Segredo previsto em lei que impede a revelação de assuntos confidenciais ligados à profissão envolve uma série de nuances e normas, que devem ser seguidas para garantir o respeito e a confiança entre o paciente e o cirurgião-dentista
Todas as profissões e, especialmente, as relacionadas ao campo da saúde, têm o direito e o dever de manter o sigilo. Essa confidencialidade faz parte dos valores éticos que estruturam o trabalho de todos os que se dedicam à área, como é o caso dos cirurgiões-dentistas.
O sigilo profissional está acima dos interesses particulares do cirurgião-dentista ou de terceiros, sendo um direito renunciável nos casos expressos em Lei e no Código de Ética Odontológica, limitado, muitas vezes, à vontade do paciente. Embora ele seja uma regra, aceita exceções, conforme veremos a seguir.
A Constituição Federal considera o sigilo profissional uma “cláusula pétrea”, ou seja, sem possibilidade de alteração, como se vê em seu Art. 5º:
“XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”
Privacidade resguardada
O sigilo profissional pode ser definido como um segredo que deve ser mantido na relação entre o cirurgião-dentista e seu paciente.
Ele se caracteriza por ser um direito-dever: é um direito do paciente e um dever ético do profissional, que não pode divulgar assuntos de ordem confidencial de seu paciente, temas que são do seu conhecimento em razão da rotina e das atividades odontológicas.
O sigilo abrange assuntos que dizem respeito à intimidade e à privacidade do paciente, seja quanto à sua condição de saúde bucal e geral, seja quanto aos seus hábitos, costumes, vida profissional, social, afetiva, familiar, dentre outros aspectos que configuram informações pessoais, que somente podem ser reveladas com sua permissão.
É importante ressaltar que até os dados cadastrais são de caráter sigiloso. Além disso, informações adquiridas por meio de outros profissionais, de exames complementares e de prontuários físicos ou eletrônicos compartilhados também devem ser protegidas. O dever de segredo não é só do cirurgião-dentista, mas de toda a equipe odontológica.
A importância do acolhimento
Em geral, quem busca o auxílio de um cirurgião-dentista encontra-se em uma situação delicada e suscetível, com quadros de dor e desconforto. Essas condições requerem um atendimento personalizado, atencioso e acolhedor. O paciente precisa se sentir seguro para expor sua privacidade, com informações e dados que podem contribuir no tratamento odontológico e no restabelecimento de sua saúde bucal.
Assim como o sigilo, o acolhimento deve fazer parte da rotina de todos os profissionais da Odontologia. É fundamental que a equipe esteja preparada para acolher com atenção e simpatia o paciente. A coleta de informações deve ser feita de forma respeitosa.
A confiança como base da relação
O relacionamento entre o cirurgião-dentista e seu paciente deve ser fundamentado na troca de informações, conselhos e cuidados de saúde – bucal e geral, antes, durante e ao término do tratamento odontológico.
Nesse sentido, o paciente espera que o cirurgião-dentista esteja à sua disposição para ajudá-lo a entender sobre os diversos procedimentos preventivos disponíveis ou para auxiliá-lo na escolha do tratamento curativo mais adequado, diante das inúmeras opções existentes. Assim, o primeiro vínculo a ser trabalhado nesse relacionamento deve ser a confiança.
No âmbito da saúde, uma relação centrada na confiança e no respeito dá ao paciente segurança e a tranquilidade necessária para revelar ao profissional situações de extrema relevância, mas que, muitas vezes, não são ditas por medo, vergonha ou timidez. Um exemplo é quando o paciente omite, no preenchimento da anamnese, que faz uso de substâncias químicas (drogas) ou que é portador de alguma doença infectocontagiosa.
Informações como essas são fundamentais
para que o cirurgião-dentista elabore o correto diagnóstico e planejamento terapêutico, em benefício da saúde do paciente. A omissão desses dados e outros pertinentes ao estado de saúde bucal e geral, bem como aos costumes do indivíduo, podem expô-lo a danos irreparáveis ou de difícil reparação e, até mesmo, conduzi-lo à morte.
Quando romper o sigilo?
A regra geral é não revelar o segredo. Contudo, o Código de Ética Odontológica estabelece em seu Art. 14, Parágrafo Único, que existem situações
consideradas como justa causa para a quebra do sigilo. São elas: notificação compulsória de doença e de agravos à saúde; colaboração com a justiça nos casos previstos em lei; perícia odontológica nos seus exatos limites; estrita defesa de interesse legítimo dos profissionais inscritos e revelação de fato sigiloso ao responsável pelo incapaz.
O cirurgião-dentista não está obrigado a manter o sigilo quando for o caso de cobrar judicialmente a quitação de seus honorários profissionais podendo, assim, no curso da ação, falar sobre o tratamento empreendido no paciente.
Notificação compulsória de doença ou de agravo à saúde
Ela é toda e qualquer comunicação oficial direcionada às autoridades sanitárias a respeito da ocorrência de uma doença ou de um agravo à saúde,
feita por profissional de saúde ou cidadão, com o objetivo de viabilizar a adoção de medidas de intervenção pertinentes.
É uma ação importante, utilizada como estratégia para melhorar o conhecimento do comportamento de doenças na comunidade e agravos, tais como lesões decorrentes de violência, acidentes, envenenamentos, entre outros, envolvendo menores, abuso de cônjuge ou idoso, ferimento com arma de fogo ou outro tipo de arma, quando se suspeita que a lesão tenha ocorrido em função de ato criminoso.
O artigo 269 do Código Penal estabelece como crime a omissão de notificação de doença, conforme se vê: “deixar o médico de denunciar à autoridade
pública doença cuja notificação é compulsória”.
Muito embora o texto legal mencione somente o médico, esse dever cabe aos demais profissionais da área da saúde, incluindo os cirurgiões-dentistas.
Estatuto da Criança e do Adolescente
Em seu artigo 13, determina que os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos, bem como o presenciar de agressão durante o atendimento profissional, são situações que devem ser obrigatoriamente comunicadas ao Conselho Tutelar da respectiva localidade de moradia do menor.
O artigo 245 do ECA estabelece como infração administrativa a não comunicação desses fatos à autoridade competente, sujeitando o cirurgião-dentista à multa de três a vinte salários de referência.
Importante compreender que o ato de notificar tem o objetivo de interromper as atitudes e comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer agressor. Cabe ao Conselho Tutelar receber a notificação, analisar a procedência de cada caso e chamar a família ou qualquer outro agressor para esclarecer o ocorrido. Os casos mais graves que configurem crimes ou iminência de danos maiores à vítima, o Conselho Tutelar
direciona à autoridade policial, judiciária e ao Ministério Público.
A notificação compulsória de agravos também se aplica aos casos que envolvem idosos, mulheres e/ou agressão contra o cônjuge, de acordo com as legislações específicas.
Sigilo dos casos clínicos
O Código de Ética Odontológica, no inciso III, do Art. 14, determina que é infração ética fazer referência a casos clínicos identificáveis; exibir paciente, sua imagem ou qualquer outro elemento que o identifique, em qualquer meio de comunicação ou sob qualquer pretexto, a menos que o cirurgião-dentista esteja no exercício da docência ou em publicações científicas, nos quais a autorização do paciente ou de seu responsável legal lhe permite a exibição da imagem ou prontuários com finalidades didático-acadêmicas.
Isso significa que, em decorrência das vedações expressas na Lei Federal nº 5081/66, e em razão do sigilo profissional, o cirurgião-dentista e as clínicas odontológicas não devem expor os casos clínicos em qualquer meio de divulgação, tais como fôlderes; meios digitais, incluindo as redes sociais; televisão; impressos e demais formas de anúncio.
Cuidados importantes
Paciente falecido: Mesmo em caso de falecimento do paciente, o cirurgião-dentista possui o dever de manter o sigilo profissional, sendo vedado fornecer a terceiros, ainda que familiares, acesso ao prontuário ou a qualquer informação concedida em razão do atendimento odontológico.
Atestados Odontológicos: O cirurgião-dentista não deve revelar ao empregador qualquer fato referente ao tratamento odontológico em curso ou sobre o ato profissional realizado, quando questionado em razão da emissão de atestado odontológico. Em caso de dúvidas, o empregador deverá requerer ao funcionário os esclarecimentos que se fizerem necessários sobre o atendimento ao qual foi submetido.
Prontuários Compartilhados: Nos serviços multiprofissionais, em âmbito público ou privado, devem ser estabelecidas normas e rotinas de proteção dos prontuários. O mesmo se aplica ao acesso de terceiros envolvidos no atendimento, como é o caso de cooperativas, operadoras e seguradoras de planos odontológicos ou de outros serviços.
A temática do sigilo profissional deve ser abordada com bom senso, considerando, sem negociação, o que diz o Código de Ética e as leis brasileiras.
Há que se lembrar e fortalecer o juramento de Hipócrates: “Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens.
Fonte: CROSP
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.