*Por Giovanna Balogh
Além das alarmantes taxas de cesáreas no país, a pesquisa Nascer no Brasil, divulgada na semana passada, mostra que entre as entrevistadas que tiveram parto normal, 53,5% sofreram episiotomia, o corte entre a vagina e o ânus dado supostamente para facilitar a saída do bebê durante o parto. Assim como as cesáreas, a OMS (Organização Mundial da Saúde) não recomenda que o procedimento seja feito rotineiramente como tem acontecido no Brasil.
Profissionais que atendem suas pacientes e seus bebês de forma humanizada já aboliram a prática que, em 1999, foi descrita pelo médico americano Marsden Wagner, da OMS, como a “mutilação genital feminina”. Na semana passada, o Ministério da Saúde publicou uma portaria onde dá incentivos financeiros para os hospitais que não fizerem a prática e adotarem outras medidas para permitir respeito à parturiente e que torne o parto o mais natural possível.
A médica Melania Amorim diz que eliminou o procedimento há 12 anos e pede desculpas para todas as mulheres que foram cortadas por ela. Ela diz que vários estudos mostram que a episiotomia traz mais prejuízos do que vantagens. “A única maneira de termos um períneo íntegro é não fazendo a episiotomia”, comenta.
Mulheres que foram cortadas durante o parto relatam problemas na relação sexual e comparam a episio a um estupro por terem o órgão dilacerado (leia relatos abaixo).
As parturientes contam ainda a dor que sentiram. Por muitas vezes não serem anestesiadas, elas relatam a dor do corte feito com tesoura ou bisturi e ainda de cada um dos pontos dado durante a sutura. “Essa é uma marca que vai ficar para sempre. É a marca de uma cesárea vaginal. A sensação da mulher é de ser desrespeitada, violentada”, comenta. Hoje em dia mulheres têm entrado com ações na justiça pois a episiotomia, sem o consentimento da paciente, pode ser considerada violência obstétrica.
Melania diz que a prática passou a ser adotada de maneira rotineira em todo mundo nas décadas de 1940 e 1960. “Existia a crença de que a episio encurtava o trabalho de parto e isso contribuiu para difundir o procedimento já que as maternidades começam a seguir linha de produção com um parto atrás do outro”, comenta. Ou seja, o parto deixou de ser um evento natural e passou a ser um processo patológico que necessitava de intervenção obstétrica para evitar ou reduzir complicações.
A MBE (Medicina Baseada em Evidências) mostra que sem a episiotomia a perda de sangue é menor e que é mais fácil reparar lacerações espontâneas que normalmente são menores do que o corte da episiotomia. “A episio já é uma laceração de segundo grau”, explica.
Muitos médicos, diz a obstetra, fazem a episiotomia pois foram ensinados a fazer na faculdade e na residência. Ela diz que muitos profissionais de saúde acreditam que o corte reduz laceração grave e mantém a integridade do assoalho pélvico. “Não há nenhuma evidência falando dos benefícios, mas de prejuízos”, explica Melania sobre estudos disponíveis, desde 2000, na Biblioteca Cochrane. Mas, por que tantos médicos ainda fazem? Para a obstetra, os motivos principais são: desconhecimento das evidências e a fala “eu faço porque sempre fiz assim”.
COMO EVITAR UMA EPISIOTOMIA
O primeiro passo é a escolha do médico que vai acompanhar a gestante no parto. Se ele faz episiotomia de rotina, a chance de você ter um corte na hora do nascimento é grande. Para isso, a gestante deve procurar grupos de apoio ao parto normal que existem em várias cidades e também nas redes sociais.
A obstetra explica que se o parto não for acelerado, o próprio movimento de vaivém do bebê durante o trabalho de parto permite um períneo íntegro ou com uma laceração pequena. Melania explica que o corte não é indicado em parto pélvico (quando o bebê está sentado), nem quando há distocia de ombro e muito menos em parto instrumental, com uso de fórceps, por exemplo.
A OMS (Organização Mundial da Saúde indica a episio em apenas 10% dos partos. Nos últimos anos, a prática tem caído. No Canadá, por exemplo, era de 62% em 1993 e, em 2007, ficava em torno de 17%. Nos EUA caiu de 60%, em 1979, para 24% em 2004.
Alguns médicos e obstetrizes recomendam a massagem perineal e compressas mornas na hora do expulsivo pois ajudam a reduzir laceração de graus 3 e 4.
Apesar de nem todos os médicos acreditarem na preparação de períneo nem no uso de compressas, muitas mulheres se preparam com exercícios e massagens. Uma das opções é o epi-no (aparelho que ajuda a exercitar a musculatura da região pélvica). Para isso, a gestante deve procurar um fisioterapeuta para aprender os exercícios perineais para fortalecer essa musculatura para o trabalho de parto e o pós-parto.
CONFIRA RELATOS DE MULHERES QUE TIVERAM EPISIOTOMIA
“Lembro de sentir muita dor, muito incomodo, a sensação de estar literalmente rasgada. A dor era tamanha que nem me animei a ficar com meu bebe no colo, mesmo que a enfermeira tenha timidamente oferecido. Ah, e ainda teve a piadinha: enquanto suturava, o médico chamou meu marido pra checar tudo e estava orgulhoso em me deixar “toda novinha outra vez, bem apertadinha”, falou até que daria um ponto a mais de presente para o meu marido.” Nicole Passos
“Além da episiotomia (não me avisaram nem pediram permissão para nada) gigantesca tive laceração de 3º grau. Infeccionou, tomei antibiótico, passei 12 dias deitada porque não conseguia ficar em pé de tanta dor, um mês sem conseguir me sentar, usei o travesseirinho da humilhação por 3 meses, sexo também não lembro quando fiz, deve ter sido uns 4 ou 5 meses depois do parto. Doeu pra caramba. Doeu e ardeu.” Isabella Rusconi
“Me senti invadida, como se tivesse sido estuprada mesmo, pois tive meu órgão dilacerado e reconstruído mecanicamente.” Thielly Martins
“Mesmo gritando, urrando, berrando ‘não corta, não precisa, por favor, eu assumo, deixa rasgar’. Ela cortou. Disse que ‘só sabia fazer cortando’. Eu chorei, minha parteira chorou. Perdi. Me sinto mutilada, invadida. É como ser abusada. É a mesma coisa. Dá pra ver, dá pra sentir. Dá pra lembrar a cada ‘namoro’ com o marido.” Pamela Moreli Benoni
“E o pior a hora da episiotomia ela veio com a tesoura para cortar e eu disse não precisa, ai ela respondeu brava precisa sim e cortou duma vez sem anestesia, senti tudo, a sutura foi horrível, doeu muito, não tive nem o gosto de pegar meu bebê nos braços após o parto, mas também elas não me puseram ele no meus braços. Me senti a pior das pessoas até hoje quando recordo me da uma coisa ruim me sinto uma dor na alma, é muito ruim”. Márcia Cristina Carro
Fonte: Folha Online
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.