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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Médicos escreveram 'prontuários' no peito das vítimas dos ataques em Boston

Muitos pacientes chegavam ao mesmo tempo, com variações dos mesmos ferimentos terríveis nas pernas. Ossos estilhaçados, tecido rasgado, pregos enterrados profundamente na carne. Decisões precisavam ser tomadas, repetidas vezes, com pouco tempo para deliberações. Essa perna deve ser amputada? E quanto a essa outra?

"Na condição de cirurgiões ortopédicos, nós vemos pacientes assim, com extremidades mutiladas, mas não vemos 16 ao mesmo tempo e não vemos vítimas de explosões", disse o dr. Peter Burke, o cirurgião-chefe do Boston Medical Center.

O preço das bombas de segunda-feira (15) na Maratona de Boston, que matou pelo menos três pessoas e feriu mais de 170, será sentido por muito tempo pelos envolvidos no marcante evento esportivo da cidade. Para as vítimas, o legado físico poderá ser particularmente cruel: traumas severos nas pernas e amputações.

"O que gostamos de fazer antes de amputar a perna de alguém - e é uma decisão extremamente difícil de ser tomada - é dois cirurgiões concordarem com a decisão", disse o dr. Tracey Dechert, cirurgião-chefe de traumatologia do Boston Medical. "Eu estou certo neste caso? Isto não pode ser salvo. Assim, desse modo, você se sente melhor e sabe que não retirou a perna de alguém sem precisar. Todas as salas contam com múltiplos cirurgiões, para que todos possam sentir que estão fazendo o que precisa ser feito."

O grande número de traumatismos nas pernas foi consequência de bombas que pareceram desferir seus piores golpes a até 60 centímetros do chão.

Em um instante, os médicos nos hospitais por toda a cidade, que estavam preparados para os problemas habituais da maratona -desidratação e hipotermia -, se viram diante de decisões profundas, capazes de mudar a vida de corredores e espectadores de todas as idades.

Algumas vítimas chegavam em pares em ambulâncias, algumas com buracos enormes em suas pernas, onde pele, gordura e músculo foram arrancados pela bomba e com rolamentos ou pregos das bombas inseridos na carne.

Outros apresentavam artérias cortadas nas pernas ou múltiplas fraturas nos ossos das pernas e pés. A onda de choque da explosão destruiu vasos sanguíneos, pele, músculo e gordura. E pelo menos nove pacientes - cinco no Boston Medical Center, três no Beth Israel Deaconess Hospital e um no Brigham and Women's Hospital - apresentaram pernas ou pés tão mutilados que precisaram ser amputados.

Alguns dos profissionais médicos no atendimento, disse Julie Dunbar, capelã no Beth Israel, se viram diante de "mais traumatismos do que a maioria verá durante toda a vida, mais tristeza, mais perda".

Foram apenas três vítimas fatais. Segundo os médicos, isso ocorreu porque a explosão, próxima do solo, feriu principalmente as pernas e pés das pessoas, em vez de seus abdomens, peitos ou cabeças. E os torniquetes interromperam sangramentos que poderiam ter sido fatais em muitos casos.

O dr. Allan Panter, 57, um médico de pronto-atendimento de Gainesville, Geórgia, estava a dez metros da explosão, perto da linha de chegada, aguardando sua mulher, Theresa, completar sua 16ª Maratona de Boston. Auxiliado por outros, ele disse que usou gaze para aplicar torniquetes em várias vítimas, incluindo um homem aparentemente na faixa dos 20 anos que perdeu ambas as pernas na explosão. Ele disse que viu outras seis ou sete vítimas com cintos apertados em torno de suas pernas feridas.

Torniquetes, antes desencorajados pelo temor de poderem causar danos às lesões, voltaram a ser defendidos e têm sido usados no tratamento de ferimentos causados por artefatos explosivos nas guerras no Iraque e no Afeganistão, disse o dr. Panter.

"Em ferimentos nas extremidades inferiores causados por explosões como temos no Oriente Médio, há grande sangramento", ele disse. Os torniquetes, "podem ajudar a salvar vidas. Eu não sei se ajudaram nesta situação, mas certamente não prejudicaram".

Apesar do caos inicial na tenda médica próxima da linha de chegada, e alguns gritos e gemidos das vítimas, de modo geral o cenário foi de ordem, de acordo com o dr. Panter. Ele auxiliou outros no transporte por cadeiras de roda de uma mulher que morreu, segundo contou. Ele descreveu 20 a 30 macas na tenda com soro intravenoso preparado, destinadas aos corredores desidratados.

Pelo menos oito médicos e aparentemente 20 ou mais enfermeiros estavam de prontidão na tenda. Um homem com microfone estava no centro da tenda para coordenar o atendimento.

As vítimas que chegavam eram avaliadas e classificadas como 1 para estado crítico, 2 para intermediário, 3 para "pode esperar" e "tarja preta" para quem parecesse estar morto, disse o dr, Panter. Um técnico de emergência médica do lado de fora da tenda coordenava o serviço de ambulância aos hospitais.

"De modo geral, era um ambiente bastante controlado", disse o dr. Panter, que é médico de pronto-atendimento há 30 anos. "Eu já vi muito pior. Eles sem dúvida estavam preparados - não preparados para esse tipo de ferimentos, mas estavam preparados."

Assim que as vítimas eram transportadas para os hospitais de Boston, os médicos tiveram de coordenar cuidadosamente sua resposta. Cada um tem uma história de onde estavam quando as bombas explodiram e como correram para ajudar e como, em alguns casos, por pouco não foram eles mesmos as vítimas.

O dr. Alok Gupta, que dirigiu a resposta cirúrgica no Beth Israel, disse que vai com frequência à linha de chegada da maratona para ver a corrida. Mas neste ano ele estava tão cansado que preferiu cochilar. Então ele ouviu as sirenes de ambulâncias e os helicópteros do lado de fora de sua casa em Back Bay, perto da linha de chegada da maratona. Ele estava começando a se perguntar por que as sirenes persistiam e por que os helicópteros estavam sobrevoando quando seu celular tocou.

"A chamada estava entrecortada", ele disse. "Tudo o que consegui ouvir foi 'vítimas em massa' e 'precisamos de você'", ele disse.

Ele deixou sua casa em menos de um minuto e estava no hospital cinco minutos depois. Então ele e seus colegas começaram a trabalhar. Eles liberaram a sala de emergência, mandando para casa todos aqueles que podiam partir e transferindo outros para leitos em outras partes do prédio. Eles liberaram a unidade de terapia intensiva, também transferindo os pacientes para outras áreas do hospital. O dr. Gupta montou um comando central.

"Cirurgiões foram chamados, médicos de pronto-atendimento foram chamados, pessoal de sala de cirurgia foi chamado, todos foram chamados", ele disse. O serviço de telefonia móvel em Boston ficou sobrecarregado, de modo que médicos, enfermeiros e profissionais de saúde foram contatados por mensagens de texto.

Aproximadamente dez minutos depois, os pacientes começaram a chegar. Cada um foi posto em uma sala e avaliado. Os médicos descreveram a situação como calma e eficiente.

Sete pacientes no Beth Israel foram encaminhados diretamente para a sala de operação para uma cirurgia de emergência para estabilizá-los, como interromper o sangramento, por exemplo. Cinco foram para a terapia intensiva. No Brigham and Women's Hospital, seis pacientes foram para a sala de operação e nove para a terapia intensiva.

"Eu acho que muitos desses ferimentos eram tão devastadores que era claro que não seria possível salvar aqueles membros", disse o dr. Burke, do Boston Medical Center. "Nós todos gostaríamos de salvar todas as extremidades que pudéssemos, mas uma coisa que aprendemos em traumatologia é que, quando os danos são muito extensos, você pode criar aborrecimentos demais, e a amputação vai acabar ocorrendo, só que um ano depois. Dez operações, dez operações fracassadas, vício em narcóticos para as dores crônicas, todas essas coisas." Uma amputação realizada cedo, acrescentou Burke, pode significar um retorno mais rápido à vida normal.

Empregando uma tática usada pelos militares no Iraque, os médicos no Beth Israel usaram canetas de ponta porosa para escrever os sinais vitais e ferimentos nos peitos dos pacientes –distantes de modo seguro dos ferimentos nas pernas– para que, se o prontuário do paciente se extraviasse durante a transferência para a cirurgia ou para a terapia intensiva, por exemplo, não houvesse dúvida sobre o quadro do paciente.

Aqueles que precisaram de cirurgia com frequência precisariam de outras nos dias subsequentes. Aqueles com grandes ferimentos que arrancaram pele e músculo precisariam de cirurgia plástica. Aqueles que tiveram artérias cortadas também precisariam de cirurgia.

Grande parte dos feridos levados ao Beth Israel tinham menos de 50 anos, disse o dr. Michael Yaffe, um cirurgião traumatológico do hospital. Alguns poucos corredores, mas a maioria espectadores que estavam próximos da linha de chegada.

Por volta das 2h de terça-feira, a equipe médica do Beth Israel voltou para casa, para retornar ao hospital às 6h. Eles examinaram cada paciente antes de saírem e novamente ao voltarem. Frequentemente em casos de traumatismos, disseram os médicos, os pacientes não notam alguns de seus ferimentos até que o ferimento maior seja tratado.

A Maratona de Boston é muito especial, um dia para celebrar o atletismo e a emoção do esporte. Para os corredores que treinaram por meses e agora estão diante de meses ou anos de reabilitação, e do fim de seus dias como corredores, as bombas roubaram "aquilo que amavam", disse o dr. Yaffe.

Nos momentos após as explosões, alguns pacientes lembraram que "achavam que morreriam, ao verem quanto sangue estavam perdendo", disse o dr. George Velmahos, chefe dos serviços de traumatologia do Massachusetts General Hospital. Quando acordaram na terça-feira e perceberam que ainda estavam vivos, eles disseram que se sentiram extremamente gratos, alguns até mesmo se considerando afortunados, disse o dr. Velmahos.

"É quase um paradoxo", ele disse, "ver esses pacientes com um membro amputado acordarem e se sentirem sortudos".

Fonte: UOL/TNYT