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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

terça-feira, 25 de maio de 2010

ARTIGO: ALERTA JURÍDICO NO CENTRO CIRÚRGICO

Marcos Vinicius Coltri
(Artigo publicado na Revista Consulex, nº 320, pag.52/54)


Na última década, o número de processos judiciais e éticos versando sobre “erro médico” cresceu assustadoramente. Apenas para se ter uma ideia desse volume, no STJ houve aumento de 200% no número de demandas em face de médicos, hospitais, clínicas, laboratórios etc.1 Se isto ocorreu no órgão máximo para julgamento de questões envolvendo a legislação infraconstitucional, é possível afirmar que, nas comarcas, o percentual foi superior àquele verificado na Corte Superior de Justiça. No âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina, dados estatísticos2 apontam que, no Estado de São Paulo, houve crescimento de 75% no número de denúncias (em um ano, aproximadamente 4.000 médicos foram denunciados) e de 120% no de processos ético-profissionais, ultrapassando a marca dos dois mil feitos em tramitação.

Dentre os fatores que contribuem para o aumento da demanda no âmbito judicial, destacam-se a indústria dos danos morais decorrentes da confusão entre “erro” e “mau resultado” e o uso ardiloso dos benefícios da justiça gratuita.

Neste sentido, há entendimento de que “Não se pode descurar que o nobre instituto do dano moral não se presta a aplacar suscetibilidades exacerbadas, mormente considerando que meros aborrecimentos decorrentes de percalços da vida não têm o condão de interferirem no comportamento psicológico, causando angústia e desequilíbrio no bem-estar individual, a ensejar reparação pecuniária pela dor moral experimentada, beirando o locupletamento indevido. Verdadeiro abuso tem ocorrido nos pedidos de indenização por dano moral. Este é apenas mais um dos muitos que todos os dias chegam para entulhar os escaninhos da Justiça, certamente na busca de ganho fácil, patrocinado pela gratuidade de justiça, sem recolhimento de custas e despesas processuais e sem correr o risco de arcar com os ônus da sucumbência, principalmente com os pesados honorários advocatícios. Certamente, se tivessem que arcar com tais despesas, muitos não se aventurariam a bater às portas do Judiciário. A própria jurisprudência o tem dito, pari passu a melhor doutrina. Chega a ocorrer, de certo modo, como já se disse alhures, uma como que "indústria do dano moral. (Sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara de Itatiba-SP nos autos do Processo nº 281.01.2006.008385-2.)

Registre-se, no entanto, que somente 20% das ações judiciais são julgadas procedentes. A consequência disto é que o paciente, que em geral litiga sob o pálio da justiça gratuita, simplesmente deixa de ganhar (nada perde) enquanto o médico/laboratório/hospital é obrigado a pagar valores consideráveis para provar a sua inocência!

Não é raro o paciente que obteve “mau resultado” na cirurgia a que fora submetido mover ação judicial sob a alegação de que o médico não o informara dos riscos, como devido. Isto porque a falta do Termo de Consentimento Informado aumenta, e muito, as chances de êxito para o paciente “oportunista” (embora sejamos partidários da opinião de que o ônus da prova cabe a ele e não ao médico) e, por outro lado, as de condenação do profissional da saúde por “defeito de informação”, apesar de assentada a correção da conduta médica.

Assinale-se, a propósito, julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo do qual se extrai a seguinte ementa:

Indenização. Erro médico. Inadmissibilidade de causa de pedir baseada em obrigação de resultado para correção de miopia. Ausência de ato culposo do médico para o procedimento adotado. Viabilidade da causa de pedir lastreada em falta de esclarecimento sobre o risco da cirurgia. Dever do médico de esclarecer sobre os possíveis riscos antes de obter o consentimento para procedimento médico invasivo não urgente. Inteligência do art. 46 do Código de Ética Médica – Resolução nº 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina, com força vinculadora conforme Lei nº 3.268/57, art. 5º, d. Precedentes do Conselho Federal de Medicina sobre a necessidade de esclarecimento anterior dos riscos do procedimento como dever do médico. Ocorrência de nexo causal entre o resultado da piora da visão não esclarecido e as cirurgias efetivadas. Deferimento de dano material no valor estimado do transplante de córneas e dano moral não por erro médico culposo ou obrigação de resultado, mas por decorrência possível de procedimento médico sem esclarecimento ao paciente para sopesar o risco e capacidade de consentir de forma plena, omissão de dever médico. Recurso provido, em parte, para julgar procedente, em parte, a ação.
(AC nº 497193-4/5, 10ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. César Augusto Fernandes, j. 16.04.08.)


Noutras demandas, os hospitais são incluídos como requeridos (réus) somente em razão da falta de documento que delimite a sua responsabilidade no caso concreto. Isto ocorre, por exemplo, nas cirurgias plásticas e partos, em que, via de regra, o paciente escolhe o médico e, para a realização do ato cirúrgico, é feita a “locação” de uma sala (centro cirúrgico). Incumbe, portanto, documentar que o paciente foi devidamente informado de que a instituição responde tão somente pela qualidade da estrutura hospitalar. Versando a demanda sobre a conduta do médico, o hospital será parte ilegítima para figurar no pólo passivo.

Saliente-se que se o paciente procurou a instituição hospitalar para receber atendimento e esta disponibilizou um de seus profissionais para os cuidados devidos, ainda que eventual ação judicial se refira apenas ao serviço prestado pelo médico, o nosocômio é solidariamente responsável pelos danos causados, na medida em que o profissional da saúde atuou como seu preposto. Porém, ocorrendo esta última hipótese, o hospital somente responderá se restar configurada a má conduta do médico (situação a qual denominamos Responsabilidade Civil Subjetiva Derivada do Hospital3), caracterizando-se, assim, a conduta culposa do médico/hospital, o dano ao paciente e o nexo causal entre eles.

A esse respeito, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o § 1º do art. 14 do CDC como norma sustentadora de tal entendimento. Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar. Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional – teoria da responsabilidade subjetiva. No entanto, se, na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda objetivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado – daí um contrato de resultado firmado às avessas da legislação. O cadastro que os hospitais normalmente mantêm de médicos que utilizam suas instalações para a realização de cirurgias não é suficiente para caracterizar relação de subordinação entre médico e hospital. Na verdade, tal procedimento representa um mínimo de organização empresarial. (REsp nº 909.359-SC, Relª. Minª. Nancy Andrighi, DJe 17.12.08.)

Outrossim, já houve casos em que laboratórios foram condenados não em razão do desacerto entre a amostra analisada e o resultado fornecido, mas devido à ausência de informações no laudo laboratorial. É o que se verifica nos exames de triagem para HIV, onde deve constar expressamente a necessidade de confirmação do resultado por outro tipo de procedimento.

Com efeito, extrai-se de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça paulista o dever de indenizar nesses casos. Vejamos:

Laboratório de análise que emite resultado errado de teste de confirmação de vírus HIV, subscrito por médico, sendo, em seguida, confirmado o erro devido a exames complementares que acusam conclusão oposta. Dever de indenizar os danos morais resultantes de tal perturbação, quer aplicando-se a teoria da responsabilidade subjetiva, quer a de ordem objetiva. Provimento, em parte, para reduzir o quantum fixado, seguindo precedente do STJ [REsp nº 707.541-RJ, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa] e a demora no ajuizamento da ação.
(TJSP – AC nº 385.362-4/5, 4ª Câm. Dir. Priv.)


Alerte-se também que alguns exames apresentam resultados alterados às segundas-feiras, em virtude da alimentação ingerida pelas pessoas nos finais de semana, ainda que seja respeitado o período de jejum indicado. É comum os índices retornarem à normalidade quando o mesmo exame é realizado em dia do meio de semana (quinta-feira, por exemplo).4

Vale observar, por oportuno, que o médico poderá ser demandado nas esferas cível, criminal e ética por um mesmo ato profissional, o que, no entanto, exigirá o emprego de técnicas diferenciadas para cada caso. Em geral, o paciente opta pela ação cível, pois é nela que eventual condenação caracterizará satisfação pessoal (indenização). As esferas criminal e ética, via de regra, são utilizadas como meio de se obter prova robusta à condenação do médico na esfera cível.

Mas, como os problemas relacionados ao exercício da medicina não escolhem hora para acontecer, é importante que o médico/laboratório/hospital tenha disponibilizada assessoria técnico-jurídica 24 horas por dia, possibilitando consulta e orientação no exato momento em que se verificar o evento adverso, evitando, assim, o agravamento da situação.

Portanto, além de manter uma boa relação com seu paciente, ter formação sólida e buscar constante atualização técnica, é de suma importância que médicos/laboratórios/hospitais estruturem-se para o exercício profissional, o que implica contar com assistência jurídica especializada para evitar o ajuizamento de ações indenizatórias por parte de pacientes “oportunistas”.

NOTAS
In: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89920&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=erro%20médico).
2 Cf. Denúncias e Processos Relacionados ao Exercício Profissional da Medicina no Estado de São Paulo, no Período de 2000 a 2006. P. 2 a 4.
3 A denominação Responsabilidade Civil Subjetiva Derivada dos Hospitais foi tema de trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de Especialista em Direito Médico e da Saúde pelo Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto-SP.
4 In: SCHIAVO, Marli; LUNARDELLI, Adroaldo; e OLIVEIRA, Jarbas Rodrigues de. Influência da Dieta na Concentração Sérica de Triglicerídeos. Rio de Janeiro: Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 39, nº 4, 2003, p. 283-288).