O Juízo Cível da Comarca de Mâncio Lima atendeu ao pedido de tutela de urgência formulado nos autos do processo nº 0700088-26.2015.8.01.0015 e determinou ao Estado do Acre que adote as medidas cabíveis, no prazo de cinco dias, para assegurar Tratamento Fora de Domicilio ao menor J. S. S. J, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. A criança é portadora da Síndrome de Lennox-Gastaut (um quadro epilético pediátrico devastador) e necessitava ser encaminhada com urgência à clínica especializada em São Paulo para realização de cirurgia.
A decisão favorável à saúde da criança foi assinada pelo juiz de Direito Marcos Rafael, titular da unidade judiciária, e divulgada na edição nº 5.642 do Diário da Justiça Eletrônico. De acordo com o magistrado, o relatório médico apresentado atestou a necessidade neste caso, “vislumbro a possibilidade de real perigo de dano, caso o pleito do requerente não seja atendido de forma antecipada, além da probabilidade do direito pleiteado”, declarou.
Entenda o caso
De acordo com o pedido formulado pela Defensoria Pública, o requerente está com oito anos de idade, mas se submete a tratamento de saúde desde os três anos de idade, sendo diagnosticado, posteriormente, como portador de Síndrome de Lennox Gastaut, com quadro de epilepsia refratária.
Segundo a petição inicial, a criança sofre de 20 a 30 crises por dia apresentando deficiência intelectual e perfil prévio de regressão neurológica. Por isso, iniciou seu atendimento pelo Tratamento Fora de Domicílio (TFD) no Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
A peça inicial descreve ainda que J. S. S. J. obteve alta em setembro de 2014 e foi encaminhado para tratamento no setor de neurocirurgia da mencionada entidade hospitalar, a fim de realizar procedimento cirúrgico de Calosotomia e Monitoração por Vídeo EEG, ambos a serem programados e solicitados pela Secretaria de Saúde do Estado do Acre por meio do Sistema da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC).
Representado por sua genitora S. F. C, em outubro de 2014 foi realizada solicitação junto ao TFD em Rio Branco para garantir a continuidade do tratamento, porém, até a presente data, mesmo depois de procurado diversas vezes pelo requerente, o requerido não teria dado resposta ao pedido, o que estaria ocasionando a piora no seu estado de saúde.
“Com efeito, o Requerente, em que pese todos os medicamentos utilizados, continua a ter de 20 a 30 crises convulsivas por dia, tornando, portanto, insustentável o seu dia-a-dia e ocasionando grave risco à sua integridade física”, consta da inicial.
Alegou ainda a Defensoria que a médica responsável pela equipe que cuida da parte autora no Hospital São Paulo teria entrado em contato com a mãe em março de 2015 informando que estava apenas aguardando o Requerido providenciar a ida do paciente para São Paulo, a fim de que lá possam ser realizados os exames pré-operatórios e a cirurgia indicada.
Diante de tais fatos, a ação requer medidas cabíveis junto ao CNRAC que garantam o retorno da criança. “O que se busca na presente ação é justamente a garantia de que o Requerente possa realizar o retorno de seu tratamento, é a garantia da saúde, da vida, da esperança e o retorno a uma vida normal”.
Também, foi formulado pedido para que dois acompanhantes fossem na ocasião, conforme prescrição médica. No mérito, a Defensoria pleiteia ainda danos morais em decorrência da “ineficiência na prestação dos serviços de saúde afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, o requerente está há vários meses tentando o procedimento médico, sendo necessário o ingresso da presente demanda judicial”.
Em sua contestação, o Ente Público afirmou que, de acordo com os procedimentos estabelecidos, apenas após o agendamento da Central Estadual de Regulamentação de Alta Complexidade (Cerac) é possível promover o encaminhamento do paciente. Ou seja, “não se trata de uma simples aquisição de passagens e encaminhamento informal do paciente, mas de um complexo procedimento administrativo cujo trâmite formal obrigatoriamente deve ser observado”.
A requerida alegou ainda que a disponibilização do procedimento pleiteado encontra-se inserido na esfera de competência do Cerac e foge da alçada do Ente Federativo solicitante. “Mesmo com a aprovação da CERAC solicitante do TFD respectivo, o paciente somente poderá viajar quando o hospital que irá recebê-lo tiver horário e data para o atendimento, conforme se vê do artigo 2º, da Portaria nº 55/99”, argumentou.
Assim, o Estado refutou a ausência da omissão em decorrência do seu dever constitucional de tutela da saúde, e também a condenação por danos morais. A justificativa relatou que as passagens são fornecidas após avaliação da Junta Médica e de análises do ordenador de despesas da secretaria de saúde, etapas que não foram cumpridas.
Ainda nas alegações feitas em sua contestação, o Estado esclareceu que já teria sido feito o encaminhamento do laudo de solicitação, no entanto, falta a confirmação por parte da unidade de saúde de São Paulo. O Ente Público informou ainda que “a parte autora não apresentou qualquer repercussão séria, que efetivamente ocasionasse um abalo psicológico, advinda do lapso temporal suportado”.
Decisão
Na decisão liminar proferida pelo Juízo Cível da Comarca de Mâncio Lima, foi deferida a tutela de urgência para determinar ao Estado do Acre que, no prazo de cinco dias, sob pena de multa diária de mil reais, adote as medidas cabíveis junto à Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade, para garantir a continuidade do tratamento do demandante, junto ao Setor de Neurocirurgia do Hospital São Paulo.
Em decorrência de decisão, o Ente Público deve providenciar passagens aéreas, estadia, alimentação e diárias (estas nos valores pagos ordinariamente pelo demandado, nas hipóteses de TFD) para o requerente e os acompanhantes, a fim de assegurar a boa recuperação em seu retorno ao interior do Acre.
“Quanto ao requisito do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, este também se encontra presente nos autos”, afirmou o magistrado. Então, o juiz de Direito Marcos Rafael asseverou que a não realização do tratamento, com o deferimento da medida pleiteada, além de postergar a situação de penúria e sofrimento do requerente, impede que este venha a ter melhorias nas suas condições pessoais e ter seu desenvolvimento pleno.
*Informações do TJAC
Fonte: SaúdeJur
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.