A 6ª Turma do STJ deu provimento a recurso em habeas corpus para trancar inquérito que apurava suposto assédio de uma paciente em relação a seu médico. A mulher alegou constrangimento ilegal em decorrência de uma decisão do TJ do Rio de Janeiro, que negou seu pedido para trancar o inquérito em trâmite na capital fluminense.
No inquérito, ela era investigada por atentado violento ao pudor, crime considerado hediondo pela legislação penal. A 6ª Turma, no entanto, entendeu que "houve excesso na tipificação da conduta, tendo em vista que não há relato de violência física contra o médico". O suposto assédio motivou a abertura de outros procedimentos cíveis e criminais.
A investigação foi instaurada em 2004 e seria o resultado de uma série de importunações ofensivas, de cunho sexual, cometidas pela paciente. Por diversas vezes, ela teria abordado o médico com declarações de amor, chegando, em uma ocasião, a lhe fazer carícias íntimas no estacionamento da clínica.
O fato foi registrado pela polícia como importunação ofensiva ao pudor, prevista no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais. O representante do Ministério Público, no entanto, classificou o fato como atentado violento ao pudor, previsto no artigo 214 do Código Penal, mas não chegou a oferecer denúncia.
A 6ª Turma do STJ entendeu que o Ministério Público, no caso, não tem legitimidade para atuar em nome do ofendido, razão pela qual o inquérito deve ser encerrado. Como o incidente teria ocorrido em 2004, houve a decadência do direito de queixa-crime, que deveria ter sido apresentada pelo próprio ofendido.
A Defensoria Pública, atuando em favor da paciente, alegou no recurso ao STJ que, em 2012, a Justiça de primeiro grau declarou extinta a punibilidade por ofensa ao pudor, em decorrência da prescrição. Contudo, seguia em curso a investigação por atentado ao pudor, relativa ao mesmo fato, que foi mantida pelo TJ-RJ.
O argumento da Defensoria é que não houve subsunção da conduta ao tipo penal por falta de violência real. A paciente teria apenas agarrado o médico pelo braço e alisado seu pênis. A Defensoria alegou ainda que uma ação penal no caso não poderia ser movida pelo Ministério Público, que não teria legitimação para tanto.
Homem adulto
O relator no STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, entendeu que a tipificação por atentado ao pudor era excessiva. “Segurar o braço de um homem adulto, sem qualquer relato de violência física que não o ato em si de conter o seu membro superior, e, com a outra mão, alisar o pênis da vítima, não se reveste de tal gravidade a ponto de caracterizar o crime – qualificado normativamente como hediondo – de atentado violento ao pudor”, disse o ministro.
Para Schietti, a questão se resolve segundo a legitimação ativa do MP. Conforme o artigo 225 do Código Penal, a legitimidade seria privativa do ofendido. Entretanto, a Lei nº 12.015/09 aboliu a ação privada em crimes contra a dignidade sexual, que passou a ser exclusiva do MP, ainda, em certos casos, mediante representação.
Houve, no caso, lei posterior mais gravosa para os interesses do acusado de crimes contra a dignidade sexual, antes chamados de crimes contra os costumes. Se antes a ação penal era privada e agora é pública, aplica-se, conforme o ministro, a regra da ultra-atividade da lei penal mais benéfica, ou, sob outro ângulo, a regra da irretroatividade da lei prejudicial ao réu.
Sendo de ação privada, ocorreu a decadência do direito do ofendido de oferecer queixa-crime, conforme o disposto no artigo 38 do Código de Processo Penal, pois os fatos datam de 2004 e o médico não chegou a apresentar queixa. (O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial).
Fonte: Espaço Vital
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.