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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Banco genético do crime parado na burocracia

Embora 15 estados já estejam prontos para colher amostras de DNA de criminosos, decreto está parado e atrasa implantação

Com estrutura pronta para modernizar as investigações no Brasil, o banco nacional de DNA de criminosos já poderia ter apontado os autores de diversos delitos. A ferramenta, considerada uma aliada poderosa da polícia e amplamente usada no exterior, no entanto, esbarrou na caneta da presidente Dilma Rousseff. Falta apenas a assinatura dela no decreto que regulamenta a lei de criação do cadastro nacional de DNA, para que o primeiro material genético de um acusado de crime sexual, recolhido em Belo Horizonte, integre o banco. O texto da regulamentação está parado desde dezembro na Casa Civil, que não sabe informar o motivo da demora. Enquanto isso, o país assiste a uma escalada da criminalidade.

Enquanto o decreto não sai, pouco adianta a atitude pioneira de uma juíza de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, que determinou a coleta de material biológico de Márcio Faria Lacerda, acusado de assédio sexual, com base na lei que criou o banco de DNA. A Polícia Civil de Minas Gerais já identificou o perfil genético do homem. “Hoje, posso comparar o perfil dele com material de uma vítima, por exemplo, durante investigações. Mas não posso colocá-lo no banco nacional antes que o decreto saia”, ressalta a perita criminal Fabíola Soares Pereira, chefe do laboratório de DNA do Instituto de Criminalística mineiro.

Ela não menciona a identidade do criminoso, por questão de sigilo. Mas o Correio teve acesso ao processo de Lacerda, atualmente preso e com julgamento marcado para este mês. Para especialistas em segurança pública, a publicação das regras contidas no decreto é fundamental. A Polícia Federal informou, por meio de nota, que a coleta de DNA só se tornará rotina quando a lei for regulamentada. Pela legislação em vigor, é obrigatória a identificação genética de condenados por crimes hediondos ou crimes violentos contra a pessoa, como homicídio, extorsão mediante sequestro e estupro. Suspeitos também poderão ter o material biológico recolhido por determinação judicial.

Teste de saliva

Um simples cotonete passado na parte de dentro da bochecha é suficiente para que especialistas tracem o perfil genético de uma pessoa. Os detalhes do processo ainda precisam ser definidos. “Ainda não sabemos se será na hora da sentença, se o perito vai ao presídio para recolher (o material), se o preso vem à polícia. Vamos esperar a regulamentação para saber desses pontos mais específicos”, destaca Fabíola.

No Brasil, 15 estados estão com a estrutura pronta para fazer identificações genéticas e compartilhar os perfis no banco nacional. O FBI, a polícia federal americana, doou o mesmo programa de computador utilizado nos Estados Unidos, o Codis, aos institutos de perícia oficial brasileiros que quiseram receber o software. Roraima, Acre, Rondônia, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe são os estados mais atrasados na implantação do sistema: faltam laboratórios de DNA. O Distrito Federal, apesar de ter um serviço avançado na área, não recebeu o Codis. Será preciso esperar uma nova visita do FBI, sem previsão, para instalar o programa.

O gerenciamento do banco de dados nacional ficará a cargo da Polícia Federal. Ou seja, ao longo de uma investigação, a polícia estadual pode incluir o DNA encontrado em cena de crime no sistema. A PF, por sua vez, fará o cruzamento da informação com outros perfis já cadastrados no banco e avisará aos investigadores locais caso encontre alguma coincidência. A ferramenta de combate ao crime — já utilizada em pelo menos 30 países desenvolvidos — é urgente para o Brasil, onde 5.312 pessoas sofreram algum tipo de violência sexual somente no primeiro semestre de 2012, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

Os registros policiais revelam dados ainda mais perturbadores. No Distrito Federal, por exemplo, segundo dados mais recentes publicados pela Secretaria de Segurança Pública local, foram registrados 745 estupros entre janeiro e setembro de 2012 — 31% a mais que no mesmo período do ano anterior.

Além dos crimes sexuais, o banco de DNA pode ser útil na investigação de outros delitos, como homicídio e roubos. A Polícia Federal já conseguiu identificar, por meio de exames do código genético, que uma mesma quadrilha era responsável por assaltos a agências bancárias em diversas cidades de diferentes estados do país. A informação auxiliou na captura dos bandidos.

Como se trata de prova irrefutável, o exame de DNA poderá ajudar o Brasil a vencer uma vergonhosa estatística da impunidade. Dados do Conselho Nacional do Ministério Público mostram que menos de 20% dos crimes de homicídio terminam com alguém denunciado — o que não significa condenado. O desfecho de mais de 80% dos inquéritos acaba sendo o arquivamento.

Cadastro poderia ter evitado mortes e erros

Se o banco de DNA estivesse funcionando, centenas de vidas poderiam ter sido salvas, além de evitar condenações equivocadas. Israel de Oliveira Pacheco continua sendo um estuprador para a Justiça. Por trás de um vidro espelhado, a vítima o reconheceu como seu algoz, levando-o a ser condenado a 13 anos e 6 meses de prisão, em 2008. Um exame de DNA, porém, mostrou, depois da sentença, que o material encontrado no local do crime não era do acusado. O perfil coletado na roupa de cama da vítima coincidia com o encontrado em outros dois estupros, que tinham Jacson Luís da Silva como um dos suspeitos.

Confrontando o DNA dele com o colhido no local do crime atribuído a Israel, não deu outra. Jacson foi apontado como o verdadeiro autor. O processo de revisão criminal para que o Judiciário reconheça o erro e liberte Israel, hoje em regime semiaberto, foi ajuizado em julho de 2012. “É um absurdo essa demora. O rapaz tinha 21 anos quando foi condenado”, comenta Maria de Fátima Záchia Paludo, corregedora-geral da Defensoria Pública gaúcha.

No caso de Maria Helena Lopes Aguilar, o banco de DNA em funcionamento poderia ter salvado sua vida. Ela foi a terceira vítima de Marcos Antunes Trigueiro, conhecido como Maníaco de Contagem, município localizado na Grande Belo Horizonte, onde ele estuprou e matou cinco mulheres ao longo de 2009. Como Trigueiro já tinha passagem na polícia por um assassinato, o DNA estaria registrado no banco, se a lei estivesse em vigor na época. “Talvez minha mãe estivesse viva porque, na primeira vítima, a polícia saberia quem era o criminoso, e isso, com certeza, ajudaria a localizá-lo”, lamenta Leandro Aguilar, um dos filhos de Helena. (RM)

Fonte: Correio Brasiliense / Renata Mariz