Tony Nicklinson quer morrer mas não o consegue fazer sozinho. Está paralisado. O caso está a emocionar o Reino Unido, que legalmente não permite o suicídio assistido neste caso. Foi por isso que Tony resolveu ir ao Supremo Tribunal de Londres pedir que o ajudem a morrer.
Nicklinson sofre de uma condição designada, em inglês, por locked-in syndrome e que, na prática, significa que um doente fica encerrado no seu próprio corpo. O seu cérebro funciona perfeitamente mas o seu corpo está paralisado do pescoço para baixo e é incapaz de falar.
Tony ficou assim desde que sofreu um acidente vascular cerebral em Atenas, em 2005. Não consegue fazer sozinho aquilo que qualquer adulto saudável faz: comer, andar, vestir-se,... O britânico descreve esta existência como uma vida “aborrecida, miserável, exigente, indigna e intolerável”. É por isso que quer morrer. Não é um capricho, é uma vontade consciente.
Mas essa vontade esbarra com a actual lei britânica. Se alguém ajudasse Tony a morrer, esse alguém seria muito provavelmente acusado de homicídio. E Tony quer morrer sem culpas.
Foi precisamente isso que Tony foi pedir na terça-feira, dia 19, ao Supremo Tribunal londrino: o direito de morrer sem deixar acusados atrás de si.
O britânico quer que os três juízes que analisarão o seu caso – Toulson, Royce e Macur – decidam que, caso ele decida pôr termo à vida, o médico que o ajude nesse acto fique livre de qualquer acusação.
A família de Tony – a mulher Jane e as duas filhas, Lauren, de 24 e Beth, de 23 anos – já fez saber que, embora apoie a decisão, não será directamente responsável pelo suicídio assistido.
Tony não fala, mas "twitta"
Esta acção em tribunal e o desejo manifesto de Tony em morrer são ainda mais difíceis de concretizar quando se sabe que o britânico nem sequer pode verbalizar as suas intenções. Nicklinson não fala. Apenas comunica através do piscar de olhos e, mais recentemente, através da escrita computorizada. Tem acesso a um software adaptado à sua condição que consegue formar palavras e frases à medida que Tony vai olhando para as diferentes letras do alfabeto.
Foi com recurso a este software que Tony pôde recentemente juntar-se à rede de microblogging Twitter, onde tem colocado mensagens que revelam a inteligência, o humor e a agilidade mental do britânico, por comparação ao seu corpo paralisado e inerte.
Desde que se juntou ao Twitter Tony publicou 100 mensagens e angariou mais de 38 mil seguidores, boa parte dos quais o têm tentado convencê-lo a não se matar. A mulher de Tony afirmou, porém, citada pelo Daily Mail, que o seu marido está mais determinado que nunca a morrer.
O diário Guardian está igualmente a promover uma sessão que durará toda esta semana e que consiste em pedir aos seus leitores que enviem perguntas a Tony. O diário britânico refere que esta campanha tem por objectivo debater as profundas questões sociais, éticas e religiosas deste caso.
”Não haverá finais felizes”
Numa carta enviada ao advogado e lida terça-feira em tribunal, Tony, de 58 anos, afirma: “Toda esta actividade de participação em documentários (para o Channel 4) e de escrita de artigos só me veio recordar o quanto eu quero que a minha vida acabe. Eu sei que esta audiência tem a ver com argumentos legais, mas será possível recordar aos juízes [que] eu quero pôr fim à minha vida desde 2007? Não é uma vontade passageira”.
Tony acrescentou ainda: “Não vos posso dizer a paz de espírito que teria só por saber que eu posso decidir sobre a minha vida, em vez de ser o Estado a dizer-me o que eu devo fazer – nomeadamente continuar vivo, independentemente da minha vontade”.
“Não posso coçar-me se tiver comichões, não posso assoar-me e só posso comer se for alimentado como um bebé – só que nunca irei passar a comer sozinho, ao contrário do bebé”, acrescentou ainda Tony na carta ao tribunal.
A mulher de Tony, Jane, disse na terça-feira à saída da audiência, na qual não esteve presente o marido: “Estamos muito felizes por finalmente Tony ser ouvido em tribunal. Aconteça o que acontecer, não haverá finais felizes”. Por seu lado, uma das filhas de Tony disse em tribunal que o pai perdeu todo o interesse por aquilo que o rodeia após o AVC e que o acidente o desapropriou de toda a sua essência humana. “Ele é forçado a viver uma existência, preso num corpo estragado, seguindo as regras impostas por terceiros (...) Ele está a viver uma vida que não deseja viver. Isto é uma tortura para ele”, disse.
Paul Bowen, o advogado de Tony, afirmou que o seu cliente não quer introduzir uma nova lei que legalize a eutanásia e o suicídio assistido. A única coisa que ele quer é manifestar sua vontade de ter uma morte digna com a ajuda de terceiros já que, sozinho, não o poderá fazer.
“Ele está condenado a uma existência que não quer viver, num estado de sofrimento e de falta de dignidade ao qual ninguém deveria estar sujeito. Este estado de coisas constitui uma séria ameaça aos seus direitos (...) de autonomia e dignidade”.
O advogado afirmou ainda que a actual lei acaba por encorajar as pessoas a irem morrer a países como a Suíça, que desde 1940 permite o suicídio assistido, desde que seja por "motivos altruístas".
Para todos aqueles que não têm essa possibilidade, as alternativas são a continuação do sofrimento ou “soluções amadoras”, indicou o advogado, que apelidou a actual lei britânica de “anómala e discriminatória”.
Os juízes do Supremo Tribunal continuarão durante toda esta semana a ouvir os argumentos apresentados pela família e pelo advogado de Tony Nicklinson.
Entre aqueles que deverão igualmente ser ouvidos em tribunal conta-se o médico Stelios Doris, que salvou a vida a Tony logo após o seu AVC em Atenas. No programa acerca deste caso, que o Channel 4 britânico transmitiu na quarta-feira à noite, o médico afirmou: “A morte é mais normal do que a vida num caso deste género. Por isso, quando fui informado que ele estava vivo, fiquei surpreendido mas também triste. Não desejaria ao meu pior inimigo que ele ficasse vivo nestas circunstâncias durante tantos anos”.
Antes de sofrer o AVC, Tony era um homem “muito activo e sociável”, descreve a família. Trabalhava como gerente para uma empresa de engenharia grega, era o presidente de um clube de golfe e gostava de assistir a jogos de râguebi com os seus amigos.
Fonte: www.publico.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.