Reavaliação de 1.679 pacientes feita no Albert Einstein contraindicou a operação de coluna em quase 60% dos casos
Um programa do hospital Albert Einstein está reavaliando indicações de cirurgias de coluna. Em dois anos, dos 1.679 pacientes que chegaram com pedido médico para a operação, só 683 (41%) foram confirmados como realmente necessários. Os resultados foram apresentados anteontem em fórum internacional de qualidade e segurança do paciente, em Londres.
O programa atende pacientes particulares e de planos de saúde (Bradesco, Marítima e SulAmérica), que são encaminhados pelo próprio convênio para uma segunda opinião médica. Além do diagnóstico, o acordo entre o hospital e os planos prevê reabilitação para os casos não cirúrgicos.
A iniciativa está causando polêmica entre os cirurgiões cujos diagnósticos foram questionados. O caso foi discutido na câmara técnica de implantes da AMB (Associação Médica Brasileira), que o encaminhou ao Conselho Federal de Medicina. ``Isso fere um preceito básico da ética médica que é um médico interferir ou mudar a conduta de outro. A indicação de cirurgia é prerrogativa do médico do paciente``, afirma o neurocirurgião Marcelo Mudo, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
O excesso de cirurgias de coluna e as sequelas (perda da mobilidade, por exemplo) que ocorrem quando ela é mal indicada são largamente documentados em estudos. Os procedimentos custam até R$ 200 mil e mais da metade desse valor se refere a dispositivos (pinos, parafusos etc).
Nos EUA, o número e os custos dessas cirurgias dispararam na última década e elas estão agora na mira do governo federal. Há a suspeita de que os médicos estejam indicando mais porque ganham benefícios da indústria.
Segundo o médico Claudio Lottenberg, presidente do Einstein, o projeto é uma tentativa de evitar esses conflitos e padronizar procedimentos. ``Queremos o melhor para o paciente e para o sistema de saúde como um todo, não para a fábrica de implantes.``
Os planos de saúde que participam da iniciativa economizaram R$ 54 milhões com as cirurgias não realizadas. Lottenberg diz que o grupo segue estritamente protocolos clínicos e não há intenção de favorecer convênios.
O médico Mario Ferretti, gerente de ortopedia do Einstein, afirma que a maioria das indicações cirúrgicas desnecessárias era relativa a diagnósticos associados a outras doenças não detectadas.
``O paciente pode até ter uma hérnia de disco, mas pode ser que outras patologias, como fibromialgia ou esclerose múltipla, sejam a real causa da dor na coluna.``
No hospital, a equipe de atendimento tem ortopedistas, fisiatras e fisioterapeutas. ``Não colocamos cirurgiões de propósito, para não ter viés. Os clínicos estão capacitados a fazer o diagnóstico. Se há dúvida, acionamos os cirurgiões``, diz Ferretti.
Segundo dados do projeto, pacientes que adotaram tratamentos não invasivos, como fisioterapia, tiveram redução da dor e relataram melhoria de qualidade de vida.
``Não conseguia fazer mais nada sozinha``
Durante dois anos, a dona de casa Maria Elisa Cavagna Rocha, 42, passou por três ortopedistas e recebeu indicação para operar a cervical. No projeto de coluna do Einstein, descobriu que a razão da dor e da paralisia nas pernas era esclerose múltipla, e não hérnia de disco. ``Há dois anos, comecei a sentir dor forte na lombar e um amortecimento no dedão do pé. Fui a dois ortopedistas, que me indicaram fisioterapia e RPG. Fiz, mas não melhorou nada.
Aí as pernas começaram também a amortecer. Fui a outro médico que, depois de analisar a ressonância magnética, disse que eu tinha hérnia de disco, mas que não era caso de cirurgia. Me deu mais fisioterapia e RPG.
Mas as coisas começaram a piorar muito. Minhas duas pernas começaram a travar. Fui a um terceiro médico e ele disse que eu tinha cinco hérnias de disco na cervical e precisaria operar com urgência e colocar dez parafusos. Disse até para eu cortar o cabelo curto porque ele teria de raspá-lo um pouco atrás. Foi uma loucura. Cheguei na consulta usando muletas e, um mês depois, já estava na cadeira de rodas, não conseguia fazer mais nada sozinha. Imagina a cabecinha da minha filha de dez anos vendo a mãe ficando paralítica.
O convênio me encaminhou para o hospital Albert Einstein para um segunda opinião. Meu médico disse que era uma espécie de perícia pro forma`. Ainda me orientou a insistir em operar com ele caso o hospital sugerisse para fazer a cirurgia lá.
Já na primeira consulta do grupo de coluna suspeitaram de um problema neurológico. Fui internada na hora e fiquei quatro dias fazendo exames, inclusive aquele que tira liquor da medula. Era esclerose múltipla.
Tenho uma lesão muito grande, mas não é na coluna, e sim na medula. Os médicos anteriores não perceberam isso. Se tivessem me operado, eu poderia ter ficado até paraplégica porque iam mexer na lesão da medula.
Comecei a tomar a medicação para esclerose múltipla e fazer fisioterapia para fortalecimento muscular. Ainda sinto falta de equilíbrio e fadiga, mas estou andando, cuidando da casa, levando uma vida quase normal.``
(CC)
Parecer do programa gerou processo judicial
O estopim da discórdia entre os neurocirurgiões e o Einstein foi o caso de uma paciente da Bradesco Saúde que havia recebido indicação do seu médico para operar a coluna. Ela passou pelo projeto do hospital, que contraindicou a cirurgia.
A seguradora se amparou no parecer do Einstein para vetar o procedimento. A paciente conseguiu liminar na Justiça e o plano foi obrigado a bancar a cirurgia.
O neurocirurgião se sentiu ofendido pelo hospital e denunciou o fato à câmara técnica de implantes da AMB (Associação Médica Brasileira), que o encaminhou ao Conselho Federal de Medicina. O caso corre sob sigilo.
Segundo Luiz Carlos Sobânia, coordenador da câmara da AMB, a paciente relatou ter sido avaliada por um especialista em joelho --não em coluna. O médico teria dito que a cirurgia traria riscos e o melhor seria se ela fizesse fisioterapia no Einstein.
``Entendemos que houve falta de ética e infração a regras já estabelecidas entre as sociedades médicas, os planos de saúde e os órgãos reguladores``, diz Sobânia. O ortopedista Mario Ferretti, do Einstein, diz que o hospital não foi notificado sobre esse caso, mas que o grupo respeita as normas éticas.
Em nota, a Bradesco Saúde informou que não tem dados do caso. Sobre o acordo com o Einstein, afirma que visa propiciar as melhores condições de tratamento e que a decisão sobre procedimentos é do médico e do paciente.
(CC)
Fonte: Folha de S.Paulo / Cláudia Collucci
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.