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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Paciente consegue na Justiça indenização por não realização de cirurgia

O Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco condenou o Estado do Acre, por meio da Fundação Hospital (Fundhacre), a indenizar em R$ 30 mil um carpinteiro que teve a mão esquerda atrofiada porque não teria sido incluído no programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) para realização de cirurgia. A decisão foi proferida nos autos do processo nº 0703983-37.2015.8.01.0001 e publicada no Diário da Justiça Eletrônico nº 5.640.

A responsabilidade do Ente Público foi confirmada pela não disponibilização de cirurgia correspondente e vaga no TFD em tempo oportuno. Na sentença, o juiz de Direito Flávio Mundim, que assina a sentença, justificou que a “inexistência de tratamento específico no Acre para reparação da mão do D. Z. B lhe causou um dano permanente, uma atrofia”.

O magistrado ressaltou que não atendimento específico, agravou a lesão sofrida pelo requerente tornando-a definitiva, “sendo que os prejuízos físicos, morais e materiais decorrentes dele se postergam no tempo, retirando do requerente a paz e a saúde de outrora”.

O juiz asseverou ainda que, as negativas de atendimentos médicos, como na hipótese, fere os preceitos morais mínimos, principalmente se considerados os elevados impostos cobrados da população e a total ausência de cobertura médica a que se vê exposto o cidadão quando busca um hospital público ou conveniado.

“O que se vê é que a população encontra-se totalmente à mercê do poder público, resultando na judicialização de conflitos que passariam ao largo do Judiciário se a Administração propiciasse aos cidadãos o mínimo de assistência, constitucionalmente assegurada”, fundamentou.

Entenda o caso

Conforme consta nos autos do processo, o requerente é carpinteiro e sofreu um acidente com um instrumento de trabalho, uma máquina maquita, enquanto estava ajudando seu vizinho na construção de sua casa.

No dia do acidente, 6 de maio de 2014, ele foi levado imediatamente pela ambulância do SAMU, e passou dez dias internado. Foram necessárias duas cirurgias, uma realizada no Pronto Socorro e outra na Fundhacre. Teve alta médica em 22 de fevereiro de 2014, conforme documentos apresentados em sua petição inicial.

O autor reclamou que, no decorrer dos dias a mão foi piorando, por isso foi encaminhado ao Tratamento Fora de Domicílio (TFD), e até hoje (dois anos depois), não foi autorizado o deslocamento para outra cidade ou marcada qualquer cirurgia nesta cidade de Rio Branco.

Segundo os autos, quando o trabalhador indagou sobre sua viagem, o atendimento administrativo do TFD lhe entregou um documento, na qual um médico do Rio de Janeiro informou-o que a cirurgia seria “contra indicada” em razão de sua evolução, ou seja, passou o tempo para realizar a cirurgia de reparação e o paciente está hoje com a mão esquerda atrofiada.

“Dessa forma, o requerente, além de sofrer com todos os danos causados e transtornos da cirurgia, teve a mão esquerda atrofiada, devido o procedimento realizado pela equipe médica e a demora do encaminhamento do TFD”, alegou o reclamante.

Por essa razão, a parte autora ingressou em juízo postulando indenização pela negligência do Estado e a imperícia médica perpetrada pela equipe médica que o atendeu e realizou as cirurgias, “que, conscientemente, deixou-o com sequelas pelo resto de sua vida”.

Por isso, estipulou-se no pedido de indenização o valor de R$ 100 mil por danos morais e materiais, para reparar o que vem suportando desde a ocorrência que o vitimou, e R$ 100 mil em danos estéticos.

O Ente Público contestou alegando que todas as providências foram adotadas de forma a assegurar o atendimento do paciente. No entanto, “o objetivo da cirurgia era reparar os nervos afetados pelo corte sofrido, mas, por ter havido grande dilaceração da mão do autor não foi possível costurar ‘ponta com ponta”, como afirmou o esclarecimento prestado pelo cirurgião responsável na contestação.

Já o procedimento a ser realizado via TFD, de acordo com a resposta do Ente Público, seria o enxerto na mão, que não é realizado no Estado. Assim, o pedido da reclamada foi à exclusão da Fundhacre como polo passivo da demanda.

Outra ponderação apresentada na contestação foi sobre o direito à saúde, na qual o administrador público deve adotar “medidas financeiramente possíveis, utilizando-se de escolhas que alcançassem a maior parte da população”.

Por fim, a manifestação encerrou questionando o valor da indenização. “Ora, na presente demanda, o reclamante pleiteou a condenação deste Ente Fazendário ao pagamento de R$ 200 mil a título de indenização por danos morais, o que caracteriza flagrante enriquecimento sem causa de sua parte, vedado pelo ordenamento jurídico, mormente pelos arts. 884 e 886 do Novo Código Civil”.

Decisão

Primeiramente, no entendimento do juiz de Direito Flávio Mundim, o Estado negou ao cidadão o direito constitucionalmente assegurado à saúde. “Já de início, houve uma demora na determinação de nova cirurgia na mão do autor, em decorrência da inviabilidade de realização da mesma em nosso Estado, sendo necessária a inclusão do paciente no Cadastro Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC), momento no qual o Estado do Acre, mesmo considerando que com a realização da cirurgia o paciente não recuperasse a total mobilidade de sua mão, negou ao autor o direito ao tratamento médico adequado, já que após o grande lapso temporal não foi mais recomendada à cirurgia”.

O magistrado pontuou também que o direito fundamental à saúde tem prevalência sobre os obstáculos burocráticos. “As omissões dos entes públicos superam meros dissabores, atingindo a esfera íntima da autora, alcançando sua própria dignidade”, afirmou Mundim.

Ante o exposto, o juiz julgou parcialmente procedente o pedido de D. S. Z. para condenar o Estado do Acre, determinando o valor R$ 30 mil. Sobre a indenização incidirão juros de mora a partir do evento ilícito, a teor da Súmula 54/STJ, e correção monetária, a partir da decisão.

*Informações do TJAC

Fonte: SaúdeJur