Serviços de baixa qualidade, mensalidades caras e envelhecimento da população obrigam o setor a se reinventar
O desafio de lidar com o envelhecimento da população brasileira e a pressão dos consumidores por serviços de qualidade devem forçar o setor de saúde suplementar a mudar de direção para fugir de um futuro colapso e manter o equilíbrio financeiro. Com várias operadoras fechando as portas por dificuldades de caixa e de gerenciamento — apesar dos reajustes anuais de mensalidades sempre acima da inflação —, os convênios médicos correm o risco de, com o tempo, enfrentarem a diminuição do ritmo de adesões ou até a retração do número de novos vínculos.
Falta de qualidade e preços altos (veja arte) são uma combinação perigosa para o setor. Para o representante comercial Raimundo de Araújo Siqueira, 46 anos, por exemplo, pagar o plano de saúde da família se tornou um martírio. Como a remuneração dele varia de acordo com as vendas que realiza, em alguns meses, ele atrasa o pagamento porque não atingiu a meta. “As despesas só aumentam. É escola de criança, gasolina, supermercado. Já suspendi o meu plano de saúde e hoje só pago o da minha mulher e da nossa filha”, reclama.
Todo mês Siqueira desembolsa R$ 570 para pagar o convênio das duas e reclama que as revisões de preço sempre são acima da inflação. Para ele, as operadoras deveriam fazer um reajuste compatível com o valor do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). “Tudo encareceu, e os planos de saúde estão no topo da lista. Chego no fim do mês sem um tostão no bolso. As vendas no comércio não estão boas, e eu me prejudico com isso, porque dependo dos pedidos que fecho para ganhar a minha comissão”, lamenta.
Fiscalização
Para o procurador do Ministério Público Federal Fabiano de Moraes, coordenador de um grupo de trabalho que acompanha a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se a reguladora não intensificar a fiscalização, casos como o de Raimundo podem se tornar comuns a longo prazo. “Se não houver uma atuação mais incisiva da ANS, existe uma tendência de estagnação de ingressos de usuários, já que, da forma como está, o atendimento não fica muito longe do oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em alguns casos, inclusive, o SUS é até melhor”, afirma.
A auxiliar administrativa Maria do Rosário Gonçalves, 53 anos, também desistiu do plano de saúde após o reajuste de 19% que ocorreu em 2012. Ela e o marido gastavam cerca de R$ 650 apenas para garantir o convênio para o casal. Mãe de dois filhos, Maria do Rosário preferiu manter os filhos em uma escola particular e continuar o pagamento do plano apenas para os adolescentes. “Sei que, daqui para a frente, eu e meu marido precisaremos de mais cuidados médicos. O problema é que, quanto mais velhos ficamos, mais caro fica o convênio”, diz.
A possibilidade de retração ou diminuição do crescimento de novos vínculos já é encarada como uma realidade pelas operadoras. O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, afirma que, da forma como têm evoluído, os gastos com serviços médicos podem transformar os planos em itens muito caros para caber no bolso do consumidor.
“Com os novos procedimentos obrigatórios no rol de cobertura mínima e a alta inflação médica, o custo aumenta. Vai haver uma dissociação muito grande entre o que a pessoa recebe e o que ela precisa pagar para ter um convênio, e, em algum momento, ela pode não ter mais condições de custear o plano”, diz Almeida.
O diretor-presidente da ANS, André Longo, no entanto, discorda da possibilidade de uma retração. Ele acredita que a contratação de novos planos deve acompanhar o ritmo econômico do país. “Isso depende da economia e da geração de empregos. Quanto mais empresas abertas — que oferecem o benefício — e quanto mais trabalhadores com carteira assinada, mais usuários nós teremos”, explica. “Essa tem sido a dinâmica do setor ao longo dos últimos 12 anos. Se houver recessão ou perda de empregos, aí sim teremos redução”, completa.
Conta alta
Um estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) mostra que, de fato, as operadoras vão precisar aprimorar o gerenciamento para conseguir balancear despesas e investimentos, sem deixar que a conta caia no bolso do consumidor. De acordo com a pesquisa, em 15 anos, os gastos totais do setor devem ultrapassar os R$ 83 bilhões, 40% a mais do que em 2010, quando as despesas totalizaram R$ 59,2 bilhões. A projeção, que já desconta do cálculo o efeito da inflação, toma como base de dados o cenário de planos individuais há três anos.
Os gastos, de acordo com as operadoras, resultam da incorporação de novas tecnologias no rol de cobertura obrigatória, do aumento do uso dos serviços pelos beneficiários (veja quadro) e da inflação dos custos médicos, que incluem desde as despesas com os prestadores de serviço até os gastos ambulatoriais e com materiais hospitalares. A tensa relação entre médicos e convênios, sobretudo a respeito dos honorários pagos, é outro ponto que precisa ser melhorado, segundo o procurador Fabiano de Moraes, sob risco de descredenciamento de profissionais ao longo do tempo.
“Precisa existir um acordo entre operadoras, médicos e laboratórios. E mais importante: isso não pode ser repassado ao consumidor. Os planos têm que encontrar uma forma de gerir os gastos mantendo um preço adequado para garantir um serviço de qualidade”, pontua. O gerenciamento do próprio caixa, no entanto, é uma dificuldade que vem sendo enfrentada pelas operadoras já há alguns anos.
Segundo já divulgou o Correio, 40% das empresas estão inscritas na Dívida Ativa da União, e, pelo menos 79, estão em processo de liquidação extrajudicial.
Diante dessa situação, o presidente da ANS enfatiza que a sustentabilidade do ramo de planos de saúde é uma das principais preocupações da agência no momento. “Temos um aumento da expectativa de vida do brasileiro, um novo perfil epidemiológico — novas doenças crônicas —, a integração de tecnologias, tudo isso aliado a uma queda da taxa de natalidade, o que prejudica a noção de cooperativismo que rege os planos de saúde”, explica.
Como alternativa para aliviar as operadoras e facilitar o equilíbrio das contas, Almeida, da Abramge, defende a customização de planos para determinadas faixas etárias ou riscos de saúde. “Não podemos dar tudo para todo mundo. O SUS melhorou em procedimentos complexos, como transplantes, mas, para o resto, as pessoas procuram os planos privados”, diz.
Fonte: Correio Braziliense
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.