*Por Gabriela Kasai
A relação entre médico-paciente não ficou alheia à evolução do tempo e dos avanços biotecnológicos. O médico teve sua posição de semideus deslocada ao longo desse período e o panorama atual desse processo especial de interação humana determina que as relações travadas entre esses dois atores – médico-paciente - passem, necessariamente, para uma relação humanizada, fruto de um diálogo relacional mais eficaz e eficiente.
Deste diálogo mais humanizado vê-se a importância de uma relação centrada no paciente e não apenas na doença que o aflige, pois a doença não pode ser compreendida como um fenômeno isolado, mas, sim, interligado com as diferentes dimensões que constituem a vida do indivíduo, bem como as dificuldades emocionais no encontro paciente-médico. Por isso, a reflexão acerca do vínculo de confiança é apontada como elemento essencial da relação médico-paciente.
Nesse contexto, mudanças nos currículos dos cursos de Medicina podem trazer novas perspectivas para o ensino e desenvolvimento das habilidades em comunicação, com a formação de um médico mais capacitado para lidar com as questões humanísticas e sociais envolvidas nas consultas, bem como com a subjetividade do paciente. Este, por sua vez, é coconstrutor desse relacionamento. Disto depende a adesão e o sucesso do tratamento.
A contemporaneidade traz novas demandas ao consultório médico, demandas essas muitas vezes que ecoam na saúde do paciente que carrega consigo históricos de violência, alcoolismo, problemas relacionados ao casamento, ao emprego, às dificuldades na vida escolar, entre outros, que exigem do profissional outras habilidades, que vão além dos conhecimentos estritamente biomédicos (SUCUPIRA, 2007).
Nesse ponto, destacam-se alguns dos benefícios de uma relação médico-paciente mediada pelo ensino da comunicação desde o início da formação do egresso: relação marcada pela confiança, maior adesão ao tratamento, melhor entendimento pelos pacientes de seus problemas e a possível redução de conflitos ético-disciplinares e judiciais. Frisa-se, a comunicação é ferramenta fundamental para o estabelecimento e o sucesso da relação médico-paciente.
Entretanto, frequentemente, verifica-se que a relação médico-paciente não tem sido considerada satisfatória e que a decisão de processar o médico, muitas vezes, é deflagrada pela comunicação inadequada desse profissional.
Incontestável que a ciência dos direitos e deveres pelos médicos e pacientes é imprescindível para evitar conflitos no âmbito ético-disciplinar e judicial. Porém, indubitavelmente, em casos de ocorrência de algum problema na prestação do serviço, numa relação médico-paciente marcada pela confiança, as chances de ingresso com ação judicial ou ética diminuem.
Com base na necessidade e possibilidade do ensino das habilidades de comunicação, duas universidades brasileiras - Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), adotaram métodos de ensino distintos, trazidos de experiências obtidas de outros países, como a Holanda, país referência na elaboração dos consensos internacionais sobre habilidades de comunicação.
Em termos de resultado, há relatos positivos de estudantes após a mudança curricular ocorrida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), acrescendo-se a construção de uma relação de parceria entre professores e alunos, condições percebidas pelos estudantes como fundamentais para a melhoria do aprendizado na relação médico-paciente, o que passa, prioritariamente, pelo preparo dos docentes para o ensino das habilidades de comunicação nas escolas médicas.
Contudo, é fundamental não se pensar o ensino das habilidades de comunicação de forma isolada, apenas como técnicas a serem aplicadas, sem que se redirecione todo o processo de educação médica, com a finalidade de junto com as habilidades biomédicas, priorizar a formação humanitária e ética do profissional que terá, como missão precípua, cuidar do sofrimento humano.
Assim, não é demais considerar que pode ser um grande privilégio para o médico quando a sua interioridade se converte em compaixão universalizada, na entrega ao sofrimento do ser humano. Quando a profissão médica se torna missão. O cuidado com o ser humano não é somente ciência, é também compaixão, intuição e sensibilidade, veiculadas no diálogo, fruto da relação empática gerada pela observação recíproca doente-médico.
Gabriela Kasai é advogada, especialista em Direito Médico, Odontológico e da Saúde pelo Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos-IPEBJ. Também é Coordenadora Jurídica no Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos em Ribeirão Preto/SP, e membro da Comissão de Perícias Forenses da OAB - 12ª Subseção Ribeirão Preto/SP.
Fonte: CREMESP
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.