Uma reflexão sobre a atuação dos assistentes técnicos em processos cíveis envolvendo erros odontológicos.
O número de processos judiciais envolvendo cirurgiões-dentistas e seus pacientes tem aumentado nos últimos anos, a exemplo do que ocorre com as demais áreas da saúde. Fatores intrínsecos à Odontologia, tais como a competitividade do mercado profissional, diminuição do tempo da formação técnica em algumas especialidades e a disseminação dos cursos de graduação e pós-graduação parecem contribuir para a desarmonia entre profissionais e pacientes. Contudo, além desses fatores, há outro que, associado à insatisfação com o tratamento realizado, potencializa a instauração de ações judiciais: o desgaste entre a relação profissional e paciente (cliente). Geralmente, o cerne da lide está no resultado do tratamento executado ou que deveria ter sido feito e, assim sendo, frequentemente a participação dos peritos judiciais faz-se necessária. O perito será aquele que traduzirá os aspectos técnicos e científicos do caso específico às partes, seus procuradores e ao juiz, de forma isenta e imparcial. A análise da prova pericial sob o prisma de cada uma das partes é enriquecedora na busca pela verdade processual e é nesse sentido que se dá a atuação do assistente técnico.
Em geral, o assistente técnico atua por “etapas". Inicialmente, após ser indicado pelas partes e tendo sido deferido pelo juiz, caberá ao assistente orientar os advogados na elaboração de quesitos. Os quesitos correspondem às dúvidas específicas com relação ao objeto da lide e devem seguir um raciocínio lógico para auxiliar na estratégia defesa dos interesses das partes e que, muitas vezes, referem-se a aspectos técnicos e científicos relevantes e que as partes pretendem explorar na argumentação jurídica. Apesar de ser possível e até frequente que os próprios advogados elaborem esses quesitos, a menos que eles também tenham graduação em Odontologia, dificilmente as indagações contemplarão os aspectos técnicos cujo realce são favoráveis à parte por eles representadas. Vale lembrar que os peritos judiciais orientam a perícia e a elaboração do laudo também com base nos quesitos formulados.
A segunda atuação do assistente técnico acontece durante o ato pericial. A perícia Odontológica, por ser considerada ato privativo do cirurgião-dentista, deve ser realizada dentro dos preceitos técnicos e éticos da profissão dentre os quais se encontra o sigilo profissional. Neste contexto e apesar de ser ponto polêmico no âmbito judicial quanto à presença dos advogados durante o ato pericial, entende-se que somente o perito, periciado e os assistentes técnicos devidamente indicados no processo poderão participar do ato pericial. Durante ao ato pericial é facultado ao assistente técnico, inclusive, o exame do paciente (Art. 429 do CPC).
Finalmente, já depois da entrega do laudo pericial, os aspectos técnicos e científicos da lide serão avaliados pelos assistentes técnicos que os traduzirão às partes, se o perito não tiver contemplado todos os pontos relevantes para a elucidação dos fatos. Caberá aos assistentes, ainda, avaliar o conteúdo do laudo pericial, contrapô-lo e esmiuçá-lo da forma mais favorável. Esse trabalho deverá ser apresentado de uma maneira formal, na forma de um documento: o parecer. Apesar de não contar com a imparcialidade característica dos laudos periciais, os juízes também podem embasar suas decisões nos pareceres apresentados.
Portanto, a atuação dos assistentes técnicos em Odontologia, especialmente os que possuem formação especifica para esse fim (odontolegistas), torna-se de suma importância nos processos judiciais envolvendo o erro odontológico. Por meio da atuação deles, poder-se-á ter o melhor proveito da prova pericial e, consequentemente, benefícios na elucidação técnica dos fatos a fim de contribuir para o debate jurídico.
*Por Fernando Picoli
Cirurgião Dentista, Perito Criminal
Graduado em Odontologia, especialista em Ortodontia e em Odontologia Legal. Atua como perito judicial e assistente técnico em processos judiciais cíveis e trabalhistas envolvendo a Odontologia. Perito Criminal da Polícia Científica do Estado de Goiás, com experiência em perícias em Locais de Crimes.
Fonte: JusBrasil
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.