*Por Verônica cordeiro da Rocha Mesquita
Não são raras as vezes o julgador se sente incapaz de proferir uma decisão por falta de argumentos técnicos sobre a matéria, ou seja, sem que seja solicitado a um profissional especializado um laudo para subsidiar o julgamento.
É o que acontece em processos que envolvam questões de saúde, por exemplo. Nesse caso, como em outros, a perícia médica é realizada por um médico, com vistas a dar subsídio, tirar dúvidas, esclarecer circunstâncias, sobre fato jurídico relacionado ao periciado, como: estabelecer a ocorrência de violência sexual, se determinado médico agiu conforme preceitua a ciência médica diante do atendimento de um paciente ou, ainda, se há incapacidade laboral, total ou parcial, permanente ou temporária.
No post de hoje trataremos dessa importante ferramenta: a perícia médica judicial.
É necessário ser especialista?
A conceituação de perito, conforme Michaelis (www.michaelis.com.br), é “1 Que tem perícia. 2 Experiente, hábil, prático, sabedor, versado. sm 1 Aquele que é prático ou sabedor em determinados assuntos.”
A perícia médica é um ato médico e, como tal, teoricamente pode ser exercida por qualquer médico e consiste em exame, vistoria ou avaliação (art. 420, do Código de Processo Civil – CPC).
Conforme já debati neste veículo, por intermédio do artigo O Pleno Exercício da Medicina Exige Especialidade? – abril/2011 – desde que haja graduação em faculdade de medicina reconhecida pelo Ministério da Educação, registro do diploma e inscrição do médico no CRM, ele estará apto para exercer a medicina, logo, praticar o ato médico.
No entanto, quando se fala em perito, pressupõe conhecimento técnico específico, com comprovação de especialidade na matéria sobre a qual deverá opinar. Este é, ao menos, o comando do artigo 145, caput e parágrafos, do CPC.
Não é crível uma questão de alegação de erro médico na área cardiológica, por exemplo, com todas as especificidades que lhe são inerentes, ser avaliada por médico que não seja especialista.
Esta é a toada que deve conduzir a perícia médica judicial, porque o exercício da medicina por intermédio da perícia deve ser pautado na responsabilidade e no preparo, pois o médico responderá por seus atos profissionais baseados na retidão ética e científica, quer perante o CRM, quer no Poder Judiciário pelos prejuízos que causar à parte, além da sanção penal.
Médico perito que carece de conhecimento técnico ou científico e que sem justo motivo deixar de cumprir o prazo que foi assinalado pelo juiz, será substituído e o CRM notificado, podendo, ainda, ser-lhe imposta multa.
A perícia pode ser direta no próprio litigante e/ou vítima, bem como indireta, no caso do seu falecimento, quando ela é realizada no seu prontuário, exames e demais documentos médicos, estabelecendo-se o seu histórico médico, além do laboral e familiar.
A perícia indireta não fere o Código de Ética Médica (CEM), em que pese haver certa resistência quanto a esta forma.
O CEM cuida da perícia médica juntamente com auditoria, nos arts. 92 a 98.
Condenação ou absolvição
O laudo pericial elaborado pelo médico é documento jurídico de grande importância, pois dará subsídio para o juiz decidir acerca da questão apresentada, como falamos no início do artigo.
O resultado da perícia pode ser decisivo para condenar ou absolver a parte demandada. Pode, mas não necessariamente define a condenação ou absolvição.
Isso porque o “juiz não está adstrito ao laudo pericial” (art. 436, do CPC) e vigora no direito brasileiro o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131, do CPC). Não são incomuns decisões onde o julgador não se atém ao laudo pericial, valendo-se de outras provas produzidas no processo, conjugadas com o contexto fático e a legislação aplicável (TRF 3ª R., Apelação Cível 1277045):
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557, § 1º, CPC. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que o juiz não está vinculado à prova pericial podendo valer-se de outros elementos existentes nos autos tendentes à formação do seu convencimento.
2. Pode o magistrado conceder o benefício de aposentadoria por invalidez, não obstante a perícia conclua pela incapacidade apenas parcial. Valho-me, in casu, do que preceitua o art. 436 do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. (…)”
Mesmo com a faculdade de não basear sua decisão por ela, a perícia médica dará condições técnicas para o julgador condenar, absolver, conceder benefícios, estabelecer regime prisional, enfim, é de vital importância para definir situações jurídicas, colaborando para a boa aplicação do Direito e promoção da justiça.
O esforço chama sempre pelos melhores. (Sêneca)
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.