Minha foto
Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Padre é condenado a pagar danos morais por impedir aborto legal

Um padre de Anápolis (GO) terá que pagar R$ 60 mil de indenização a um casal por impedir, por meio de um Habeas Corpus, um aborto que havia sido autorizado pela Justiça. A decisão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que considerou que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil.

O caso aconteceu em 2005. O casal, ao saber que o feto diagnosticado com síndrome de Body Stalk — denominação dada a um conjunto de malformações que inviabilizam a vida fora do útero — não sobreviveria ao parto, conseguiu autorização judicial para interromper a gravidez.

Durante a internação hospitalar, a grávida, já tomando medicação para induzir o parto, foi surpreendida com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento. No Habeas Corpus em favor do feto, o padre Luiz Carlos Lodi da Cruz afirmou que os pais iriam praticar um homicídio.

A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. Diante dessa situação, o casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, que preside a Associação Pró-Vida de Anápolis. Não obtendo sucesso na Justiça de Goiás, recorreu ao STJ.

Sofrimento aterrorizante
Em seu voto, Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal. “Esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”, disse.

A ministra afirmou que o caso deve ser considerado à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, julgada em abril de 2012, quando se afastou a possibilidade de criminalização da interrupção de gestação de anencéfalos.

“É inegável que ambas as condições, anencefalia e síndrome de Body Stalk, redundam, segundo o conhecimento médico atual, na inviabilidade da vida extrauterina”, comparou a ministra.

Embora o julgamento da ADPF tenha sido posterior ao caso, a ministra assinalou que a orientação manifestada pelo STF não tem limites temporais, e já em 2005 era a mais consentânea com as normas constitucionais, inclusive pela reafirmação do caráter laico do Estado brasileiro e pelo reconhecimento da primazia da dignidade da gestante em relação aos direitos de feto sem viabilidade de vida extrauterina.

Ação temerária
A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois, como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”.

De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.

Nancy refutou ainda a ideia de que a responsabilidade não seria do padre, que apenas requereu o Habeas Corpus, mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que efetivamente proibiu a interrupção da gestação.

Segundo ela, “a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”.

A turma condenou o padre ao pagamento de R$ 60 mil como compensação por danos morais, valor a ser acrescido de correção monetária e juros de mora a partir do dia em que a recorrente deixou o hospital.

Prática recorrente
No site do instituto Pró-Vida de Anápolis, a associação afirma que "quando necessário, propõe ações judiciais em defesa de um nascituro ameaçado de aborto por sentença de algum juiz ou tribunal". O próprio padre, em artigos publicados no Jus Navigandi, defende a medida.

Em 2009, por exemplo, o padre publicou o artigo intitulado Como defender judicialmente o nascituro, no qual afirma que "quando um juiz, abusando de sua autoridade e contrariando a lei, ousa emitir uma sentença autorizando o crime do aborto, o meio processual mais adequado para defender o nascituro é o pedido de Habeas Corpus com concessão de liminar".

Assim, colocando em prática o que prega, o padre — que também é advogado — tem ingressado com HCs em favor de nascituros e, em alguns casos, conseguido a medida. O próprio STJ, em 2004, já concedeu HC impetrado por Luiz Carlos Lodi da Cruz em favor de um nascituro do Rio de Janeiro.

O caso foi julgado pela 5ª Turma do STJ, que, por unanimidade, desautorizou um aborto de um feto diagnosticado com anencefalia (HC 32.159). O colegiado entendeu que a situação dos autos não estava entre as previstas na Lei Penal como hipótese em que o aborto é autorizado. A decisão é de 2004, portanto anterior ao Supremo Tribunal Federal decidir na ADPF 54 que aborto em caso de anencefalia não é crime. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.467.888

Fonte: Revista Consultor Jurídico