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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Patrimônio genético: Excesso de burocracia

Pesquisadores se queixam da dificuldade de acessar patrimônio genético, o que prejudica avanço científico. Governo espera reforma legal

Belo Horizonte — A burocracia ainda é entrave para que o Brasil desponte no cenário científico mundial. Quando se fala em acesso ao patrimônio genético , os pesquisadores encontram impedimentos. Segundo eles, as discussões giram mais em torno da repartição de benefícios, que é a regularização do ganho de capital sobre cada uma dessas informações, do que dos incentivos às descobertas. “Na comparação com outros países, o Brasil tem o excesso de burocracia como fator que atrasa a pesquisa e o desenvolvimento da ciência”, avalia o professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriano Pimenta.

De acordo com o pesquisador, hoje toma-se por base a ideia de que há um “tesouro” escondido na biodiversidade brasileira que pode ser descoberto e resultar em ganhos financeiros. Entretanto, ele garante que 99% das moléculas estudadas nunca chegarão a ser comercializadas e, consequentemente, não resultarão em dividendos. Portanto, o ideal seria deixar de lado as preocupações com a repartição de benefícios e focar a discussão na obtenção de mais exemplos de transformação biotecnológica, como ocorreu com a cana-de-açúcar, proveniente da Ásia, que foi transformada no Brasil em etanol e cachaça. “Devemos tirar proveito de maneira sustentada da nossa capacidade de cultivar esses alimentos e outros insumos, assim como melhoramos o café e a soja ou produzimos a cachaça e o etanol”, defende.

Segundo Pimenta, o marco legislativo brasileiro que diz respeito ao patrimônio genético é a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que prevê a necessidade de autorização para o acesso a essas informações, a ser concedida pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Contudo, por ser mal articulada, a medida é apontada como um dos principias entraves da ciência nacional. “Tamanha é a confusão resultante dessa MP, feita às pressas, que há vários outros instrumentos de legislação pendurados e amontoados na medida inicial. Muitas vezes, eles pioram o entendimento do texto original, que não é dos mais corretos do ponto de vista técnico e científico”, afirma o professor.

Uma das críticas da comunidade científica é não ter sido ouvida ou consultada durante as discussões de criação da MP. “Não houve inicialmente um cuidado em escutar a comunidade acadêmica, e as discussões, essencialmente políticas, resultaram em uma legislação caótica, que cerceia a ciência e o desenvolvimento biotecnológico no Brasil”, acrescenta. Uma das sugestões dos pesquisadores brasileiros é mudar o termo “patrimônio genético” para “recursos genéticos”, já que patrimônio dá ideia de posse de bens, conceito equivocado do ponto de vista científico, uma vez que as fronteiras políticas de um território não são coincidentes com as fronteiras populacionais de uma determinada espécie biológica. “Passa-se a impressão de que o Brasil, como nação, é o dono de uma espécie de micro-organismo, planta ou animal. O termo “recurso” seria mais apropriado, pois dá a ideia de que pode e deve ser aproveitado em nosso território”, defende Pimenta.

Impactos

Ainda de acordo com o professor da UFMG, os reflexos de uma MP mal articulada vêm no desempenho do próprio CGen, que deveria agilizar o acesso às informações, mas, em 10 anos de funcionamento, concedeu menos de 90 autorizações. “Embora apenas neste ano cerca de 30 autorizações tenham sido concedidas, as instituições de pesquisa ou empresas que pedem o acesso são bombardeadas com uma avalanche burocrática, com a exigência de uma série de documentações, muitas vezes incoerente”, comenta.

Como resultado, ele diz, a ciência brasileira perde em competitividade. O próprio Pimenta tenta usar as informações genéticas de uma molécula já publicada no meio científico para desenvolver um medicamento. “Estou preparando as documentações para ter acesso às informações dessa molécula há muito tempo e, enquanto isso, pesquisadores australianos e suíços também estão de olho no mesmo material”, conta. “Como eles não sofrem com a burocracia em seus países, podem dar o primeiro passo antes de nós. Eu poderia tentar protegê-la em forma de patente, mas isso só é possível se tiver a documentação no CGen”, acrescenta. Segundo o professor, no mundo inteiro, as moléculas são de domínio público, mas no Brasil isso ainda é feito de maneira incoerente, atrasando o desenvolvimento.

Novo cenário

Com a aprovação do Protocolo de Nagoya, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, em 2010, inaugurou-se um novo cenário internacional com boas perspectivas para a reformulação da legislação nacional e, por consequência, desenvolvimento da ciência, argumenta Francine Soares da Cunha, gerente de Assuntos Regulatórios e Repartição de Benefícios do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, que exerce a função de secretária executiva do CGen. O protocolo foi encaminhado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional durante a Rio +20 e aguarda sua ratificação pelo Legislativo.

“A ideia é que ele concilie os interesses da pesquisa, da inovação, do desenvolvimento de produtos, da academia e dos povos e comunidades tradicionais, reconhecendo que esses são atores importantes para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade”, disse Francine. De acordo com ela, para garantir melhor aplicação da legislação, o CGen tem investido em medidas internas que aceleram os processos para o acesso ao patrimônio genético utilizado na bioprospecção, na pesquisa ou no desenvolvimento tecnológico. Além do credenciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que autoriza o acesso ao patrimônio genético para qualquer finalidade a partir de uma plataforma informatizada mais rápida, há parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para emitirem as autorizações.

“Com as parcerias, imprimimos velocidade nas autorizações e promovemos um diálogo mais eficiente”, garante a gerente. Ela confirma que, entre 2001 e 2011, o dado acumulado de contratos de repartição de benefícios do patrimônio genético, que facilitam o acesso dos pesquisadores às informações, anuídos pelo CGen era de 29, mas, até setembro deste ano, foram anuídos 39 contratos. Além disso, em 2012, o CGen e suas credenciadas (Ibama, CNPq e Iphan) emitiram mais de 600 autorizações de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados para fins de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. “A reformulação da legislação é o que se espera de forma mais estratégica, mas, concomitantemente, medidas de gestão já estão sendo implementadas com resultados bastante positivos”, reforça Francine.

Fonte: Correio Braziliense / Carolina Mansur