Um hospital do interior gaúcho deve pagar R$ 400 mil de indenização por danos morais e estéticos a uma técnica de enfermagem que sofreu contaminação por mercúrio. A decisão é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) e mantém sentença do juiz do Trabalho Tiago Mallmann Sulzbach. A substância chegou à corrente sanguínea da empregada por meio de um corte na pele, ocasionado pela quebra de um termômetro. O acidente ocorreu quando um paciente da ala psiquiátrica caiu e esbarrou na técnica de enfermagem, durante um atendimento.
Devido à contaminação, a trabalhadora perdeu parte dos movimentos de um dedo da mão esquerda, sofre com dormências pelo corpo e tem distúrbios visuais, com potencial de desenvolvimento de outros danos causados pela ação progressiva do mercúrio no seu organismo. Na época do acidente, fevereiro de 2007, ela tinha 23 anos.
Para os desembargadores da 1ª Turma, ficou comprovada a negligência do hospital ao não realizar procedimentos de desintoxicação imediatamente após o acidente, permitindo que o mercúrio se espalhasse pelo organismo da empregada. Os magistrados do TRT4, entretanto, atenderam parcialmente ao pedido do hospital e reduziram o valor da indenização, fixada pelo juiz de primeira instância em R$ 680 mil.
De acordo com informações do processo, a autora da ação foi admitida pelo hospital em agosto de 2005 e despedida em maio de 2008, imediatamente após seu período de estabilidade no emprego, concedido em decorrência do acidente. Ao ajuizar o processo, a técnica de enfermagem alegou que o hospital foi negligente e não agiu em tempo suficiente para evitar que o mercúrio se espalhasse pelo seu organismo, o que provocou diversos danos à sua qualidade de vida. Ela se submeteu a seis procedimentos cirúrgicos e permaneceu por pelo menos quatro anos recebendo auxílio-acidentário do INSS. Argumentou, também, que precisa de habilidades plenas nas duas mãos para exercer seu trabalho e que desenvolveu quadro depressivo, com tremores, sangramentos nas gengivas, gosto de metal na boca, entre outros sintomas da contaminação por mercúrio. Diante deste contexto, pleiteou reintegração ao emprego – pedido que foi negado – e indenização pelos abalos sofridos.
Negligência
Ao julgar o caso em primeira instância, o juiz Tiago Sulzbach destacou que todas as provas técnicas (dois laudos periciais e um parecer de médica do trabalho contratada pela reclamante) comprovaram a contaminação por mercúrio, sendo que diversos sintomas já se manifestavam na época da elaboração dos laudos, tais como o quadro depressivo e o distúrbio visual. Os documentos também atestaram, como observou o magistrado, que haveria consequências futuras, já que os efeitos da contaminação são progressivos. Neste aspecto, o juiz ressaltou o possível comprometimento da capacidade reprodutiva da trabalhadora.
Sulzbach salientou, ainda, que a deterioração da saúde da reclamante era visível durante a tramitação do processo. Para o juiz, a responsabilidade do hospital é objetiva, por não ter realizado procedimentos efetivos e imediatos que impossibilitassem a dissolução do mercúrio no organismo da enfermeira, já que no dia do acidente foi feito apenas um curativo, constatando-se aproximadamente um mês depois a contaminação por mercúrio.
Também não houve comunicação e pedido de orientação ao Centro de Informações Toxicológicas (CIT) para que providências mais concretas fossem tomadas. "A reclamada esteve a um telefonema de evitar a destruição de toda a qualidade de vida da autora. Quando se toma ciência do grave quadro desencadeado, bem como a velocidade em que se desenvolveram os sintomas, não é sem razão que exista uma efetiva constatação de que a autora poderá ficar cega, ter problemas neurocomportamentais, motores, danos à fertilidade, à capacidade do corpo de responder a infecções, ataques aos rins, cérebro e outros órgãos, além do quadro de depressão e ansiedade, perda de capacidade cognitiva, aos tremores, dores articulares difusas e lesão oftalmológica que já havia desenvolvido", concluiu o julgador.
Descontente com a sentença, o hospital recorreu ao TRT4, mas a relatora do recurso na 1ª Turma, desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti, decidiu manter a sentença na íntegra, apenas com a redução do valor indenizatório. A decisão prevaleceu por maioria de votos, destacando-se a divergência apresentada pelo desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso, que discordou da diminuição do valor da indenização.
O hospital ainda pode recorrer da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho.
Fonte: AASP/TRT - 4ª Região
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.