Corregedoria apura falhas na investigação, que não pediu exame de DNA.
'Não tem indenização que pague', disse dentista, que processa o estado.
A “fé” foi a única coisa que André Luiz Medeiros Biazucci Cardoso se agarrou durante os seis meses e 26 dias em que esteve preso entre outubro de 2013 e maio deste ano. Acusado de sete estupros, o dentista de 27 anos foi capturado por agentes da Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, e ficou detido em dois presídios da Região Metropolitana até ser absolvido. Em entrevista ao G1 nesta quarta-feira (8), ele disse que pretende processar o estado. A Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol) instaurou sindicância para apurar a conduta dos policiais responsáveis pela investigação.
“Eu aprendi a ter fé. De resto, não tenho nada para aprender sobre isso, porque não sou culpado. O que serviu foi para me aproximar ainda mais da minha noiva e da minha família”, relatou.
Segundo ele, a polícia já investigava a sua participação em estupros na Baixada Fluminense quando a prisão ocorreu. As investidas policiais em relação à conduta de André começaram depois que uma das vítimas do abuso sexual teria anotado a placa do carro dele e entregado à polícia, informando ser do veículo em que estava o estuprador.
Além disso, algumas mulheres teriam reconhecido André como o autor dos crimes na delegacia, fato que também pesou para o indiciamento do dentista por parte da polícia. No entanto, por mais suspeitas e pistas que possam ter aparecido, a negligência em achar provas cabais foi, segundo ele, o motivo de sua permanência na cadeia.
“Apesar da minha vontade de colaborar, em nenhum momento houve a intenção de fazer um exame de DNA para comprovar se eu era mesmo o culpado. Só se preocuparam em fazer exame de corpo e delito nas vítimas”, explicou.
O acusado só conseguiu ser considerado inocente, segundo ele, depois que seu advogado de defesa conseguiu autorização para fazer um exame de DNA nos resíduos biológicos presentes nas vítimas e nas cenas dos crimes, enquanto ele estava preso. "O exame foi feito em março, cinco meses após a prisão", contou.
Indução ao erro
Na decisão que absolveu o dentista, no dia 14 de maio, o juiz da 2ª Vara Criminal de Belford Roxo questionou diversos elementos na investigação e lamentou a forma como a mesma foi conduzida.
O carro que André dirigia, segundo a decisão judicial, era da mesma marca do que o usado pelo criminoso, mas com características distintas. Além disso, André apresentou diversos álibis, que não foram levados em consideração antes da prisão.
A questão do reconhecimento das vítimas ter sido utilizado como evidência do crime também foi criticada pelo magistrado, uma vez que diversos equívocos podem induzir a Justiça ao erro.
“Dessa forma, poder-se-ia resumir o processo de formação de falsas memórias, provocadas principalmente por estes fatores: sugestão por terceiro, insistência na pergunta (repetição), utilização de palavras associadas (diferenças semânticas sutis), o julgamento moral, a pressão social, o histórico pessoal do inquirido e possíveis traumas. Todas passíveis de ocorrer tanto na fase policial, quanto na judicial propriamente dita”, afirmou o juiz.
Isolado 37 dias
André contou que o pior momento na cadeira ocorreu na primeira fase, quando ficou na unidade prisional Patrícia Acioli, em São Gonçalo, Região Metropolitana. Segundo ele, foram 37 dias sozinho em uma cela, sem contato com outras pessoas ou com o mundo exterior. “Eu só recebia água e comida, mas fiquei trancado sem contato com o mundo”, disse.
Nos últimos três meses, o dentista ficou detido no presídio de Bangu 8, no Complexo de Gericinó, Zona Oeste da cidade. No local, ele afirmou ter conhecido pessoas com histórias parecidas, que se diziam injustiçadas pelo sistema judiciário estadual. “Eu não cheguei a ser hostilizado. Fiz alguns contatos, com gente que também dizia estar sendo vítima de injustiça.”
Apesar das dificuldades, o homem disse que recebeu apoio da família, da noiva e do sogro, que sempre acreditaram na sua inocência. Agora, André busca retomar a profissão e a especialização em ortodontia, que foi interrompida durante a temporada atrás das grades. Ele disse que já entrou com um processo contra o estado do Rio por danos morais e materiais.
“Não tem indenização que pague”, lamentou.
Polícia responde
De acordo com Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM Belford Roxo), a investigação para apurar os estupros em série no município começaram em 2012. Sete vítimas de crime sexual prestaram depoimento e reconheceram o dentista como autor dos crimes.
Após a divulgação da prisão, segundo a DEAM, outras duas mulheres procuraram a unidade para declarar que o reconheceram, por meio de fotos de reportagens, como o autor de um estupro e de uma tentativa de estupro ocorridos em Belford Roxo. .
Ainda de acordo com a DEAM, o conjunto probatório colhido durante as investigações foi submetido a análise do Ministério Público e da Justiça, que concedeu três mandados de prisão contra o dentista (duas preventivas e uma temporária).
Fonte: G1/Rio de Janeiro
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.