Fortaleza - Até junho deste ano, a ANS no Ceará recebeu 388 queixas contra operadoras. Em 2009, foram 689 reclamações
Muitos cearenses já se depararam com a dificuldade de conseguir a liberação de exame ou cirurgia pelo plano de saúde contratado. Para evitar a espera sem fim e o desgaste, as pessoas acabam optando por desembolsar o valor do serviço, única saída encontrada quando não se tem atendimento eficiente por parte do sistema de saúde complementar nem é possível dispor do Sistema Único de Saúde (SUS), que já não dá conta da demanda existente.
Negativas de atendimentos, demora ou recusas de liberação de exame ou cirurgia, reajustes abusivos e descredenciamentos de médicos, hospitais e laboratórios são as principais queixas dos usuários. No Ceará, a Agência Nacional de Saúde Suplementar Núcleo Regional do Ceará (ANS), órgão que fiscaliza as operadoras, recebeu, até junho de 2010, 388 reclamações contra planos de saúde.
Em 2009, esse número foi menor, tendo ficado em 315, até o mês de junho. Já o total foi de 689 reclamações, número considerado alto. São 65 demandas por mês, como informa a chefe do Núcleo da ANS no Ceará, Marcilene Moreira Batista. O principal motivo das queixas é a limitação da cobertura assistencial, representando 53,8% do total. Em segundo lugar, vêm os reajustes abusivos, 18,7% do total de demandas.
De acordo com Marcilene, na ANS, boa parte dos processos são arquivados porque as empresas prestam atendimento aos consumidores, mas a maioria deságua no ato de infração e penalidade administrativa, com pagamento de multa.
A professora Nahiana Araújo, de 26 anos, solicitou um tipo de plano e recebeu outro. Quando foi fazer uma consulta médica, passou pelo constrangimento de ter de pedir para cancelar o atendimento porque o plano não cobria. ``Paguei pela modalidade mais cara durante três meses. A sorte é que a empresa onde trabalho, que tem parceria com o plano de saúde, ressarciu-me. Na hora que precisei, a operadora não me atendeu``.
A aposentada Engracia de Oliveira Monteiro também teve problemas com um plano de saúde. A operadora não cobriu a alimentação nem a fisioterapia da irmã dela, que estava internada em uma unidade hospitalar. ``Tivemos de pagar por 70 dias de despesas com alimentação, fora a fisioterapia, que custava R$ 80 a diária``, diz. Engracia procurou o Decon, mas não conseguiu resolver o impasse.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (Simec), José Maria Pontes, as operadoras de plano de saúde são empresas que visam o lucro e, tanto a população, quanto os médicos são sofredores nas mãos dessas empresas.
``O usuário arca com os reajustes abusivos e os profissionais com a falta de reajuste``. O presidente coloca que o percentual de aumento dos últimos dez anos foi de 180%, dos quais apenas 60% foram repassados para os médicos.
``Para o profissional, eles não repassam nem a inflação``, reclama. No que diz respeito à população, Pontes destaca que os planos costumam negar a cobertura dos exames mais caros. Segundo o presidente do Simec, 48% dos investimentos do País em saúde vão para o serviço público, enquanto, para o sistema de saúde suplementar, são direcionados 52%. Além disso, a reclamação de José Maria Pontes é que a saúde suplementar não repassa, para o sistema público, os recursos gastos com pessoas que precisam fazer uso de um hospital público, por exemplo. ``A ANS precisa ser mais rigorosa com as operadoras. O SUS deveria ser para todo mundo, mas, na prática, não é``.
Brasil
No País, as reclamações contra planos de saúde estão no topo do ranking há 10 anos consecutivos. Em 2009, a ANS recebeu 12.728 denúncias de infrações cometidas pelas operadoras. Já os Programas de Orientação e Proteção ao Consumidor (Procons) de 24 estados brasileiros, juntos, contabilizaram 14,8 mil queixas de usuários.
Além do Procon municipal, localizado no Centro, e o da Assembleia Legislativa, o consumidor pode procurar, em Fortaleza, o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon-CE), a ANS-CE ou o Ministério Público. A Agência Nacional recebe denúncias pelo telefone 0800-7019656. Para evitar aborrecimentos, o usuário deve pesquisar a rede de estabelecimentos e profissionais conveniados que os planos oferecem antes de contratar.
SEM DINHEIRO
Dificuldade também para aqueles que dependem do SUS
Mesmo sem tantas condições financeiras, a agricultora de Itapajé Maria Cilda Andrade, 38 anos, preferiu vir a Fortaleza e pagar R$ 210,00 por uma biópsia em uma clínica particular a esperar por uma vaga no Sistema Único de Saúde (SUS). Afinal, como explica ela, no Interior, não há estrutura para tal exame e, em geral, para conseguir uma vaga espera-se muito. Além disso, a biópsia precisa ser realizada com urgência para que, se preciso, o paciente seja operado ou inicie o tratamento.
``No sistema dizia que tinha vaga, mas, quando a gente tentava marcar, informavam que o SUS não cobria a biópsia. Não entendemos nada e resolvi vir logo para Fortaleza, porque o exame é urgente``, desabafa Maria Cilda. Assim como no caso da agricultora, clínicas particulares a preços populares, a exemplo das localizadas na Rua Doutor João Moreira, no Centro, recebem diariamente pacientes de Fortaleza e de outras cidades cearenses que optam por pagar por exames e consultas, em vez de esperar nas ``longas filas``.
Na manhã de ontem, as muitas clínicas ``a preços populares``, que se localizam em frente à Santa Casa de Misericórdia, estavam lotadas de pacientes que esperavam sentados ou em pé. Oriundos de toda parte, eles reclamavam do SUS devido à demora para marcar as consultas, às filas para fazer os exames e, ainda, à dificuldade para receber os resultados, que, muitas vezes, precisam ser analisados com urgência pelos médicos.
Justamente por esses motivos, a dona de casa A.A., 38, que preferiu não se identificar, foi mais uma a recorrer às unidades particulares. Da mesma forma que Maria Cilda, a dona de casa, natural de Fortaleza, preferiu também pagar R$ 110,00 para fazer uma endoscopia a ter de, mais uma vez, como recorda, esperar nas filas para se submeter ao exame.
Procurados pelo Diário do Nordeste, na manhã de ontem, os responsáveis pelas administrações de, pelo menos, três clínicas particulares informaram que não poderiam, ou não tinham condições, de fornecer a média de atendimento mensal de consultas e exames. Um deles, que não quis se identificar, disse apenas que a maior parte dos pacientes é do Interior.
Por conta da dificuldade para marcar consultas ou exames, o Centro de Especialidades Médicas José de Alencar (Cemja) também estava, na manhã de ontem, repleto de pacientes que se queixavam da demora para conseguir estar em uma das unidades municipais. Era o caso do pai da auxiliar administrativa Janira Cartaxo, 28. Segundo ela, o aposentado esperou, pelo menos, cinco meses para fazer um raio-x do tórax.
RESSALVAS
Município e Estado admitem problemas
Diante das dificuldades enfrentadas pelos cearenses, a Prefeitura Municipal de Fortaleza e o Governo do Estado reconhecem que há problemas de espera nos serviços solicitados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), tanto nas consultas quanto na realização de exames. Porém, ambas as Secretarias de Saúde fazem ressalvas.
Segundo Reginaldo Alves, coordenador de Políticas de Saúde da Secretaria Municipal de Saúde, ``não dá para generalizar``. Segundo ele, há exames nos quais, realmente, os pacientes precisam enfrentar filas. No entanto, distingue, há outros, como raio-x, mamografias e exames de sangue, em que não há. ``Muitas vezes, os pacientes já pressupõem que vai demorar e sequer tentam marcar os exames ou consultas``.
Outra situação recorrente, como indica a diretora administrativo-financeira do Centro de Especialidades Médicas José de Alencar (Cemja), Graça Torres, é que, muitas vezes, as filas se formam porque, ao irem aos postos de saúde, os pacientes recebem a marcação da consulta e a prescrição médica de algum medicamento de uso imediato. A complicação, porém, é que uma vez o problema resolvido, os pacientes não desmarcam a consulta ou os exames, não aparecem no dia marcado e a vaga não pode ser ocupada por mais ninguém.
Já em nível estadual, a Secretaria da Saúde do Estado informou que, ciente de que a demanda é maior do que a oferta, fez um planejamento para aumentar e facilitar o acesso a consultas, exames, cirurgias e leitos.
Segundo a Secretaria, a base do planejamento é a descentralização. Ou seja, construir unidades de saúde nas regiões e, assim, garantir que a população tenha assistência onde mora.
ENQUETE
Não dá para esperar
Lenice Carvalho, 37 anos, Professora
Quem está sentindo dor, tem pressa. Por isso, preferi pagar R$ 70,00 pelo ecocardiograma, mas receber no mesmo dia
Ivonete Machado, 47 anos, Comerciária
Preferi pagar R$ 40,00 pelo exame em clínica particular do que tentar uma vaga no SUS. A gente fica na fila uns três meses
Fonte: Lina Moscoso e Janine Maia – Diário do Nordeste)
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.