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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Você fatalmente pode estar errado

"Nas semanas seguintes eu estava arrasado. Experimentei pela primeira vez a vergonha insalubre que existe em nossa cultura de medicina; eu me senti sozinho, isolado. Não sentia esse tipo de vergonha saudável que as pessoas sentem, porque não se pode falar com seus colegas sobre isso. Sabem, a vergonha saudável é aquela de quando você expõe um segredo que um bom amigo fez você prometer que jamais revalaria. Aí você se arrebenta, e aí seu amigo cobra você. E vocês têm discussões terríveis, mas no fim toda aquela sensação ruim guia você. E você diz: nunca mais cometerei esse erro. Então você faz correções e nunca mais comete o erro. Esse tipo de vergonha é como um professor. A vergonha insalubre que falo é aquela que deixa você doente por dentro. Ela não diz que o que você fez foi ruim, mas que VOCÊ é ruim. E era o que eu estava sentindo.” – Brian Goldman

Brian Goldman é médico e trabalha no Canadá com medicina de emergência. Ele relatou no TED a experiência de ter errado um diagnóstico que levou o paciente a morte. Mandou para casa com medicação uma paciente com falência cardíaca congestiva, que teve uma síncope em casa e voltou ao hospital. Mas já era tarde, o choque cardiogênico havia suprimido a perfusão cerebral e causado sérios danos, que levaram-na à morte após 8 dias na UTI. E termina sua brilhante apresentação da seguinte maneira: “Eles (os médicos) querem contar suas histórias, querem compartilhar suas histórias e serem capazes de dizer: olhe, não cometa o mesmo erro que eu! O que precisam é do ambiente para serem capazes de fazer isso. O que precisam é de uma cultura médica redefinida. E começa com um médico de cada vez.”

O que esse médico desabafou publicamente em um video, que hoje tem mais de 500 mil visualizações, é a necessidade de falarmos a respeito dos nossos erros. Tanto a classe médica quanto a sociedade, em maior âmbito, recriminam e endemonizam o erro médico. Enquanto somos estudantes no internato ou mesmo na residência médica, esse pavor nos impede, muitas vezes, em tomar uma atitude que é benéfica para o paciente. Já presenciei casos recorrentes de bons internos do sexto ano de medicina com medo de prescrever cetoprofeno intra-muscular ou dipirona endovenosa para alívio da dor em pacientes que não eram complicados, não tinham histórico para alergia, nem problemas gástricos ou renais que impedissem a administração de medicamentos. E o paciente continuou com dor até o preceptor chegar. Por medo de errar.

O princípio básico do juramento de Hipócrates “primeiro de tudo não causar dano” soma-se à crescente fonte de renda que é advogar contra um erro médico. Muitos têm processos e outros têm seguro contra processos. O médico não deve errar, e eu reafirmo que isso seria o ideal, sim. Porém, ao contratar os serviços de um ser humano, deve-se saber que, obviamente, ele não está imune a falhas. E a melhor maneira de evitar que falhas aconteçam é, com certeza, a tríade de estudo, experiência e atenção. Mas cada pessoa é distinta, cada paciente conta sua história de maneira diferente, cada médico tem uma maneira de interpretar essas histórias. Portanto, a medicina é fatalmente uma profissão em que o erro existe e isso é inexorável.

O Academia Médica entrevistou um médico recém-formado que está trabalhando com PSF, ainda na primeira semana de trabalho, a respeito disso.


Academia Médica: O que vêm à sua cabeça quando você pensa que pode ter errado o diagnóstico?

Médico: Eu penso que meu erro vai estragar a vida da pessoa e a minha vida também, sem ordem definida. As duas coisas andam juntas.

Quando decidimos fazer o vestibular para medicina, aceitamos, talvez sem perceber, o desafio de que precisamos ser excelentes em uma ciência absurdamente ampla no prazo de seis anos. Temos pouca – para não dizer nenhuma – chance de errar. Temos o respaldo do professor durante a faculdade e de um dia para o outro estamos com um carimbo na mão, com pouca experiência e muita responsabilidade.

Na medicina, cometer um erro vai além, porque você não pode simplesmente esconder seu erro. Ele aparece na UTI, ou na sala de emergência e pode encerrar no morgue, junto com a sua carreira e sua auto-estima. Segundo Kathryn Schulz, criadora da ciência que estuda o erro, a errologia, assumir que cometemos um erro significa que há algo de errado conosco. Para combater isso, insistimos em nossas razões e convicções para mostrarmos que somos responsáveis e inteligentes. E ela completa que confiar cegamente na sensação de que estamos certos pode ser muito perigoso. “Às vezes precisamos parar e dizer eu não sei, talvez eu esteja errado.”

E é por perseguir a cultura da excelência, da soberania sobre as certezas, por saber que o erro aqui significa dor e sofrimento, talvez até a morte de alguém, é que nos iludimos cada vez, achando que estamos seguros do que fazemos. E nem sempre é estamos, não é? Temos que mostrar segurança, porque não estar seguro já é uma falha e não podemos falhar. E assim ficamos cada vez mais propensos a errar. É preciso mudar a maneira como consultamos os colegas, os professores, a maneira com que tiramos dúvidas e respondemos a questionamentos. Essa vergonha insalubre pode – e precisa – ser curada. Alguns seres humanos precisam ser médicos, e ainda não criaram um robô infalível para atuar nessa profissão.

Fonte: Academia Médica