Por Tonico Monteiro da Silva
Recentemente, a imprensa atribuiu destaque a um acórdão proferido pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que teria estabelecido o princípio de que as operadoras de plano de saúde estariam obrigadas a comunicar individualmente a seus beneficiários, cada alteração que se verifique na rede credenciada (REsp nº 1.144.840).
O precedente chama a atenção porque corporifica uma tendência que se tem verificado nos últimos anos em julgamentos que versam sobre direitos dos consumidores de planos de saúde.
São cada vez mais frequentes as decisões judiciais que apreciam questões de fato referentes a temas especificamente regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS. E essas decisões, no mais das vezes, se afastam do que determina o órgão técnico para criar deveres e obrigações que nunca estiveram previstas na política do governo para o ramo da saúde.
Este precedente do STJ é um caso típico. Já há alguns anos, a ANS estabeleceu, por meio de resolução normativa, que todas as operadoras de plano de saúde deveriam criar um portal na internet, onde deveriam disponibilizar todas as informações que pudessem interessar ao beneficiário.
Mais recentemente, também por meio de resolução normativa, a ANS determinou de forma muito específica e detalhada quais as informações que devem constar do portal corporativo das operadoras de plano de saúde, no que se refere à rede credenciada. Essa resolução chega a abordar minúcias como nome fantasia, razão social do estabelecimento, CNPJ, nome e especialidade do médico, número de registro no Conselho Profissional e assim por diante.
Nesse contexto, é natural que a recente decisão do STJ seja recebida com alguma perplexidade por quem atua no ramo da saúde suplementar. Afinal de contas, as operadoras de plano de saúde provavelmente nunca imaginaram que observar as normas da ANS poderia lhes render algum tipo de condenação judicial!
O momento parece oportuno para sugerir uma reflexão acerca da competência atribuída às agências reguladoras e a amplitude que pode ter a revisão destas normas pelo Poder Judiciário.
Se a agência reguladora estabeleceu qual o conteúdo e alcance do dever de informação que as operadoras estão obrigadas a prestar ao consumidor, teria o Poder Judiciário competência para decidir de forma diferente? Seria possível, em sede de recurso especial, discutir e avaliar que iniciativas correspondem ao suporte fático da norma estabelecida no CDC? Isso tudo pode ser feito em processo do qual não participa a agência reguladora? A negativa parece impôr-se nos três casos.
Quando uma decisão judicial avança sobre a regulamentação técnica baixada pela agência reguladora, o que se produz é algo muito diferente do “monumento de Justiça” a que se referia Paula Baptista no início do século passado.
Do ponto de vista prático, a prevalecer o entendimento manifestado pela 3ª Turma do STJ, a empresa de correios e telégrafos pode esperar um aumento significativo em suas receitas.
Uma grande operadora de plano de saúde tem em sua carteira aproximadamente dois milhões de consumidores. Boa parte destes contratos pode ter cobertura nacional. Daí se extrai, por exemplo, a conclusão de que o credenciamento ou descredenciamento de um fisioterapeuta no interior do Rio Grande do Sul deveria ser comunicado individualmente ao beneficiário Bahiano. Isso não faz o menor sentido!
De acordo com a ANS, no Brasil há aproximadamente quarenta e sete milhões de pessoas vinculadas a algum tipo de plano de saúde. Por outro lado, o credenciamento e descredenciamento de médicos, laboratórios, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, clínicas, ambulatórios e hospitais é extremamente dinâmico. Trocando em miúdos, a comunicação individual imposta pelo STJ, se não for impraticável, trará um custo significativo de que, até então, nunca se cogitou.
Examinando o disposto no CDC e considerando as peculiaridades da relação estabelecida entre consumidor e operadora de plano de saúde, parece razoável sustentar que o importante é que a informação esteja à disposição do consumidor de forma clara, eficiente e completa. Isso pode ser feito por meio da internet ou pela central de atendimento.
Além de disponibilizar a informação, é igualmente importante que a operadora não crie obstáculos ou dificuldades no acesso aos dados que possam interessar ao consumidor. Assim, por exemplo, a operadora deve facilitar o pedido de envio de segunda via de orientador médico, da lista atualizada de fornecedores credenciados, dos procedimentos cobertos etc.
Ora, se a informação foi disponibilizada pela operadora de plano de saúde e não se identificou qualquer obstáculo a seu acesso, deve dar-se por atendido, em sua plenitude, o direito à informação previsto no CDC, que aliás só se aplica subsidiariamente, como determina de forma específica o art. 35-G da Lei 9.656, de 1998.
Com todo respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, revertido pelo Superior Tribunal de Justiça, parecia não só mais prudente, como mais alinhado com a dinâmica do mercado de saúde suplementar, tal como regulado pela ANS.
Finalmente, não se pode esquecer que os contratos de plano de saúde estão submetidos a um equilíbrio financeiro muitíssimo delicado, circunstância de resto comum a toda atividade que depende de cálculos atuariais. A história nos mostra que a imposição de custos e despesas imprevistas, sem a correspondente receita, está muito longe de ser um caminho de sucesso.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.