Paciente falou que sentia falta de ar e afirmou ter medo de sofrer um AVC.
Mulher que fez aplicação a mandou deitar e descartou riscos, em Goiás.
A auxiliar de leilão Maria José Medrado de Souza Brandão, 39 anos, que morreu no último sábado (24), um dia depois de se submeter a um procedimento para aumentar o bumbum, em Goiânia, reclamou de dor no peito e falta de ar para a suposta biomédica que realizou o procedimento. Em áudios conseguidos com exclusividade pela TV Anhanguera, é possível notar que a paciente estava ofegante e fraca, mas a responsável pela aplicação descartou riscos, orientou Maria a comer "uma coisinha salgada" e deu risada.
Assim que chegou em casa após a intervenção, a auxiliar de leilão mandou uma mensagem dizendo que não conseguiu subir as escadas. "Não tô [sic] conseguindo ficar em pé, parece que eu vou desmaiar de tanta fadiga e do no peito, aquela agonia de não conseguir respirar", afirmou.
Identificada como Raquel, a suposta biomédica respondeu tentando acalmar Maria. Segundo ela, o motivo do mal-estar poderia ter sido uma queda na pressão e aconselhou a ficar de repouso. "Aconteceu isso comigo também porque eu não tinha me alimentado direito. Não tinha dormido direito. Isso influencia. Deita e descansa um pouquinho", disse.
Maria insistiu e afirmou que estava deitada há horas, mas continuava com uma sensação ruim. A suposta profissional tentou explicar que é comum ficar tensa com o procedimento e falou para ela comer "alguma coisinha salgada".
Risos
Momentos depois, Maria encaminhou uma mensagem escrita dizendo: "Tenho medo de AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Minha mãe morreu cedo disso". Nesse momento, Raquel deu uma risada e descartou a possibilidade de paciente sofrer do problema.
"AVC não dá falta de ar não. AVC é no cérebro, não dá falta de ar. Pode ficar tranquila. Você fuma? Alguma coisa assim? Você costuma praticar atividade física? Pode ficar tranquila que tem a ver com a tensão, não tem nada", salientou.
Maria José conheceu o trabalho da suposta biomédica por meio de anúncios que a própria mulher colocava na internet. Ela fez uma aplicação, no início deste mês, mas não gostou do resultado e voltou para fazer novamente cerca de 15 dias depois, no último dia 24. No entanto, ela passou mal e chegou a ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Jardim América, mas não resistiu e morreu com quadro suspeito de embolia pulmonar no dia seguinte.
Quando ainda negociava a realização da aplicação, Maria ouviu de Raquel que não havia motivos para preocupação. "Eu não seria irresponsável a ponto de fazer um procedimento em você que fosse te deformar, que fosse te deixar com algum tipo de problema. Eu tenho curso, eu não tô fazendo uma coisa de qualquer jeito, entendeu?", indagou.
Em um grupo de no aplicativo de celular Whatsapp, Raquel também fazia propaganda de seu trabalho. "Faço bioplastia de glúteo. Se alguém tiver interesse, me chame inbox". Ao ser questionada sobre valores, ela informou que cobra até R$ 3,9 mil pelo procedimento e promete um "resultado imediato".
Depoimentos
A delegada Myrian Vidal, titular do 17º Distrito Policial de Goiânia e responsável pelo caso, já ouviu quatro testemunhas do caso. Na próxima segunda-feira (3), a suspeita de fazer a aplicação deverá ser interrogada. Segundo ela, faltam apenas esta oitiva e o laudo cadavérico para que possa concluir o inquérito.
"Se ficar comprovado que a vítima morreu em decorrência do procedimento, a mulher responderá por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. Se não for provado, o que eu acho improvável, ela será autuada na contravenção penal por exercício irregular da profissão, pois o procedimento só pode ser realizado por médicos", explica.
Em nota, o Conselho Regional de Biomedicina da 3ª Região (CRBm-3) informou que, como o nome da mulher não consta na lista de profissionais com registro no órgão, leva o conselho "a crer que não seja ela biomédica". Ao G1, a gerência disse que já solicitou às outras quatro regionais para saber se a mulher tem a formação, mas ainda não recebeu as respostas.
A dona da clínica onde Maria José passou pelo procedimento, a esteticista Clênia Marques Rosendo, disse à polícia que não sabia qual o procedimento seria realizado no local e por isso decidiu local uma das salas para a mulher por R$ 250 a diária. A clínica foi interditada na terça-feira (28) por não possuir alvará sanitário. Além disso, o local também foi multado em R$ 2 mil.
Ato exclusivo de médicos
Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), Luiz Humberto Garcia de Souza explicou ao G1 que o procedimento invasivo no glúteo é delicado e só pode ser realizado por médicos devidamente qualificados.
De acordo com o especialista em cirurgia plástica, há uma grande possibilidade de a paciente ter tido embolia pulmonar em virtude da aplicação no glúteo. “Esse produto é um gel muito articulado, são partículas muito pequenas que têm facilidade de penetração vascular e que podem ser levadas em um volume massivo para a árvore venosa do pulmão, gerando um caso gravíssimo de embolia pulmonar”, conclui.
Diante do ocorrido, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) publicou uma resolução proibindo o trabalho médico em estabelecimentos como clínicas de estética e salões de beleza. A norma começou a vigorar na quarta-feira (29).
Fonte: G1/Goiás
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.