Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Quando a saúde depende da Justiça

Mais de 5 mil pessoas tiveram que recorrer aos tribunais, entre 2000 e 2009, para obter medicamentos vitais

O técnico em informática Welington Wagner de Carvalho, de 29 anos, viveu por dois anos e três meses com um aparelho que injeta oxigênio nos pulmões 24 horas por dia. Vítima de fibrose cística, doença hereditária que bloqueia a passagem de ar, ele pensou que o sofrimento terminaria em fevereiro, quando foi chamado para o sonhado transplante no Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte. A cirurgia foi um sucesso, mas não pôs fim ao pesadelo: o rapaz, cuja renda é de um salário mínimo, não tem os R$ 3,8 mil mensais para comprar o medicamento que evita a rejeição ao novo órgão. Ele precisou recorrer à Justiça para conseguir gratuitamente o remédio do poder público. Ele não foi o único mineiro a procurar ajuda do Judiciário. De 2000 a 2009, outros 6.910 moradores do estado fizeram o mesmo.
A estatística foi apurada pelo Grupo de Pesquisa em Economia da Saúde (Gpes), do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Secretaria de Estado de Saúde (SES). O levantamento, cujo foco foi saber a demanda judicial de medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS), mostra que 5.156 processos se referem a remédios, 482 a materiais hospitalares, 489 a procedimentos cirúrgicos e 786 aos chamados outros procedimentos, como ressarcimentos e danos materiais. “Em 2008, foram 1.317 ações. Em 2009, mais cerca de 1,1 mil só até outubro”, disse a professora Eli Iola Andrade, uma das coordenadoras do estudo.
As ações levaram a SES a gastar, de 2003 a 2009, cerca de R$ 130 milhões com remédios e outros benefícios garantidos em ações judiciais. Só no último ano, foram R$ 32,4 milhões. Em 2003, haviam sido R$ 2 milhões. Os documentos permitiram à especialista concluir que diabetes, artrite, câncer, hipertensão e doença pulmonar restritiva estão entre os diagnósticos mais comuns na demanda judicial de medicamentos do SUS. Ela avaliou que a ausência de recurso financeiro é um dos principais motivos que levam o cidadão a procurar a Justiça.
“Esses números podem nos ajudar a associar o perfil epidemiológico das demandas judiciais ao perfil epidemiológico da população. Demonstram importantes vazios assistenciais nos quais o governo deve agir”, observa Eli Iola. Muitos pacientes que recorrem à Justiça procuram ajuda da Defensoria Pública. “Recebo, em média, quatro pessoas por dia nessa situação”, diz o defensor Marco Paulo Denucci di Spirido. Ele avalia que o elevado número de processos se deve à morosidade do governo federal em atualizar a lista de medicamentos e procedimentos hospitalares garantidos pelo Sistema Único de Saúde.
“Os protocolos normativos, como são chamadas as listas que preveem medicamentos ou cirurgias, são desatualizados. Não acompanham o avanço da ciência. O poder público prefere não inserir (mais remédios) para não ficar com a folha onerada. Em razão da inércia, é preciso recorrer ao Judiciário”, diz o defensor, autor do processo que garantiu o remédio a Welington. “A cirurgia para o transplante dos pulmões previa que eu ficaria 16 dias no leito. Mas, como não tinha dinheiro para o remédio, precisei ficar 71 dias internado. Só saí quando consegui o medicamento por meio da justiça”, conta o técnico em informática.
Outro processo assinado por Di Spirido tenta beneficiar Edinéia Aparecida dos Santos, de 52. Ela corre o risco de perder a visão se não conseguir uma injeção que custa cerca de R$ 5 mil. “Há seis anos, em razão do problema na retina, fui obrigada a me aposentar, mas tenho fé que vou conseguir a injeção.” Ela acredita que seu processo será deferido com base em dois dispositivos da Constituição. Enquanto o artigo 6º é taxativo ao classificar a saúde como um dos direitos sociais, o artigo 196 enfatiza que “a saúde é direito de todos e dever do estado”.
Muitos processos contêm o pedido de liminar para a entrega dos remédios. Mas, em 2009, segundo a SES, “foram suspensos 56% dos processos judiciais em razão da criação de um núcleo específico para cuidar das ações de medicamentos dentro da Advocacia Geral do Estado (AGE), bem como o trabalho dos procuradores estaduais na SES”.

PARCERIA - Convênio assinado ontem entre a Defensoria Pública de Minas Gerais, o governo estadual e a Prefeitura de Belo Horizonte deverá reduzir o número de processos ajuizados no Judiciário e, consequentemente, o sofrimento de enfermos que precisam recorrer à Justiça para receber remédios gratuitos. A partir de junho, um servidor do estado e outro da prefeitura serão deslocados para formar, na defensoria, o chamado atendimento multidisciplinar. “Faremos as avaliações jurídica e técnica-médica. A intenção é resolver a demanda (judicial) por meio da via administrativa”, comemora o defensor.
Outros municípios brasileiros implantaram projetos semelhantes, com sucesso. Em São Paulo, a demanda foi reduzida em 90%. Em São Lourenço, no Sul de Minas, em 95%. A atuação do grupo multidisciplinar é importante, pois também reduz a possibilidade de fraudes no sistema. “Sabemos que há médicos que prescrevem determinados remédios para receber bônus da indústria farmacêutica”, alerta o defensor, acrescentando que o grande beneficiado da parceria será o cidadão.

Fonte: Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas