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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Judiciário precisa criar varas especializadas em saúde

*Por Wadih Damous

É conhecida e acirrada a discussão atual em torno do chamado “ativismo judicial”. É certo que, em muitos aspectos, os poderes Executivo e Legislativo andam em crise, deixando de cumprir algumas de suas missões essenciais. Diante de tal situação, o Poder Judiciário acaba sendo chamado a socorrer situações críticas, especialmente as que se referem aos serviços prometidos ao cidadão, como contrapartida de suas obrigações para com o Estado. E muitas delas, aliás, estão elencadas na Constituição Federal, alçadas ao posto de direitos fundamentais com status de cláusulas pétreas.

Não há dúvida de que, nesse contexto, o direito à saúde (contraposto ao dever do Estado de prestá-la), está no cerne dessa discussão. É mais do que conhecida a situação caótica do serviço de saúde brasileiro, tanto público quanto privado. Mas, como se trata de direito fundamental (art. 6º da Constituição Federal), que o Poder Judiciário tem o dever de resguardar, e diante do amplo direito de ação reconhecido ao cidadão brasileiro (art. 5º, XXXV), não resta outra opção àquele que necessita de tais serviços a não ser bater às portas do Poder Judiciário.

Todos os dias, ou quase todos os dias, sabemos pelos jornais da morte ou de danos irreversíveis à saúde de pessoas que receberam atendimento médico inadequado em hospitais públicos e privados. Esses últimos, como são pagos para a prestação dos seus serviços, geravam a ilusão de que ofereceriam um atendimento melhor.

Doce e ledo engano, diria Nelson Rodrigues. Amargo e atroz engano, digo eu e o dizem os pais do menino Marcelo Dino, morto há menos de três meses em um hospital particular de Brasília, após uma crise de asma, fato que chocou o país.

O Poder Judiciário, por sua vez, ainda que não tenha dado causa a esse tipo de problema, tem o dever de dirimir o conflito, tutelando o direito material posto em juízo. Disso surgem diversos problemas, tais como o assoberbamento do Poder Judiciário e a falta de conhecimento específico de magistrados e servidores acerca da matéria e das possíveis implicações de suas decisões, sobretudo do ponto de vista econômico.

Além do número expressivo de ações em matéria de saúde em todo o país (cerca de 240 mil, segundo dados do CNJ), e de outras estatísticas alarmantes (o Idec, por exemplo, afirma que as questões afetas à saúdem lideram o ranking de reclamações por ele veiculadas por 11 anos), essa judicialização do acesso ao sistema de saúde gera problemas até mesmo para a tutela de outros direitos. É que, como é evidente, as ações que buscam medidas de urgência nessa matéria, tais como internações ou fornecimento de medicamentos, acabam tomando espaço de outras demandas na atenção de juiz e cartório. Não raro acontece de os advogados não serem sequer recebidos pelo juiz para despacharem um pedido liminar, sob a alegação de o juiz só o faz quando se trata de pedido ligado à saúde, em que há risco de morte iminente. Muito embora o juiz cometa ilegalidade quando, de antemão, anuncie que só receberá advogados para tratar dessa ou daquela matéria, essa é uma realidade que não se pode negar.

As especificidades das demandas relativas à saúde, acima sintetizadas, militam a favor da ideia da criação de varas especializadas. Temos, em diversos Estados, varas especializadas em matérias semelhantes, ou seja, aquelas que demandam tratamento diferenciado e conhecimento específico sobre a matéria jurídica e que, ao mesmo tempo, são tão relevantes que, ao serem tratadas em juízos com competência mais abrangente, acabam prejudicando a tutela de outros direitos. Muitas vezes, inclusive, a especialização é determinada ou recomendada por lei. É o caso das varas de infância e juventude (art. 145 da Lei 8.069/90), os Juizados de Violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 14 da Lei 11.340/2006), do idoso (art. 70 da Lei 10.471/2003), das questões agrárias (art. 126 da Constituição Federal) e varas especializadas em crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores (Resolução do Conselho da Justiça Federal 314/03).

Na comarca do Rio de Janeiro, aliás, há até mesmo varas especializadas em matéria empresarial. Se é verdade que a matéria empresarial demanda conhecimentos específicos por parte do juiz, de outro, trata-se questão meramente patrimonial. Se até uma questão patrimonial justificou a criação de varas especializadas, não há razão para que não se faça o mesmo com relação à matéria da saúde.

A vida humana se sobrepõe como valor absoluto a todos os outros valores por mais relevantes que sejam. Só com a possibilidade concreta de punição exemplar — nas esferas cível e criminal — é que os que fazem da saúde matéria meramente mercantil passarão a adotar medidas que assegurem um atendimento médico condigno que leve em consideração a vida e a saúde dos que necessitam da medicina.

*Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.

Fonte: Consultor Jurídico