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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Direito à vida e à saúde devem nortear a interpretação das cláusulas contratuais

O Juizado Especial Federal de São Paulo (JEF-SP) concedeu antecipação dos efeitos da tutela em ação proposta para garantir a realização de procedimento cirúrgico consistente na troca/correção transcateter de válvula aórtica com implante transapical, cuja cobertura foi negada a paciente pelo Plano de Assistência aos Servidores do Banco Central (PASBC).

O autor da ação informa que é portador de cardiopatia grave (artenopatia grave, estenose aórtica acentuada etc.) e que, em decorrência de complicações está internado no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, credenciado pelo PASBC.

Aduz que, segundo orientação médica, o tratamento cirúrgico convencional para troca de válvula aórtica pode acarretar diversas complicações pós-cirúrgicas. O relatório médico noticia que se o autor não for submetido à troca valvar indicada, tratamento de menor risco, poderá prosseguir para insuficiência cardíaca classe IV, com alto risco de morte súbita.

O PASBC negou autorização para realização do procedimento cirúrgico sob o argumento de que a técnica de troca valvar (troca transcateter de válvula aórtica com implante transapical) não tem previsão de cobertura no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora dos planos de saúde no Brasil, nem na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM).

Ao analisar os requisitos para a concessão de tutela antecipada, o juiz federal responsável pelo caso, assinala que o autor comprovou a existência de relação contratual entre ele e o PASBC e o pagamento regular das prestações. O seu estado de saúde é atestado por Relatório Médico, bem como pelo anexo de provas elaborado pela equipe médica do hospital credenciado pelo plano de saúde para realização de cirurgia cardíaca. A equipe recomenda como única opção, com menor risco para o paciente, a troca/correção transcateter de válvula com implante transapical.

“Além do mais”, diz a decisão do JEF, “a despeito do alegado pelo réu na negativa de fls. 14 do anexo de provas, dessume-se da análise da Resolução Normativa CNHM nº 012/2012 anexada em 24/10/2014 ( a qual prevê alterações, revisadas e aprovadas pela Câmara Técnica Permanente da CBHPM de 28/11/2012, a serem introduzidas na Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos de 2012) que houve inclusão do procedimento nº 3.09.12.29-6 consistente no implante Transcateter de Prótese Valvar Aórtica. Observa-se ainda do exame acurado da referida resolução (pelo menos numa análise preliminar) que o quadro clínico do autor se encaixa perfeitamente nas observações “a”, “b”, “c” e “d” do código 3.09.12.29-6, visto que foi constatado no relatório médico que acompanha a exordial a presença de estenose valvar aórtica acentudada, idade superior a 75 anos (o autor tem 77), possibilidade de utilização do procedimento transapical e contraindicação à cirurgia convencional”.

Dessa forma, vê-se que o tratamento indicado pela equipe médica do Hospital credenciado pelo PASBC não é experimental, uma vez que foi aprovado pela Câmara Técnica Permanente da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.

Além disso, mesmo o PASBC não tendo fins lucrativos e sendo a assistência por ele prestada enquadrada na ANS na modalidade autogestão, a relação entre ele e o autor da ação é de consumo, visto que o plano presta assistência de saúde mediante remuneração pelos associados. O autor se enquadra no conceito de consumidor (art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor) e o réu no de fornecedor de serviço (art. 3º, da mesma lei). Assim, mostra-se inegável a ilicitude da cláusula que limita a realização de determinado procedimento cirúrgico, cuja patologia está incluída na cobertura do plano, presumindo-se que a patologia do autor está coberta pelo plano de saúde, visto que o réu credencia médicos cardiologistas e hospitais especializados em cirurgia cardiovascular.

O JEF salienta que “o consumidor é a parte mais vulnerável da relação jurídica, estando em jogo diversos direitos personalíssimos: a vida, a saúde, a integridade física e psíquica, além da dignidade da pessoa humana, os quais também devem servir de norte para a interpretação das cláusulas contratuais, observando-se os princípios da boa fé objetiva e função social do contrato”.

A decisão observa ainda que cabe ao médico assistente (também credenciado pelo plano de saúde) determinar as características das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis, bem como o instrumental compatível, necessário e adequado à execução do procedimento.

Já o perigo de dano irreparável consiste na possibilidade de o autor prosseguir para insuficiência cardíaca classe IV, com alto risco de morte súbita.

Por fim, não se visualiza a possibilidade de irreversibilidade da tutela antecipada, pois o eventual ressarcimento das quantias despendidas com o custeio do tratamento cirúrgico em questão poderá ocorrer em momento oportuno e pelos meios adequados.

A decisão do JEF fixou o prazo de cinco dias para que o PASBC cumpra a determinação e fixou multa de R$ 10.000,00 por dia, em caso de descumprimento.

No JEF, o processo recebeu o nº 0072703-28.2014.4.03.6301 (Informações do TRF3)

Fonte: SaúdeJur