*Por Jomar Martins
Um médico condenado por homicídio culposo foi absolvido depois de 76 anos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O 2º Grupo Criminal concluiu que o médico, denunciado por imperícia, foi vítima de erro judicial. O colegiado baseou-se no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, que permite a revisão criminal quando a sentença de condenação contraria as evidências do processo.
Condenado em agosto de 1940 a dois meses de prisão por imperícia médica, o homem nem chegou a cumprir a pena: suicidou-se com um tiro na cabeça momentos antes de ser levado de sua residência à Casa de Correção de Porto Alegre pelo delegado de polícia encarregado do caso.
Segundo o processo, o suicídio foi causado pela dor da injustiça, pois ele não aceitou a decisão que o condenou pela morte de uma menina de nove anos, ocorrida cinco dia após ser submetida à cirurgia de apendicite. O perito judicial exumou o cadáver e concluiu que a morte foi causada por uma lesão na bexiga durante a cirurgia. A conclusão não considerou os relatos de que a menina, 15 dias antes da cirurgia, havia levado coice de um cavalo — o que explicaria a lesão.
A revisão criminal foi ajuizada pelo filho, hoje com 83 anos, na intenção de provar a inocência e a honra do pai. A peça revisional, assinada pelo advogado Rubens Ardenghi, foi baseada em dois laudos periciais.
Voto divergente
Apesar do relatório pela improcedência do pedido, o colegiado se alinhou ao voto do desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, que abriu a divergência após o pedido de vista. Segundo o desembargador, o fato de, à época, não se ter o conhecimento de hoje não serve como justificativa para ignorar as considerações médicas dos dois laudos, que mostram equívocos no exame de exumação da vítima.
Segundo Hassan Ribeiro, a prova mais robusta para condenar o médico foi um auto-de-exumação segundo o qual a lesão encontrada na bexiga da vítima era suficiente para a explicar a causa-mortis, “sem maiores explicações técnicas ou detalhamento”.
Lembrou que a conclusão simplista foi contestada na ocasião por dois médicos que apontaram diversas irregularidades na perícia. “Desde a fase instrutória já havia questionamentos quanto à correção, completude e adequação da perícia realizada na vítima para os fins propostos. Esses questionamentos foram reforçados pelas perícias recentes”, apontou.
Todo este quadro de irregularidades, continuou o relator, leva à conclusão de que condenação, proferida em 1940, é contrária à evidência dos autos, já que o fato da acusação não estava comprovado. “O substrato probatório produzido nos autos à época dos fatos não poderia ensejar uma condenação criminal, perspectiva que é reforçada pela documentação técnica acostada que deve ser considerada, tendo em conta também a vigência do princípio de presunção de inocência”, observou.
Provas irrefutáveis
Ao julgar o pedido improcedente, o desembargador Ivan Leomar Bruxel entendeu que a revisão criminal não pode ser usada como segunda chance de apelação e não se presta para reapreciar provas já examinadas. Antes, é indispensável, disse, a demonstração de que o acusado é inocente, diante das novas provas descobertas, ou diante de eventuais nulidades processuais.
“É preciso destruir, desfazer, o fundamento da condenação. Deve ficar demonstrado, cabalmente, com evidência, que a sentença contrariou frontalmente prova dos autos. Não basta debilitar a prova, não basta gerar a dúvida’’, completou.
Bruxel afirmou não duvidar das conclusões dos laudos produzidos pelos peritos contratados pelo autor da revisional, mas ressaltou que os tempos são outros, que a ciência médica evoluiu. Ou seja, os conhecimentos médicos e os recursos tecnológicos se ampliaram, gerando novos entendimentos no assunto.
Assim, seria preciso voltar no tempo, para verificar se o atendimento médico foi prestado dentro do que era possível à época. E, também, conferir se naquele momento histórico a sentença e o julgamento da apelação foram produzidos com qualidade, levando em conta as provas.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.