PROCESSO-CONSULTA CFM nº 8.729/09 – PARECER CFM nº 26/12
INTERESSADO: Dra. J.M.
ASSUNTO: Monitoramento de drogas ilícitas em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho
RELATOR: Cons. Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen
EMENTA: Não é eticamente aceitável a solicitação de exames de monitoramento de drogas ilícitas, em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho, pois isto contraria os postulados éticos.
Trata-se de consulta formulada pela dra. J.M., médica do Trabalho da Petrobrás, nos seguintes termos:
Há algum tempo, fiz esta pergunta e ainda não obtive resposta. Estive no congresso ibero-americano de Medicina do Trabalho e ouvi de um representante de uma grande empresa que estão monitorando drogas ilícitas em urina e sangue para permitir acesso ao trabalho. Como médica do Trabalho de área industrial entendo que diagnosticar pessoas com adicção é uma questão de segurança para evitar acidentes graves e até morte de trabalhador em área de risco, operando planta industrial ou equipamentos móveis, sob efeito de drogas, seja álcool ou drogas ilícitas e/ou medicamentos psicotrópicos. Mas até onde eu sei, o CFM não permite que o serviço médico faça esse tipo de monitoramento. Preciso de um parecer atualizado sobre a questão, pois as empresas têm avançado muito nessa cobrança e pelos relatos se há serviços médicos há pressão.
PARECER
Para responder o questionamento faz-se necessário abordar princípios contidos na Constituição Federal, no Código Civil e, certamente, no Código de Ética Médica.
O art. 5º da Constituição Federal, nos seus incisos II e X, declara que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...).
Em paralelo, a Lei no 10.406/06, que instituiu o Código Civil, diz no art. 4º, parágrafo 2o, que são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.
O art. 22 do Código de Ética Médica veda ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o prévio esclarecimento e consentimento do paciente ou de seu responsável legal, salvo em caso de risco iminente de morte.
Fica claro que o não contido em lei não pode ser exigido, o que foi demonstrado em jurisprudência do STJ (recurso ordinário em Mandado de Segurança no 2009/0001275-4 – Ministro Felix Fisher – T5 – Quinta turma).
O exame admissional é obrigatório e parte integrante do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, de acordo com a NR-07 do Ministério do Trabalho, compreendendo, conforme o disposto no item 7.4.2 da referida NR-07: a) avaliação clínica, abrangendo anamnese ocupacional e exame físico e mental; b) exames complementares, realizados de acordo com os termos específicos desta NR e seus anexos.
A CLT, por sua vez, além da exigência do exame médico admissional (art. 168, inciso I), explicita no art. 168, §2º, que “outros exames complementares poderão ser exigidos, a critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deva exercer”.
Os exames exigidos pela empresa por ocasião da admissão devem ser aqueles previstos na legislação específica, visando sempre a avaliação da capacidade laborativa do empregado, caracterizando-se discriminatória qualquer exigência de realização de exames que extrapolem os requisitos técnicos para a função a ser exercida. Em resposta à solicitação, não é cabível a realização de exames em funcionários de empresas para detectar a presença de álcool e/ou drogas, por se tratar de postura discriminatória.
Finalmente, é importante lembrar a fragilidade dos testes para substâncias canabinoides, opiáceos e outras que têm seus testes toxicológicos, tanto sanguíneos como urinários, com resultados negativos após a suspensão da droga por cerca de três a trinta dias, o que demonstra cabalmente a fragilidade desses testes toxicológicos.
A alternativa é um exame pré-admissional rigoroso, com exame psicológico e testes específicos, além de avaliação psiquiátrica, que podem detectar e selecionar candidatos para atuação em áreas de risco, tanto públicas quanto privadas.
Concluindo, não é eticamente aceitável a solicitação de exames de monitoramento de drogas ilícitas, em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho, pois isto contraria os postulados éticos.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 15 de junho de 2012
Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen
Conselheiro relator
Fonte: CFM
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.