio Morais, a questão é de saúde pública. “Não somos a favor do aborto, mas a favor do direito da mulher de decidir sobre o seu corpo.” Segundo ele, enquanto o país tratar o ato como crime, as mulheres que se submetem ao procedimento para interromper a gestação, muitas vezes em condições subumanas, vão se calar. “São 300 mulheres morrendo por ano no Brasil”, estima Olímpio, que compara as leis brasileiras às de outros países. “Em outros lugares, religião é uma coisa, saúde é outra. O Brasil está 50 anos atrás de vários países para enfrentar o problema, pois, ao escondê-lo, você não o resolve. Uma mulher pode ir presa, e o companheiro dela não?”, polemiza.

Fiscalização

Para o CRM-MG, o início da vida se dá quando há a fecundação. “Levamos o assunto a 21 conselheiros mineiros e, por unanimidade, decidimos ser contra a descriminalização do aborto”, afirma o presidente da entidade, João Batista Gomes Soares. Para ele, aborto é uma solução extrema. “Nossa corrente considera que até 12 semanas já tenha o início da vida.” Ao permitir o ato, Soares teme que muitas clínicas se abram para fazer o procedimento país afora. “Somente em Minas Gerais, em cinco anos, cassamos seis médicos por cometer o crime. O problema é que há a fiscalização, mas não nos passam os nomes desses profissionais. Duvido muito que as mulheres vão buscar o procedimento só com até 12 semanas. Não seria melhor fazer uma votação popular no Brasil sobre o tema? ”, sugere.

Outra questão levantada por ele é a ética pessoal dos médicos. “O código de ética médica diz que o profissional não é obrigado a participar de atos médicos contra a sua consciência. Se há minha convicção pessoal, não vou fazer. Tenho os meus princípios. Somos treinados para salvar vidas”, explica.

Essa consciência médica é colocada em xeque até quando o aborto se enquadra em uma das situações em que o procedimento é autorizado — risco de vida para a mãe, gravidez provocada por estupro e feto anencéfalo. A Maternidade Odete Valadares, em Belo Horizonte, há 10 anos é um dos hospitais referência e credenciados para fazê-lo. “Temos em média quatro casos de mulheres grávidas por estupro por mês. Há 10 anos, elas precisavam da ocorrência policial, mas a medicina dispensou o documento. Hoje, elas preenchem um formulário e passam por uma análise médica, com diagnóstico clínico. São internadas e o procedimento é feito, com medicação para expulsão do feto e curetagem. Desde que estejam no máximo entre a 12ª e a 13ª semana da gravidez ”, explica o diretor-geral da maternidade, Carlos Nunes Senra. Segundo ele, mesmo nessas situações, há médicos que não fazem o procedimento, muitas vezes por questões de religião.

Fonte: Correio Braziliense / Luciane Evans