O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) encaminhou carta para o grupo editorial da Gazeta do Povo, jornal paranaense, manifestando indignação quanto reportagem vinculada nesta quinta-feira (29) que questiona as punições das entidades de classe no estado. Veja abaixo o documento:
Senhores Diretores e Secretário de Redação,
O corpo diretivo do Conselho Regional de Medicina do Paraná dirige-se a esse prestigioso veículo de comunicação, de indiscutível histórico em prol da sociedade, para manifestar a sua surpresa e indignação frente à abordagem tendenciosa dada à reportagem publicada nesta quinta-feira, no caderno de “vida e cidadania” e intitulada “cassação alcança só 1% dos profissionais”. De se lamentar, sobretudo, que se tenha escalado, ao que parece, um jornalista ainda imaturo para o trato de assunto tão complexo e que, ao seu modo, tenta interpretar a atuação de zelo ético de seis Conselhos de atividades e que representam cerca de 175 mil profissionais ativos no Paraná.
Importante destacar que a função dos Conselhos Profissionais é de defesa intransigente da ética e que estão a serviço da sociedade. Está entre os seus princípios basilares a atuação educativa, sob amparo de códigos de conduta que, no exercício da Medicina, se traduz por seu Código de Ética Médica, recém-revisado para adequar-se à modernidade e aos anseios da própria população. Quando um Conselho pune, o faz com convicção e após esgotadas todas as instâncias legais, propiciando ao denunciado o legítimo direito de defesa. A pena é um ato educativo e que visa prevenir a repetição de ações que refletem negligência, imprudência ou imperícia, ou, até mesmo, desrespeito ou discriminação aos pacientes e familiares.
Quando se fala em cassação do exercício profissional, fala-se em perpetuar uma decisão que visa proteger a sociedade e o próprio apenado para que não incorra em outro ou outros atos lesivos. Porém, tal decisão precisa ser inequívoca, respaldada por todos os instrumentos legais, em especial na observância do que preceitua a Constituição Federal, sob rsico de vir a ser reformada (a decisão) na esfera da Justiça Comum. É oportuno ressaltar que até mesmo no Direito Penal não há pena definitiva, perpétua. No âmbito deste Conselho de Medicina, com seus 50 anos de atividades, ocorreram cassações em situações extremas de transgressões à ética e à vida. Do mesmo modo, interdições cautelares têm sido possíveis como instrumento emergencial de proteção à sociedade.
Numa reportagem carente de fontes de referência, usar a opinião de um cidadão para respaldar conceito de “corporativismo” dos Conselhos é uma agressão a todos os profissionais, em especial àqueles que se dedicam de forma incansável ao zelo ético da atividade que representa. A míope estatística intentada pelo repórter poderia estabelecer proporção com o volume de atividades desenvolvido pelos profissionais no Estado. Da Medicina, importante citar que no Paraná, a cada mês, registramos 100 mil internações hospitalares e 15 milhões de procedimentos ambulatoriais diversos de atenção à saúde, estes em grande parte sob a responsabilidade do médico. Recebemos, em média, 60 denúncias a cada mês, todas devidamente apuradas. A contabilidade, nessas circunstâncias (uma queixa para cerca de 250.000 ações), infelizmente, foi desprezada.
Cumpre-nos insistir que a função dos Conselhos não é “punir por punir”, para auferir hipotética e falsa credibilidade. Sua missão inclui sim educar, prevenir, conscientizar, proteger e também punir, quando assim for o caso. O Conselho de Medicina do Paraná tem, em suas estatísticas recentes, uma média de 50% de médicos apenados nos processos julgados, que são a etapa derradeira de uma denúncia que pode ser feita por qualquer cidadão. Os julgados do Conselho de Medicina do Paraná hoje são importante instrumento de embasamento de ações que tramitam na esfera da Justiça Comum, o que, entendemos, é – este sim ‑ um referencial de credibilidade desta Instituição, que neste meio século de história registrou 27.731 médicos, dos quais 18.261 continuam ativos e sob orientação ética de respeito à vida e aos direitos humanos.
Entendemos que houve desrespeito a todos esses profissionais médicos e também aos demais de outras áreas, ofendidos no material jornalístico, que mereceria uma abordagem mais responsável e revestida de mais fontes e, ainda, de inclusão de falas de relevância preteridas na reportagem. Respeitando a paciente que fez denúncia e é citada na reportagem, importante lembrar que o processo não foi encerrado e que, a exemplo do que ocorre com os demais, todas as etapas são cientificadas às partes interessadas. Passar a impressão de descrédito das instituições representa um cenário temeroso e, queremos crer, decorre de uma situação não intencional, divorciada dos princípios que regem a ética jornalística, ao que tudo indica tão presente e marcante no Paraná, onde nenhum profissional teve seu registro cassado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais por infração ética.
Reafirmamos estar à disposição, como sempre, para contribuir ou subsidiar materiais jornalísticos que se voltem em benefício da sociedade e do cidadão, ao seu bem-estar, sua vida e seus direitos constitucionais elementares. E tudo isto está presente nos movimentos médicos, que clamam por mais recursos à saúde pública, condições de trabalho, remuneração condigna e formação médica de qualidade, questões que colocam o médico e a profissão em situações constantes de conflito.
Por fim, lembramos que o Conselho Regional de Medicina torna públicos todos os seus atos, inclusive na imprensa leiga, por meio de editais, sendo a Gazeta do Povo o veículo escolhido para tais inserções, que também explicitam as punições e podem ser fonte de consulta.
Atenciosamente,
Carlos Roberto Goytacaz Rocha, Presidente do CRM-PR
Fonte: CFM
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.