*Por Rubens Covello
Atualmente, experimentamos transformações nunca vistas nos processos de trabalho. Referimo-nos à implosão do processo de trabalho tradicional, onde as etapas do mesmo (simples ou complexas) eram praticadas no mesmo espaço organizacional, regidas pelos mesmos contratos de trabalho. Observamos que cada vez é mais frequente nas instituições a contratação de serviços, terceirizando-se inúmeras atividades. Por outro lado, e ainda mais importante, os processos de trabalho estão se deslocando de espaços públicos, amplos e coletivos para espaços privados.
A saúde tem grife própria. Profissionais especiais que oferecem serviços essenciais a população, em estado de especial fragilidade, precisam manter e preservar a boa relação consumidor/produtor que pressupõe uma estreita relação moral, ética, com confiança, intimidade e sigilo com o cliente. Por outro lado, a manutenção desta boa relação não pode continuar sendo responsabilidade somente do profissional que executa os serviços. Ela deve ser de todos e muito especialmente dos gestores, garantindo assim ambiente adequado e condições de trabalho compatíveis para estes profissionais. A perda hoje da confiança da comunidade no profissional médico é um fato.
Sendo a auto regulação profissional a palavra-chave no mundo do trabalho na saúde, os gestores deverão buscar o diálogo com os profissionais que reivindicam a manutenção do status tradicional (médicos e odontólogos, entre outros). E tais gestores associados a este diálogo, também devem estar focados na nova regulação da governança, que busca controlar os procedimentos de saúde executados nas instituições, mais precisamente nas instituições privadas.
Ao longo da história, as profissões do setor saúde produziram um complexo aparato organizacional, definindo políticas antimercado: monopólio, controle de clientela, de preços (remuneração dos serviços) e de mercado. Este é um dos temas mais importantes que deverão ser priorizados na agenda política dos gestores. Aliar direitos e prerrogativas legais das profissões com a democratização do acesso e consumo dos produtos prestados é uma questão a ser negociada o quanto antes.
A revolução tecnológica mudou o perfil e as exigências dos profissionais, assim como da própria clientela. Produziu efeitos positivos, ou seja, mais esclarecimento, mais segurança e a possibilidade de melhoria da qualidade de vida. Efeitos negativos também são observados, por exemplo, o processo de trabalho em saúde tornou-se mais complexo e os serviços altamente custosos, dificultando muito o acesso. Observa-se também a proliferação de profissionais na composição das equipes atuais.
De uma forma tradicional o conhecimento técnico da elevada qualidade dos profissionais de saúde nunca foi questionado como sendo suficiente para garantir a qualidade e a segurança na prestação de cuidados. Acontece que nos dias de hoje as organizações prestadoras de serviços de saúde transformaram-se em estruturas bastante complexas em termos organizacionais exigindo o desenvolvimento e implementação de mudanças profundas na cultura, na estrutura e nos métodos de trabalho.
As crescentes exigências orçamentarias; o desenvolvimento de novas orientações políticas que potenciem o aumento da eficácia e eficiência mantendo a equidade; o interesse crescente na avaliação da satisfação dos usuários dos serviços de saúde; tudo isso torna prementes a introdução de melhorias claras, concisas e mensuráveis.
O mundo coorporativo parece protagonizar um processo de expansão da consciência empresarial. E para as organizações de saúde um desafio maior, que é o lidar com instâncias antes desconhecidas, de cunho social e ambiental (por exemplo, o não entendimento do perfil epidemiológico).
A precariedade da segurança e qualidade dos serviços de saúde é extrema. Grande parte dos serviços apresentam dificuldades operacionais, resultado de déficits de estrutura (falta de espaço físico, de equipamentos para diagnóstico e terapia, medicamentos…) além de recursos humanos, frequentemente não qualificados, isto relacionado com o perfil epidemiológico não conhecido. Agravando a situação, a maioria dos serviços de saúde trabalha com pouco planejamento e quase sempre sem nenhuma política de avaliação de resultados. Muitos trabalham seguindo uma lógica de produção, levando pouco em consideração, a eficiência, a eficácia e a efetividade de suas práticas.
A mudança necessária
O principal resultado do movimento de inovação na saúde (melhoria da segurança e qualidade) será trazer a decisão clínica para o contexto gerencial e organizacional. A dimensão assistencial deverá ser o centro dos processos de melhoria da qualidade. A gestão estratégica não deverá ter mais o foco exclusivo financeiro.
É desnecessário afirmar que o atual modelo assistencialista centrado na doença deve dar lugar a outro em que a promoção e a prevenção da saúde tenham sua importância reconhecida, com todos os atores da cadeia de valor conscientes da necessária desconstrução deste modelo. E assim partir, decididamente comprometidos, na busca da quebra deste paradigma e posterior inovação.
O sistema de saúde como está estruturado atualmente não vai conseguir melhorar a utilização de seus recursos e diminuir os custos. Não há dúvida que o envelhecimento da população, o aumento da demanda de pacientes para novos serviços, novas tecnologias e drogas, tem aumentado os gastos com saúde. E potencializando todas estas variáveis existe o desperdício palpável. Sistema este altamente fragmentado que em grande parte não tem sequer informações clínicas consistentes, que resultam em processos de trabalho mal concebidos caracterizado por duplicações desnecessárias, longos tempos de espera e atrasos. Provocando um risco potencial de dano que supera os benefícios potenciais.
Transformar é preciso
A receita do “mais do mesmo” não funciona. Serão necessárias mudanças profundas que resultem num melhoramento concreto e mensurável. Esse melhoramento pode envolver diferentes áreas da gestão, como o desempenho, a qualidade, a eficiência e a satisfação dos usuários. A mudança precisa ser uma verdadeira transformação estratégica, e não apenas uma série de medidas isoladas. É necessário uma organização nas unidades integradas do cuidado, a medição dos resultados e dos custos, para se atingir a excelência e a construção de um novo modelo assistencial e de gestão. Em resumo, a ciência da melhoria é uma ciência aplicada, com fundamentos filosóficos, chamando para a ação e o aprendizado. Não é uma intervenção específica.
Acredito, que ao conceber ou compreender iniciativas inovadoras para melhoria, é preciso dar atenção:
(1) ao entendimento do que é preciso para melhorar na performance dos serviços;
(2) a necessidade de alterar as intervenções para adaptar-se ao contexto;
(3) a ideia de contextos locais, ao invés de protocolos fixos (bom ponto de partida para reconhecer as intervenções de melhoria);
(4) a previsão, ou grau de crença de que o modelo vai conseguir um impacto especial em um ambiente específico;
(5) ao conceito de que a melhoria requer uma mudança social e que as pessoas são mais propensas a agir quando elas acreditarem.
A grande inovação na saúde não virá de novas tecnologias, a mesma será efetiva com a mudança do modelo assistencial e de gestão. Com o reconhecimento do valor entregue aos pacientes. Este movimento de inovação será com certeza tão impactante para o sistema, quanto foi a medicina molecular para a saúde dos pacientes.
*Rubens Covello (médico) – CEO – IQG Health Services Accreditation; Diretor ACI – Accreditation Canadá International Brazil; Vice presidente CBEXs – Colégio Brasileiro de Executivos em Saúde e Integrante da Comissão Científica do Hospital Innovation Summit
Fonte: SaúdeBusiness
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.