PORTUGAL
Governo francês exigiu uma inspecção a todos os centros autorizados a realizar ensaios clínicos.
O laboratório português Bial e a empresa francesa Biotrial, que conduzia um ensaio clínico de uma molécula experimental para a farmacêutica portuguesa quando se deu a morte de um voluntário, “têm responsabilidades a vários níveis”, nomeadamente quanto às dosagens prescritas e ao tempo excessivo que levaram a alertar as autoridades, refere a ministra da Saúde francesa, Marisol Touraine, a propósito das conclusões do relatório final da Inspecção-Geral de Assuntos Sociais (IGAS).
Os problemas começaram a 10 de Janeiro, quando o voluntário Guillaume Molinet, de 49 anos, deu entrada na urgência do centro hospitalar de Rennes em coma. Com idades entre os 28 e os 49 anos, Guillaume e outros cinco voluntários foram hospitalizados. Guillaume acabou por morrer. Desde então, todos os ensaios deste composto experimental da Bial, que actua ao nível do sistema nervoso central, foram suspensos.
Foi um dos mais graves incidentes com ensaios clínicos de fase 1 na Europa. Para se chegar à criação de um novo medicamento de venda ao público, os compostos passam por um longo processo que começa com testes em laboratório, depois passam para estudos em animais e só depois para pessoas. É a fase dos ensaios clínicos. No caso da molécula da Bial, estava-se na fase 1 (são quatro), altura em que é administrada pela primeira vez a seres humanos, neste caso saudáveis. Durante esta fase, são administradas doses baixas, aumentadas gradualmente para medir a resposta clínica do participante ao medicamento.
"O relatório final confirma que as condições em que o ensaio clínico foi aprovado não desrespeitaram a legislação”, disse a ministra da Saúde, Marisol Touraine. “Mas os inspectores consideraram que a Bial e a Biotrial têm responsabilidades a vários níveis, no que diz respeito à dosagem prescrita e ao tempo que demoraram a alertar as autoridades”, cita a Reuters.
Quanto à Bial, diz-se que houve uma escolha “insuficientemente cautelosa” da dosagem de 50 mg, com doses múltiplas crescentes, escreveu o jornal Le Monde, apontando-se também ao laboratório português "um atraso de informação às autoridades sanitárias". No caso da Biotrial diz-se que os voluntários não receberam informação adequada sobre possíveis efeitos secundários, nomeadamente neurológicos e pulmonares, detectados na fase de teste em animais, continua o jornal francês. Critica-se também a resposta tardia desta empresa.
A Bial disse, em comunicado, em resposta a estas conclusões, que “este é mais um relatório que não permite determinar qualquer conclusão quanto à causa concreta do acidente, nem da morte de um dos voluntários que participaram no ensaio clínico”. O laboratório lamenta não ter tido ainda acesso à totalidade dos dados médicos, nomeadamente à autópsia do voluntário, "elementos essenciais para a prossecução de uma investigação completa".
A Bial realça que o protocolo de execução do ensaio pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento e dos Produtos de Saúde cumpre a legislação, nomeadamente sobre a evolução prevista das doses. “Não houve qualquer sinal de alerta nos parâmetros de segurança dos dados recolhidos nos grupos das fases precedentes de ensaio que pudessem fazer antecipar o sucedido. A análise integrada de doses únicas (até 100 mg) e múltiplas da exposição ao fármaco não revelou um comportamento inesperado."
Quanto à notificação das autoridades, Bial disse que foi informada pela Biotrial “de um efeito adverso grave manifestado num voluntário no dia 11 de Janeiro e que tomou, de imediato, a decisão de suspender a medicação a todos os participantes no ensaio.”
Já a Biotrial veio dizer, em comunicado, que cumpriu todas as regras "e que ficou provado que é a molécula do Laboratório Bial, pela sua imprevisível e inesperada toxicidade, que foi responsável pelo acidente". Além da investigação da IGAS, o assunto vai ser alvo de um inquérito judicial.
As conclusões do Comité Científico Especializado Temporário criado pela Agência Nacional de Segurança do Medicamento francesa (ANSM), conhecidas a 21 de Abril, foram peremptórias: “O acidente que ocorreu em vários voluntários do ensaio aparece claramente ligado à molécula testada.”
Este projecto de investigação da Bial teve início em 2005 e os estudos com este composto remontam a 2009. Os resultados obtidos em animais, segundo informou a farmacêutica portuguesa, terão demonstrado um perfil de segurança e tolerabilidade que permitiu, em Junho de 2015, a aprovação do ensaio com voluntários saudáveis.
O Governo francês exigiu agora uma inspecção a todos os centros autorizados a realizar ensaios clínicos e apelou à União Europeia que harmonize os critérios de avaliação e gestão de acidentes como o que aconteceu no laboratório francês Biotrial. A ministra da Saúde francesa anunciou ainda que as condições de autorização de ensaios clínicos, incluindo da primeira administração em humanos, serão reforçadas e que a Agência Regional de Saúde irá inspeccionar este ano todos os centros actualmente autorizados a realizar ensaios clínicos, refere a Lusa.
É raro, mas esta não é a primeira vez que há problemas em ensaios clínicos de fase 1, refere a Reuters. Em Londres, em 2006, seis voluntários saudáveis que estavam a tomar um medicamento experimental acabaram por ser internados numa unidade de cuidados intensivos. A 21 de Janeiro, a farmacêutica norte americana Johnson & Johnson disse ter suspendido ensaios clínicos internacionais de uma droga similar à experimentada pela Bial.
Fonte: PUBLICO.pt
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.