Aspectos éticos foram discutidos em seminário do Cremesp, realizado na sede da Casa no último dia 5
Em um universo marcado primordialmente por decisões de origem técnica, como o da UTI, há espaço para o debate ético e bioético? A responsta é afirmativa, segundo o Seminário sobre Desafios Éticos nas Unidades de Terapia Intensiva, realizado na sede do Cremesp no dia 5 de maio, e que contou com a participação de cerca de 120 pessoas, entre médicos intensivistas e demais especialidades, além de outros interessados em Ética e Bioética.
Coordenado pelas Câmaras Técnicas de Medicina Intensiva e de Bioética da Casa, o seminário, dividido em palestras e discussão de casos. Teve seus trabalhos abertos pelo cardiologista Renato Azevedo Júnior, presidente do Cremesp, que destacou a “importância ímpar do evento, no sentido de buscar caminhos para administrarem-se os conflitos éticos antes mesmo de eles acontecerem”, em um ambiente que exige tanto dos médicos, como o da UTI.
Azevedo agradeceu ainda a parceria e colaboração da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva (SOPATI), na figura de seu presidente, Jorge Luis Valiatti, colega de mesa que representou também a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
Terminalidade da Vida
A primeira mesa-redonda do seminário, presidida pelo intensivista Rubens Teodoro Szynkier, voltou-se aos Aspectos Éticos e Legais da Terminalidade da Vida, com palestra ministrada pelo conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética do Cremesp. Ayer ressaltou que, enquanto a tecnologia caminha a passos largos, a moral e a ética funcionam de maneira lenta. “Se antes pensávamos coisas do tipo ‘em UTI é só sedar e deixa que a gente cura’, hoje sabemos que a participação do paciente é fundamental”.
Marcelo Mook, da UTI de Adultos do Hospital Geral do Grajaú em São Paulo, trouxe ao debate o primeiro caso, relacionado à paciente internado com quadro grave, que culminou com lesão neurológica irreversível e importante. O grande dilema ético vinculou-se a atitude do médico, que se vê pressionado pela família do doente à continuidade de procedimento que considera não ser “do melhor interesse do paciente” – no caso, hemodiálise.
Os relatos em UTI pediátrica couberam a Eduardo Juan Troster, coordenador das UTIs Pediátricas do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Hospital Albert Einstein, com comentários de Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp. Relacionaram-se a duas situações extremas: na primeira, criança com morte cerebral, não-doadora de órgãos, cujos pais se recusaram, por meses, a aceitar a retirada de suporte artificial à vida. A segunda era oposta: em reação rara, tanto o pai quanto a mãe de prematuro com múltiplas seqüelas e sem qualquer chance de sobrevivência que aceitavam passivamente todas as decisões médicas em relação ao filho.
Comunicação e cuidado paliativo
Na palestra Limitação de Suporte de Vida em Adultos, o professor gaúcho Jairo Othero, da AMIB mencionou, entre outros pontos, as dificuldades de comunicação dos médicos de UTI. “Em geral, não sabemos o que o paciente gostaria, mas não nos dignamos a ouvir suas famílias, quando tentam nos explicar”, lamentou. “Se ouvíssemos, saberíamos que o que mais querem é qualidade de vida, e menos, tratamentos agressivos. E quase todos gostariam de cuidados paliativos”.
Também em relação a Cuidado Paliativo ao Paciente Grave, Ricardo Tavares de Carvalho, cardiologista e presidente da Comissão de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas, de São Paulo, relatou, em palestra emocionante, que, em um ranking internacional dos 40 países com pior qualidade de morte, o Brasil ficou em 38° lugar. Perdeu apenas para a Índia e para Uganda. “Em cuidado paliativo é preciso envolvimento, ir para casa ‘mexido’, depois de atender o paciente. É saber que você deve contar sempre com equipe e muito planejamento”.
O bloco da tarde do Seminário – gravado e que deverá transformar-se em uma publicação do Cremesp – teve como tema central O Relacionamento do Médico Intensivista com vários “atores” vinculados à UTI, como pacientes e seus familiares; médico assistente e com a equipe multiprofissional. Coordenado por Renato Azevedo, teve a participação dos intensivistas André Baptiston Nunes; Jorge Valiatti e Rosa Goldstein Alheira Rocha (delegada Metropolitana do Cremesp); além do cirurgião Samir Rasslan, professor da Santa Casa de SP; da enfermeira Maria Júlia Paes, e da psicóloga Maria Júlia Kovács – ambas professoras da USP.
Fonte: CREMESP
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.