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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O novo Código de Ética Médica e a morte sem dor

Um dos aspectos primordiais do documento se referiu ao reconhecimento da finitude da vida

Entrou em vigor, em 13 de abril, o novo Código de Ética Médica, revisado mais de 20 anos depois da vigência do anterior. O documento, fruto do árduo trabalho da Comissão Nacional de Revisão, atualizou regras e princípios no exercício da profissão médica, a fim de melhorar a relação com os pacientes. Ainda, atentou-se para os aspectos decorrentes da evolução das técnicas médicas e cirúrgicas surgidas nas duas últimas décadas, estipulando regras para reprodução assistida e manipulação genética, entre outras.
Um dos aspectos primordiais do documento se referiu ao reconhecimento da finitude da vida, ao qual restringiremos nossas considerações nesta breve exposição. O ato normativo admitiu os limites da medicina na manutenção da vida, orientando que na irreversibilidade do quadro clínico deve o médico proporcionar aos enfermos cuidados paliativos e conforto.
O texto pretende encerrar a discussão decorrente da Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, que autorizou os médicos a limitar ou suspender tratamentos e procedimentos que prolongassem a vida do doente, respeitada sua vontade ou do representante legal, suspensa em 23 de outubro de 2007, por decisão liminar da 14ª Vara Federal de Brasília, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal.
O novo código legitimou, assim, a ortotanásia, que consiste na morte sem dor, respeitando-se a dignidade da pessoa humana. Consequentemente, condenou a distanásia, ou seja, a perpetuação artificial e dolorosa da vida humana, gerando sofrimento ao doente, com a finalidade exclusiva de assegurar a sobrevivência, independentemente das circunstâncias.
Segundo o inciso XXII, no capítulo dos Princípios Fundamentais, “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”.
Trata-se da adoção da teoria do duplo efeito, ou seja, o bem-estar do paciente e a renúncia ao prolongamento exagerado do processo de morrer, privilegiando-se a vida com qualidade e a morte ao seu tempo natural. Busca-se a vida e a morte com dignidade, adotando-se técnicas para minorar o sofrimento físico e mental do paciente, principalmente por meio da presença constante de seus familiares no tratamento.
Assim, permite-se a utilização de tratamentos a fim de minorar o sofrimento e a dor, ainda que antecipem moderadamente a morte, garantindo-se ao paciente um final de vida mais feliz e digno.
A ortotanásia adota o conceito de benignidade, respeitando a dor e sofrimento do paciente, a fim de atingir o bem-estar global. Desta forma, o paciente se beneficia das tecnologias modernas, as quais estão a serviço de sua saúde, colocando o ser humano como valor primordial no uso da medicina, sem estigmatizar a morte.
Salienta-se ainda que o documento vedou ao médico, no capítulo V, artigo 41, “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.”
Já no parágrafo único do artigo supracitado, estabeleceu que, “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
Neste sentido, o Conselho Federal de Medicina adotou o posicionamento também defendido pelo falecido papa João Paulo II, ao publicar a encíclica Evangelium Vitae, em 25 de março de 1995, cujo trecho do item 65 citamos:
“Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado graves para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência “renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte”.
Conclui-se, assim, que o novo código condenou veementemente a prática da eutanásia, caracterizada pela utilização de técnicas para encurtar a vida, ensejando a morte do paciente. Inclusive, no caso da eutanásia, a própria Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal trata-a como hipótese de homicídio privilegiado, cuja pena de reclusão é de seis a 20 anos, diminuída de um sexto a um terço.
Por outro lado, denota-se que, na ortotanásia, o médico, ao praticá-la, não incide no delito de homicídio, já que a finalidade do tratamento é minorar a dor, e não causar a morte. Enfim, assim agindo, o médico apenas cumpre seu dever de preservar a saúde, que abrange, além do bem-estar físico, o mental e o social, não estando sujeito às sanções penais.
Portanto, o novo Código de Ética Médica, no tocante à adoção da ortotanásia, adequou-se à legislação penal e apresentou significativos avanços, já que à medicina também cabe assegurar conforto aos pacientes, sem submetê-los a desproporcionais sofrimentos, garantindo-se a arte de bem morrer.

Fonte: Enéias Xavier Gomes - Estado de Minas