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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Omissão: MP suspeita de cirurgia que terminou em morte de tesoureira

Promotor Diaulas Ribeiro acredita que a falta de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) contribuiu para a morte

Laudo preliminar do Instituto de Medicina Legal (IML) do Distrito Federal indica que não houve perfuração nos órgãos internos de Marinalda Araújo Neves Ribeiro durante a cirurgia plástica que matou a tesoureira de 46 anos, na manhã da última sexta-feira. No entanto, mesmo que não tenha ocorrido erro técnico, o promotor do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) Diaulas Costa Ribeiro adiantou, em entrevista ao Correio, que vai processar os médicos e os proprietários da Clínica Magna, na Asa Norte. Na avaliação dele, a ausência de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) revela que o local não possui condições de segurança para a realização da cirurgia, o que, para o promotor, pode ter sido determinante na morte da paciente, enterrada ontem.

Em abril deste ano, o deputado federal Cléber Verde (PRB-MA) apresentou na Câmara Federal um projeto de lei (leia ao lado), que torna obrigatória a instalação de UTIs em clínicas onde ocorrem lipoaspiração ou lipoescultura. Por enquanto, essa obrigatoriedade não existe. “Maior que a lei escrita, é o princípio da precaução. Não existe fatalidade em cirurgia plástica. É evidente que, mais uma vez, houve erro médico. Se não pela técnica, pela omissão, pela falha na estrutura”, comentou Diaulas. “Essas mortes dificilmente ocorrem em hospital. Quando há uma UTI, a paciente é removida imediatamente, em vez de ficarem tentando reanimá-la por horas”, acrescentou.

O caso de Marinalda é pelo menos o terceiro de morte durante cirurgias plásticas neste ano no DF. A Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde (Pró-Vida) montou um grupo que tem trabalhado para garantir a obrigatoriedade de UTI em clínicas que realizam esse tipo de procedimento. “Médicos e pacientes, infelizmente, continuam teimando em fazer tudo errado. As cirurgias plásticas se transformaram em roleta russa, em um jogo de sorte. Os pacientes estão topando entrar em um avião com uma asa só”, comparou Diaulas. “Não adianta dizerem que a clínica tinha todos os equipamentos de segurança. Não tinha UTI”.

O inquérito policial que investigará a morte de Marinalda será aberto amanhã pelo titular da 5ª Delegacia de Polícia (área central), Láercio Rossetto (leia entrevista). No dia da cirurgia, o delegado ouviu informalmente os profissionais envolvidos na intervenção realizada na tesoureira de uma empresa de venda de materiais hospitalares. A causa da morte ainda é desconhecida. Exames realizados no corpo da paciente ajudarão a desvendar o que a levou a sofrer uma parada respiratória na mesa de cirurgia. Se confirmada a informação de que os órgãos internos não foram perfurados, diminuirão as chances de ter ocorrido uma hemorragia.

Na conversa informal com o delegado Rossetto, horas depois da morte de Marinalda, médicos da Clínica Magna contaram que tudo corria bem até os batimentos da paciente desacelerarem. A tesoureira estava deitada de costas na mesa de cirurgia, quando os profissionais perceberam alteração no ritmo cardíaco. Após uma hora e meia tentando reanimá-la, eles constataram a morte da mulher (veja quadro). Em entrevista ao Correio, o delegado responsável pelo caso disse que ainda não há indícios de negligência ou imprudência no caso, mas reforçou que a investigação está no início.

Fatalidade
Existe a possibilidade de o laudo definitivo do IML, que deve sair em até 15 dias, não apontar uma causa definida da morte de Marinalda. Por isso, o depoimento dos envolvidos na cirurgia será fundamental para o inquérito. De acordo com a polícia, um cirurgião plástico, dois anestesistas e um instrumentista cirúrgico estavam presentes na sala de cirurgia durante a intervenção.

Assim que soube da morte de Marinalda, um dos proprietários da Clínica Magna, o anestesiologista Geraldo Guttemberg Junior, foi à delegacia informar o ocorrido. Ontem, a reportagem voltou a falar com ele, por telefone. Junior, como no dia da cirurgia, preferiu não estender o assunto. No entanto, classificou como fatalidade a morte da paciente. “A própria família falou isso. Não tenho a menor condição de saber o que aconteceu. Vamos esperar o laudo definitivo”, comentou.

Diferenças
A lipoaspiração é uma cirurgia para reduzir o volume de gordura em áreas localizadas. No caso da lipoescultura, parte da gordura de uma parte do corpo é usada em outra que precisa de um maior preenchimento. As duas são consideradas intervenções estéticas.


O que diz a lei
O Projeto de Lei nº 7096/10 foi apresentado em 7 de abril deste ano e, antes do recesso dos parlamentares, estava em análise na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara. Para reduzir riscos de morte em cirurgias plásticas, o projeto obriga, em clínicas de lipoaspiração e lipoescultura, instalação de UTI, convênio com bancos de sangue, além de avaliação clínica por médico habilitado antes das cirurgias e autorização judicial para pacientes com menos de 17 anos. O descumprimento das regras sujeitariam o infrator a sanções previstas no Código Penal. De acordo com o promotor Diaulas Ribeiro, existe uma pressão corporativa por parte de donos de clínicas e sociedades médicas para impedir que esse projeto seja aprovado, pelos gastos que ele acarretaria.

Horas de agonia
Confira os últimos momentos de vida da tesoureira:

08:30
Marinalda Araújo Neves Ribeiro chega ao Edifício das Clínicas, na Asa Norte, para uma lipoaspiração nos culotes e no abdômen, retirada de excesso de pele e implantação de próteses nos seios e reparação nas pálpebras. Recebe em seguida a anestesia.

09:00
Começa o procedimento cirúrgico. Segundo a polícia, um cirurgião plástico, dois anestesistas e um instrumentista cirúrgico conduzem a intervenção. Na sala, ainda segundo os investigadores do caso, há os equipamentos básicos para monitorar a paciente e prestar socorro em caso de emergência. Não existe na clínica, no entanto, uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

10:10
A cirurgia de lipoaspiração corre bem, de acordo com o relato dos médicos à polícia, até que os batimentos cardíacos de Marinalda sofrem uma desacelaração. A paciente está deitada de bruços. Assim que percebem a alteração no ritmo cardíaco da paciente, os médicos a viram e dão início ao trabalho de reanimação, que dura uma hora e meia.

11:40
Os médicos constatam a morte da paciente. Um dos proprietários da clínica, Geraldo Guttemberg Junior, é avisado do problema e vai até a 5ª Delegacia de Polícia (área central de Brasília) para informar o ocorrido.

12:00
Peritos do Instituto de Criminalística (IC) e do Instituto Médico Legal (ML) da Polícia Civil do DF passam a tarde na clínica da Asa Norte. Analisam o corpo da vítima, checam os equipamentos da sala de cirurgia e verificam exames e prontuário de Marinalda.


Depoimento
Corpo perfeito

“Pensei que ela tivesse desistido de fazer a plástica. Marinalda me ligou no início da manhã de sexta-feira para avisar que faria uma cirurgia pequena nos seios e pediu uma oração, mas não falou do restante. Só quem sabia de tudo eram os filhos, o marido e algumas outras pessoas próximas. Foi um choque saber de tudo depois. Sempre falei que ela estava ótima, tinha o corpo perfeito. Não precisava mudar nada. Quanto ao histórico da clínica, está tudo certo. Para mim, foi mesmo uma fatalidade, coisa de Deus.”

Aguinaldo Araújo Neves, 49 anos, contador, irmão mais velho de Marinalda


>> Entrevista - Laércio Rossetto
“Não houve perfuração”

O titular da 5ª DP, Laércio Rossetto, abrirá formalmente o inquérito responsável pela apuração da morte da tesoureira Marinalda Ribeiro, 46 anos. Mesmo assim, deu início à investigação ainda na sexta-feira. Confira os principais trechos da entrevista dada ontem ao Correio:

A investigação já trouxe alguma resposta sobre o que pode ter acontecido durante a cirurgia?
Um laudo preliminar do IML (Instituto de Medicina Legal) mostra que não houve perfuração nos órgãos internos da paciente, o que poderia ter provocado hemorragia ou alguma outra disfunção no organismo dela.

Ainda não é possível saber a causa da morte?
Não, até agora não. Os exames definitivos ficarão prontos entre 10 e 15 dias. Mas existe a possibilidade de eles apontarem uma causa indeterminada.

A clínica tinha os equipamentos necessários para a cirurgia?
Na análise feita em conjunto com os peritos, ficou constatado que toda a aparelhagem existia no local e funcionava bem.

E a UTI?
Não existe UTI na clínica. Mas há um convênio com uma rede particular para conduzir as vítimas, caso haja necessidade.

Os profissionais que participaram da cirurgia foram ouvidos pela polícia informalmente no dia do ocorrido. O que eles disseram que aconteceu?
Os médicos estão bastante cooperativos. Eles me relataram que estava correndo tudo bem, quando, por volta das 10h10, os batimentos cardíacos começaram a desacelerar. Durante uma hora e meia, eles fizeram o possível para tentar reanimá-la.

Existe algum indício de negligência ou imprudência?
Nesse primeiro momento, não. Estamos em fase de apuração. É preciso muita tranquilidade para não cometer injustiças. E o inquérito policial serve para isto: para apurar os fatos, não para condenar ou absolver ninguém.

Quais os próximos passos da investigação?
Vamos aguardar os laudos e, nesta semana, ouvir individualmente cada uma das pessoas envolvidas na cirurgia.

Fonte: Correio Braziliense