A relação precisa ser honesta e de confiança entre o médico e paciente
O profissional da medicina – assim como toda a sua equipe – tem uma grande responsabilidade em mãos, pois trabalha com a vida humana e sua integridade física. O médico, que exerce uma atividade essencial de interesse social, está sujeito a erros, como qualquer outra pessoa.
Pela definição, do Manual de Orientação Ética Disciplinar do Conselho Federal de Medicina, erro médico é “a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior. Observa-se que todos os casos de erro médico julgados nos Conselhos de Medicina ou na Justiça, em que o médico foi condenado, o foi por erro culposo”.
Uma análise sobre o tema foi publicada no portal KevinMD, escrito pela médica Betsy M. Cohen, autora do livro Illness to Wellness: Reclaiming Your Life After a Medical Crisis (ainda não traduzido para o português).
Ela própria foi vítima de um erro médico há 30 anos.
Com foco na prevenção e reparação dos erros médicos, ela apresenta quatro dicas de como agir e preservar a melhor relação entre médicos e pacientes.
1 Desculpar
Antes de se preocupar com as rusgas que podem vir de gestores e do setor jurídico, seja um ser humano, profissional, faça a coisa certa e fale ao invés de ficar em silêncio. O silêncio sugere segredos e não é bom para a transparência. O silêncio é frio, não conforta, tão pouco demonstra interesse na instituição, no paciente e no reparo a ser iniciado.
Os pacientes necessitam de conforto. Eles também precisam de segurança e confiança. Os pacientes precisam de segurança física e emocional, e esta deve ser a prioridade inicial. As declarações que reconhecem a experiência pela qual o paciente está passando, que oferecem compaixão, mas não atribuem culpa ao paciente, poderiam ser abordadas com frases como:
Eu lamento que você esteja com essa complicação;
Eu lamento que este infeliz risco do procedimento aconteceu com você;
Esse tipo de falha não acontece muitas vezes, mas infelizmente pode ocorrer.
Respostas deste tipo permitem que a investigação do hospital em relação ao erro médico prossiga, avaliando os detalhes de como e por que ocorreu o erro, sem alienar o paciente ou prejudicar os seus cuidados.
2 Comunicar
Mais do que focar na doença, é preciso olhar para o paciente. Muito antes de haver um procedimento médico que poderia levar a um acidente, os médicos já estabelecem um relacionamento com um novo paciente, ouvindo as suas preocupações, reunindo seu histórico médico e educando-o sobre as condições que poderá ter, bem como recomenda cuidados preventivos. A construção da confiança através da comunicação real com os pacientes, ouvir e falar sobre seus problemas pessoais e de saúde torna o médico realmente mais centrado nas práticas de cuidados específicas para aquele paciente. Fale com o seu paciente, se houver um erro. É mais difícil quando não temos um aliado. Não permita que o medo determine que tipo de profissional você se tornará na evolução como médico.
3 Perdoar
Esse processo leva tempo para médicos e pacientes envolvidos em erros médicos, mas sugiro que as respostas iniciais dos médicos, profissionais de saúde e do hospital envolvidos, têm muito a ver com o resultado. Na minha situação, nenhum dos três médicos envolvidos no meu cuidado se desculpou nem após vários erros que necessitaram procedimentos adicionais. Como paciente, me senti abandonada e presa em um hospital onde eu parecia ser a única pessoa comprometida com a minha recuperação completa. Quando o cirurgião geral me disse ‘eu não posso esperar para você deixar de ser minha paciente. São tantas complicações’. Eu estava chocada que um médico pensou que culpar o paciente por estar doente, independentemente da etiologia da condição, parecia ser uma decisão sábia. Eventualmente, esta complexa jornada é muito mais individual, e para mim isso tinha mais a ver com a forma como eu escolhi para viver do que ser vítima de um ciclo de raiva sobre o que havia ocorrido. Escolher perdoar e não contestar significava me libertar do desgaste de energia física, emocional e espiritual, para continuar meu caminho para a cura. Me tornei determinada a usar essa experiência para expandir a minha mensagem e atuar como uma defensora dos pacientes e facilitadora de uma melhor comunicação médico-paciente, que me permitiu criar algo de positivo a partir de uma série de eventos infelizes.
4 Mudar
Para tornar a mudança efetiva, é preciso aprender. Saber que existem diferentes perspectivas para o médico e paciente, que cada uma é válida e importante e que traz uma compreensão de ambas as experiências, fortalecendo a relação médico-paciente e a possibilidade de melhorar a assistência ao paciente. Aprender que os hospitais devem conduzir e priorizar a segurança do paciente. Eles também devem reconhecer a importância da voz do paciente e desenvolver formas de integrar as experiências dos pacientes em seus planos de melhoria, da mesma forma que uma experiência desconfortável pode ser debatida para se entender o que não funcionou.
Uma organização que não leva em consideração a satisfação e a avaliação do cliente, e aprende a incorporar as recomendações do seu grupo de usuários, o faz por sua própria conta e risco. Não é suficiente apenas participar de seminários sobre segurança do paciente e continuar a fornecer serviços como de costume. Não é o bastante, dizer que a instituição está muito centrada no paciente sem realmente incluir quaisquer mudanças na prestação de serviços que os pacientes tenham identificadas como críticas. E o IRB (sigla para Institutional Review Board, um conselho de ética focado em pesquisas nos EUA que tem sido formalmente designado para aprovar, acompanhar e avaliar pesquisas médicas e comportamentais) não existe para proteger, defender ou ignorar os fatos quando um médico experiente estiver envolvido. O IRB tem uma responsabilidade com os pacientes e seus colegas médicos. Os médicos são humanos. Eles vão cometer erros. É preciso aprender que não se pode gerar uma mudança se os profissionais estão envergonhados ou isolados no processo.
Por fim, a autora diz que “no sistema de saúde atual não é fácil ser um paciente ou um médico. Respeito mútuo, confiança e conversas em torno destas questões poderiam ajudar a relação médico-paciente, melhorando o sistema de prestação de cuidados de saúde e a segurança do paciente”. O artigo encerra com uma citação do gestor do Clinical Human Factors Group, Martin Bromiley: “que outros possam aprender, para que outros possam viver”.
Fonte: Setor Saúde
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.