Por João Ozorio de Melo e Marcos de Vasconcellos
O diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Arizona, Douglas Sylvester, foi ao Hospital-Escola da Clínica Mayo para um exame de saúde e voltou com uma ideia saudável: criar um sistema de residência profissional para bacharéis em Direito, nos moldes da residência médica. No hospital, Sylvester observou o trabalho dos médicos residentes, sob a supervisão de médicos-professores, e aprendeu como o sistema prepara os novos profissionais para entrar no mercado de trabalho. Ele, então, decidiu criar a primeira firma-escola de advocacia do país. A informação é do The National Law Journal.
Já em fase de planejamento e implantação, a firma será inaugurada em 2013. Vai empregar, inicialmente, de cinco a seis advogados. Eles vão atuar essencialmente como sócios-professores. E ainda: 15 a 30 “advogados-residentes” (bacharéis da faculdade). Os residentes deverão passar uma temporada na firma-escola, no máximo dois anos, experimentando a prática da advocacia em suas diversas áreas de atuação. Terão direito a salário e mais os benefícios costumeiramente pagos por qualquer firma de advocacia. Mas, se não se empenharem no trabalho ou se forem incompetentes, poderão ser demitidos.
Depois desse aprendizado na vida real, os advogados-residentes terão mais cacife para negociar um bom emprego em um escritório de advocacia ou em um órgão do governo, sempre relutantes em contratar recém-formados. E também para se lançarem ao mercado como advogados autônomos ou proprietários de uma pequena firma de advocacia. Para isso, aprenderão na firma-escola como gerenciar um escritório e como lidar com faturamento, contabilidade, geração de novos negócios e todos os aspectos empresariais da prática.
A firma só vai se diferenciar de outras bancas normais em sua constituição jurídica: será uma organização sem fins lucrativos e uma firma-escola. Não poderá pertencer à universidade porque uma lei estadual do Arizona o proíbe, mas será afiliada à faculdade de Direito da universidade. E vai ser financiada, inicialmente, pela universidade, com suplementos de doações de terceiros. A universidade também se encarregará de desenvolver um trabalho com outras organizações sem fins lucrativos, para criar um fluxo de indicações de clientes para a firma-escola.
O escritório vai cobrar honorários pelos serviços jurídicos que prestar, mas vai seguir uma tabela relativamente baixa, também para atrair mais clientes, incluindo os de baixa renda. Qualquer lucro será destinado a financiar bolsas de estudo para estudantes de Direito. Com essa estrutura, a firma-escola vai ajudar a melhorar o acesso à Justiça na área de Phoenix, no Arizona, diz o diretor da faculdade.
Sementes
Nos EUA, três faculdades de Direito — dos estados de Nova York, Missouri-Kansas e Maryland — iniciaram um projeto bem mais tímido, há alguns anos. Elas criaram o que chamam de “incubadora de advocacia autônoma”. As faculdades disponibilizam a bacharéis “espaços em escritórios” e a supervisão de mentores, para ajudar os bacharéis a iniciar um trabalho de advogado autônomo.
Diferentemente desse modelo em desenvolvimento da Faculdade de Direito do Arizona, em que o advogado-residente vai, enfim, aprender a prática da advocacia e o funcionamento de uma firma, há um outro modelo que funciona há décadas no país: as “clínicas jurídicas”. Essas clínicas funcionam no contexto acadêmico, como organizações privadas, sem fins lucrativos, na configuração de práticas advocatícias “destinadas a servir o interesse público” — isto é, os estudantes de Direito prestam assistência judiciária gratuita a “indigentes”.
Além disso, os estudantes de Direito, como os estudantes de qualquer outro curso, podem fazer “externships” e “internships” — ambos uma forma de estágio, sendo o último o tradicional formador de “aprendizes”. O estágio do tipo “externship” se diferencia, no caso dos estudantes de Direito, apenas pelo fato de que é oferecido por órgãos governamentais (dos três poderes) e organizações sem fins lucrativos, para que os estudantes tenham um aprendizado prático, em suas áreas de especialização. “As clínicas ajudam, porque o estudante cria um senso de responsabilidade profissional”, diz o site Colorado Law.
Para os bacharéis da Faculdade de Direito do Arizona o projeto da firma-escola pode ser uma válvula de escape abençoada dos estágios em firmas de advocacia, antes mal pagos, hoje em dia não pagos. Normalmente, os estagiários passam todo o período fazendo trabalhos burocráticos e aprendendo o ofício de despachante. Esse é o mesmo destino, na maioria dos casos, de bacharéis em Direito, que têm a “fortuna” de encontrar um emprego em uma firma de advocacia, em vez de no McDonalds. Eles podem passar anos fazendo serviços burocráticos, por um salário que sequer é suficiente para pagar a dívida de US$ 100 mil a US$ 150 mil que contraíram para pagar a faculdade.
Modelo brasileiro
No Brasil, as faculdades de Direito costumam contar com Núcleos de Prática Jurídica (NPJs), nos quais os estudantes podem participar de atividades destinadas ao exercício profissional da advocacia, atendendo a clientes em diferentes áreas do Direito, supervisionados por professores da escola. O estudante não é remunerado, mas consegue as horas de atividades extracurriculares necessárias para se formar.
Regulamentados pela Portaria 1.886, de 1994, os NPJs devem ter “instalações adequadas para treinamento das atividades de advocacia, magistratura, Ministério Público, demais profissões jurídicas e para atendimento ao público” e podem ser complementadas por convênios com a Defensoria Pública ou outras entidades judiciárias empresariais, comunitárias ou sindicais ou em Juizados Especiais instalados na própria instituição de ensino.
Os modelos mudam de acordo com a faculdade. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por exemplo, o chamado Escritório Modelo D.Paulo Evaristo Arns, presta atendimento com foco em prevenção, tutela coletiva e individual e atuação extrajudicial. No site da instituição, constam projetos de orientação jurídica e assessoria a moradores de favelas e um trabalho de orientação voltado à legalização e à defesa de rádios comunitárias.
Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o Escritório Modelo presta atendimento jurídico à população cuja renda não exceda cinco salários-mínimos ou comprove despesas que justifiquem a impossibilidade de pagar custas processuais e honorários advocatícios.
A própria seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil já teve seu próprio núcleo, o Escritório Experimental Paulo Sérgio Leite Fernandes. Foi criado na década de 1970 com o intuito de dar aos estudantes a oportunidade de participar do ambiente jurídico, sob orientação de profissionais de ponta da advocacia paulista.
O criminalista que emprestou seu nome ao fundar o escritório-escola, Paulo Sérgio Leite Fernandes, relembra que a preocupação ao criar o núcleo era a falta de oportunidade para os estudantes vivenciarem o dia a dia da carreira com uma orientação direta — que faltava a muitos escritórios que aceitavam estagiários — e com o selo de qualidade da OAB.
“A maioria dos cursos de estágio que as escolas oferecem são pura picaretagem. Se preocupam apenas que o aluno complete a carga horária necessária na verificação de estágio, sem que ele aprenda”, afirma o criminalista.
Os alunos eram selecionados com base na “capacidade intelectual e imposto de renda”, diz Fernandes. Quanto mais baixo o poder aquisitivo, mais facilidade aquele aluno teria para fazer parte do escritório modelo.
O atual procurador-geral do Estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, é um dos ex-bolsistas do escritório experimental — foi aluno em 1976. Ele lembra com carinho da época. “Participei de júri simulado, fui a audiências sobre as quais eu tinha que fazer relatórios para entregar na OAB e fui a delegacias para acompanhar o dia a dia de delegados”, conta.
Ramos diz que foi uma complementação importante para sua formação, “porque a faculdade só nos dava noções teóricas”, afirma ele. Diz também ter aprendido lá a fazer petições — que eram corrigidas por profissionais.
Em 1993, o Escritório Experimental Paulo Sérgio Leite Fernandes foi reinaugurado, depois de ser remodelado, com novas instalações, novos equipamentos e uma sala de aula. À época, 50 estagiários acompanhavam 15 processos cada um, atendendo à população hipossuficiente.
O projeto foi desativado, em 2007, “por questões econômicas” que a presidência da OAB-SP não quis comentar. O fundador Paulo Sérgio Leite Fernandes diz, com bom humor, que quando encerraram as atividades, colocaram uma placa de bronze com seu nome no prédio da Ordem, mas ela sumiu. “Já perguntei para o [Luiz Flávio Borges] D’Urso, que é meu amigo, onde está a placa, mas ele não soube dizer e disse que ia procurar, mas já faz mais de um ano”, reclama em tom amigável.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.