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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A responsabilidade dos médicos em clínicas privadas

PORTUGAL

*Por Francisco Teixeira da Mota

O tempo é muito importante no mundo do direito.


Vivemos mergulhados num mundo de direito, embora não tenhamos consciência disso. Quando num qualquer quiosque entregamos o dinheiro e recebemos de volta um maço de tabaco, sem o sabermos, acabamos de celebrar um contrato de compra e venda tal como quando, ao fazermos uma escritura num notário, compramos um andar para habitarmos. Ou, por exemplo, quando vamos no nosso automóvel e um qualquer desvairado condutor, que vem da esquerda e a alta velocidade, nos atinge, dizemos que ele é responsável e que vai ter de nos indemnizar.

Esta figura da chamada "responsabilidade civil" é das mais interessantes do mundo do direito, porque é ela que nos garante que os danos que nos são causados devem ser reparados por quem os causou. E – continuando na senda da pedagogia jurídica – se o prejuízo que nos foi causado foi no âmbito de um qualquer contrato, a sua obrigação de indemnizar virá exactamente desse contrato. Se entregamos o automóvel para colocar óleo na oficina e ele vem avariado, a oficina tem de nos indemnizar por existir uma responsabilidade contratual. Já no caso do condutor que não conhecemos de lado nenhum, com quem nunca contratámos seja o que for, e que nos bate com o carro, a responsabilidade dele, que o obriga a indemnizar, é extracontratual.

Exaustos após esta digressão jurídica, chegamos ao caso que nos interessa e sobre o qual se debruçou o Tribunal da Relação de Lisboa no passado dia 22 de Outubro: a Teresa tinha ido a uma clínica dentária para tratar de uma desagradável dor de dentes e, aí chegada, foi encaminhada para o doutor Rodrigo, que a observou e concluiu que uma raiz necessitava de ser extraída. Combinaram, então, o dia em que voltaria à clínica para ser arrancada a raiz e, ao sair, a Teresa pagou a consulta à clínica. Voltou no dia marcado e, infelizmente, ao enfiar a agulha com a anestesia, o doutor Rodrigo perfurou um nervo que causou um mundo de problemas e dores para a Teresa.

Por razões que se ignoram, a Teresa só recorreu aos tribunais cinco anos depois deste lamentável incidente, pedindo que a clínica e o médico fossem condenados a indemnizá-la pelos danos que lhe tinham causado. Sucede que a lei estabelece que, no caso de haver responsabilidade contratual, o prazo de prescrição do direito de indemnização, isto é, em que se pode exigir nos tribunais a indemnização, é de 20 anos, mas já no caso em que a responsabilidade não decorre de qualquer contrato, isto é, é extracontratual, o prazo é de três anos. Já sabe: se lhe baterem no carro, não se esqueça que tem três anos para ir para tribunal.

Voltando à Teresa: em tribunal, o dr. Rodrigo defendeu-se alegando que a Teresa já não podia pedir-lhe qualquer indemnização, porque a Teresa não tinha celebrado qualquer contrato com ele, mas sim com a clínica. Ele fora o dentista da Teresa como podia ter sido qualquer outro para quem tivesse sido encaminhada, não o escolhera. A Teresa tinha contratado com a clínica a quem tinha pago e não a ele. Passado o prazo de três anos, a sua responsabilidade extracontratual prescrevera, já não lhe era exigível que indemnizasse a Teresa, que, agora, só poderia exigir responsabilidades à clínica.

O tribunal de primeira instância, na linha de outras decisões judiciais no mesmo sentido, deu-lhe razão e absolveu o dentista, ficando o processo a correr só contra a clínica. Mas a Teresa recorreu e os juízes desembargadores João Miguel Mourão Vaz Gomes, Jorge Manuel Leitão Leal e Ondina Carmo Alves tiveram outro entendimento: se é certo que a Teresa não escolhera o dentista quando se deslocara à clínica, certo é que na consulta tida com o dr. Rodrigo celebrara com ele um contrato de prestação de serviços médicos em que este se obrigara a praticar um acto médico – a extracção da raiz –, devendo, assim, “minorar-lhe a dor, proporcionar-lhe bem-estar, saúde, aliviá-la do padecimento”, pôr em prática os seus conhecimentos de acordo com a ciência médica e a executá-los respeitando as regras da profissão com um especial dever de cuidado, tendo como referência um dentista cuidadoso e diligente. E o dr. Rodrigo não cumprira esse contrato ao furar um nervo. A responsabilidade do dr. Rodrigo era contratual e a prescrição só ocorreria 20 anos depois e não três como pretendia, pelo que o processo devia prosseguir também contra ele.

Um entendimento que não é uniforme nos tribunais portugueses, mas que provavelmente irá prevalecer, embora “prejudique” a posição dos médicos que trabalham em instituições privadas de saúde. Sendo certo que, apesar disso, contará com a concordância de muitos médicos, na medida em que sentem e entendem que, efectivamente, contratam directamente com os doentes, embora estes paguem às clínicas e aos hospitais e sejam estas instituições que, depois, lhes pagam os ordenados ou honorários.

Fonte: www.publico.pt