Mesmo sem ser gestante, ela obteve 180 dias para cuidar de trigêmeos.
Novo modelo familiar deve ser digno de proteção do Estado, diz juíza do DF.
A Justiça do Trabalho do Distrito Federal concedeu licença-maternidade à companheira de uma mulher que deu à luz trigêmeos. Em sua decisão, a juíza afirmou que a presença da companheira junto à mãe era "imprescindível" para ajudar na amamentação e nos cuidados dos três filhos nos primeiros meses de vida.
A administradora Fabiane Leite Correia Dantas foi beneficiada com licença de 120 dias, prevista na lei, mais 60 dias, conforme norma da empresa onde ela trabalha. Os três meninos nasceram após 33 semanas e um dia (sete meses) de gestação, em 11 de dezembro do ano passado. Ela só deve retornar ao trabalho em junho.
Fabiane é funcionária da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi). A empresa diz que neste caso a lei não prevê o auxílio a duas pessoas pelo mesmo “fato gerador” – o nascimento dos bebês –, mas que tem cumprido a decisão judicial e não negou o benefício em nenhum momento desde o início do processo.
Desde janeiro, a administradora já estava afastada do trabalho devido a uma liminar obtida na Justiça. Quando fez o pedido à empresa, logo após o nascimento dos trigêmos, foi concedida a ela uma "licença-paternidade", que dá direito a cinco dias de folga.
“Inicialmente eu solicitei [o benefício] à empresa pelo fato de serem trigêmeos, de toda a dificuldade que eu tive no início. O menorzinho ficou 48 dias na UTI. Não foi nem o fato de sermos casal homoafetivo, mas o que a gente estava passando”, afirma Fabiane.
Segundo ela, o fato de ter duas das crianças em casa e uma na UTI logo após o parto exigiu cuidados especiais. A administradora diz que enquanto uma das mães ia ao hospital a outra cuidava das crianças que ficavam na residência. Os bebês precisavam ser amamentados a cada três horas, afirma.
Fabiane chegou a fazer tratamento hormonal para poder amamentar, mas não houve sucesso. Desde o nascimento, a alimentação dos filhos é feita pelo leite materno e por suplementos especiais para recém-nascidos.
“Hoje a gente já conseguiu se organizar. Tem uma pessoa que ajuda a gente, mas que não tinha no começo”, afirma Fabiane.
Segundo o advogado da administradora, Tulius Marcus Fiuza, a decisão da Justiça levou em consideração a necessidade de proteção aos bebês, que é prevista na Constituição.
“Ela é mãe também. É direito legítimo, consta nas certidões que há duas mães. É o mesmo sentimento da outra mãe, é a maior realização da vida dela. Só pelo fato de ter como cuidar dos filhos prematuros, de dar carinho, amor de mãe, não tem como mensurar”, afirma.
Na decisão, a juíza Ana Beatriz Cid Ornelas afirmou que os novos modelos familiares devem ser dignos de proteção do Estado. “O caso que se verifica mostra a existência de um núcleo familiar com duas mães, pois não se pode crer que a filiação materna seja única e precise advir exclusivamente do parto”, disse.
Caso raro
Segundo o advogado Tulius Fiuza, a concessão de licença-maternidade à companheira de uma mulher que deu à luz é algo raro na história jurídica do país. “Fiz pesquisa e não encontrei decisão similar. A situação é nova. Os direitos homoafetivos estão surgindo agora. Pelo que vi é a primeira decisão do tipo.”
Para a advogada Daniela Moreira Sampaio Ribeiro, especialista em direito trabalhista, ocorre uma "renovação do conceito de família" com o reconhecimento dos direitos civis e da união entre pessoas do mesmo sexo. Ela afirma que a legislação não consegue acompanhar essa rápida evolução e situações como a de Fabiane não possuem previsão específica na lei.
"No caso concreto [da Fabiane], a juíza entendeu que as crianças possuem registro civil onde consta a dupla maternidade e, sendo assim, os direitos decorrentes da condição materna deveriam ser extensivos às duas mães, em igualdade de condições, independentemente de quem gerou os filhos", diz Daniela.
“Eu tenho esse direito. A gente casou. No hospital não teve problema nenhum. Deram para a gente o documento de ‘nascido vivo’, no cartório a gente foi bem recebida. No documento não tem ‘avós paternos’, ‘avós maternos’. Só consta mães e avós. Até pela questão da relação homoafetiva, é uma evolução”, diz Fabiane.
Fonte: Globo.com
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.