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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sábado, 5 de setembro de 2015

As réplicas da “perda de chance”, o conceito que deu condenação inédita a um hospital

PORTUGAL

Tribunal Cível de Lisboa condenou o hospital da Cuf Descobertas a pagar uma indemnização de €248 mil por ter reduzido a hipótese de sobrevivência de uma doente. O conceito de “perda de chance” nunca antes tinha sido invocado num caso de negligência médica em Portugal. A decisão poderá ter réplicas. “Houve um erro claro de diagnóstico, chamem-lhe ou não perda de chance”, diz o bastonário dos médicos

Pela primeira vez, um tribunal português invocou a "perda de chance" de sobrevivência de um doente para condenar um hospital a pagar uma indemnização por negligência médica. A sentença, comum em França mas inédita em Portugal, "faz jurisprudência no sentido em que será lembrada e citada noutros processos", esclarece André Pereira, presidente do Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra, "mas não ganha força de lei". Ou seja, no ordenamento jurídico português o conceito "é inovador nas prudências", mas mesmo que a decisão seja confirmada pela Relação (se a Cuf avançar com o recurso) e pelo Supremo (se aí subir) não determina sentenças futuras.

O caso remonta a 31 de dezembro 2008, quando a doente, Tereza Coelho, 49 anos, procurou o serviço de urgência da Cuf Descobertas queixando-se de dificuldades respiratórias. O médico que a atendeu, especialista em medicina desportiva, diagnosticou uma "amigdalite" e mandou-a para casa. Só sete horas depois, quando a doente voltou ao hospital em estado agravado, é que lhe foram feitos exames complementares de diagnóstico e detetada uma pneumonia. Rapidamente esta evoluiu para uma infeção generalizada (sépsis) que lhe tirou a vida 17 dias depois.

A juíza Higina Castelo, do tribunal Cível de Lisboa, concluiu que se a doente tivesse sido "assistida e medicada de forma adequada teria tido uma maior probabilidade de salvação" e condenou o Hospital Cuf Descobertas (do grupo Mello) a pagar uma indemnização de 248 mil euros (metade a cargo da seguradora Fidelidade) aos familiares da vítima. O valor equivale a perto de um terço do que foi pedido e o seu cálculo baseia-se nas hipóteses de sobrevivência da doente se o hospital tivesse seguido os procedimentos corretos.

O Hospital CUF Descobertas, que tem até final de setembro para avançar com o pedido de recurso, diz que "lamenta profundamente a morte de Tereza Coelho e a dor da sua família", mas afirma que "não se revê no teor da sentença", mantendo "a convicção de que os procedimentos realizados foram os adequados".

Paradoxalmente, o processo não começou com o pedido de indemnização, mas sim interposto pelo próprio hospital que queria ser ressarcido pelas despesas de tratamento e internamento não pagas. Só que de autora a Cuf Descobertas passou a ré, numa reconversão também pouco habitual e que levou a este desfecho inédito ao fim de seis anos. "E só não foi mais rápido", lembra Elsa Sequeira Santos, a advogada da família, "porque tivemos de aguardar anos para que fossem feitas as perícias, que foram essenciais, já que por lei tem que ser o presidente do Instituto de Medicina Legal a fazê-las". E é um para o país inteiro.

Outro pormenor, segundo Rui Cardoso Martins, marido de Tereza Coelho, é que a meio a Cuf "tentou parar o processo propondo-se a pagar cerca de 67 mil euros" à família da vítima. A proposta não foi aceite, mas para o escritor revelou-se um atestado de culpa. "Para nós isto nunca foi uma questão de dinheiro", afirma Rui Cardoso Martins, que apenas quis que "fosse feita justiça" e agora espera que este caso sirva de exemplo. Questionada pelo Expresso sobre a proposta dos 67 mil euros, a Cuf recusou responder.

A DOUTRINA DIVIDE-SE
A sentença com base na "perda de chance" revela-se "uma decisão muito interessante para a defesa dos direitos dos pacientes nos casos de negligência médica", aplaude Filomena Girão, advogada e fundadora da Associação Lusófona do Direito da Saúde, afirmando não conhecer nenhum outro caso de negligência médica em Portugal em que este conceito tenha sido invocado. Certo é que será replicado como exemplo em casos semelhantes, pelo menos pelos advogados que defendam vítimas de casos semelhantes.

Em França, o conceito "perda de chance", enquanto sinónimo de extinção da hipótese favorável de recuperação da doente, integra o ordenamento jurídico. Por cá, porém, a doutrina divide-se e a sua aplicação tem sido mais comum em processos contra advogados por não cumprirem prazos, por exemplo, pondo em causa a defesa dos clientes.

"É preciso fazer um uso cuidadoso desta teoria de perda de chance", defende Nuno Gundar da Cruz, advogado que tem trabalhado na defesa de médicos e hospitais em casos de negligência médica. O jurista admite que "é muito difícil para um doente fazer prova num processo de indemnização por negligência médica" e este tipo de decisão dá uma resposta a essas dificuldades. Porém, considera que pode ter "a desvantagem" de conduzir os médicos a uma "prática de medicina defensiva que torna a saúde muito mais cara".

“UM ERRO DE DIAGNÓSTICO”
A ideia é contrariada pelo bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, que considera "não se poder extrapolar e dizer que esta decisão leva a mais medicina defensiva porque não é uma terminologia jurídica que o vai determinar". Ressalvando que apenas conhece o caso pelas notícias, o bastonário afirma que pela descrição da sentença "houve um erro claro de diagnóstico, chamem-lhe ou não perda de chance". No entanto, procura reforçar a "confiança nos médicos e nos hospitais, uma vez que "em 75 milhões de atos médicos por ano, apenas meia dúzia leva a erros médicos que podem revelar-se fatais".

Com mais ou menos medicina defensiva, o jurista André Pereira espera que esta decisão do tribunal Cível de Lisboa "sirva para melhorar as práticas médicas". O professor da Faculdade de Direito de Coimbra recorda que "os tribunais portugueses são muito cautelosos a condenar médicos e hospitais" e que "em média os processos duram oito anos, ultrapassando em muito o momento em que é necessário apoiar as vítimas". Por isso, defende uma mudança de sistema e a criação de comissões de especialistas, com peritos médicos, como acontece em França, "onde em seis meses conseguem dar uma resposta a casos de erro ou negligência médica".

Por decisão do Governo de Paris, em 2002, ficou estabelecido que, no caso de haver culpa do hospital, a seguradora paga a indemnização; quando não há culpa provada, as vítimas (no caso apenas de terem ficado com incapacidade superior a 25%) são ressarcidas por um fundo criado para o efeito.

PÚBLICO VS PRIVADO
Portugal também tem outras particularidades na forma como olha para o exercício da medicina privada e pública. "Os prazos de processos de relacionados com casos da medicina pública prescrevem em três anos, enquanto os de exercício da medicina privada só prescrevem em 20 anos. Já o ónus da prova está nas mãos do doente no público e nas do profissional de saúde no privado. E enquanto os casos de hospitais públicos são apreciados em tribunais administrativos, os do privado vão para os cíveis", explica Filomena Girão. "Essas discrepâncias devem-se a tradições jurídicas e ao facto de a lei não ter sido feita a pensar na medicina", justifica André Pereira, que defende "um regime unitário" em relação à saúde.

O Expresso não conseguiu em tempo útil fazer um apanhado de todos os processos por negligência médica abertos nos últimos anos. Mas apurou junto da Procuradoria-Geral da República (PGR) que foram instaurados 295 inquéritos entre janeiro de 2010 e o fim do primeiro semestre de 2015 só no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.

Fonte: Expresso (Portugal)