Por Hélio Schwartsman - Folha de Paulo
SÃO PAULO - Como estou até agora recebendo e-mails indignados por ter defendido, na coluna de domingo passado, que médicos deleguem mais tarefas a outros profissionais, acho que vale um comentário sobre a regulamentação do ato médico, projeto de lei que tramita no Congresso há uma década.
É verdade que, na comparação com as versões anteriores, o substitutivo da Câmara representa um grande avanço. Psicólogos, dentistas, fonoaudiólogos etc. não estão mais impedidos de fazer os diagnósticos necessários à sua profissão. Não obstante, a proposta ainda conserva tons escandalosamente corporativistas.
Apenas a ânsia por tentar estabelecer a maior reserva de mercado possível explica a existência de dispositivos que tornariam a colocação de piercings e a aplicação de tatuagens atos privativos de médicos.
Foram com tanta sede ao pote que produziram até uma piada involuntária, ao tornar o sexo uma zona restrita: segundo o art. 4º, parágrafo 4º, III, ``a invasão dos orifícios naturais do corpo`` é prática exclusiva da classe.
Na mesma linha vai o art. 5º, que proíbe os não médicos de chefiar serviços médicos ou lecionar disciplinas médicas. Isso numa época em que, na ciência, as fronteiras entre medicina, biologia, química, física etc. são cada vez mais difusas.
Diga-se em favor dos médicos que não foram eles que deram início a essas restrições. Eles só reproduziram e aperfeiçoaram dispositivos constantes das regulamentações profissionais das categorias que agora se queixam do corporativismo médico.
No fundo, o problema são as raízes fascistas que permeiam a sociedade brasileira. As pessoas não se veem como cidadãs de uma República, mas como representantes de uma categoria profissional que seria detentora de direitos naturais. O que se busca é sacramentar em lei suas reivindicações e usar a autoridade do Estado para implementá-las.
Fonte: Folha de S.Paulo
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.