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Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico, Odontológico e da Saúde (FMRP-USP). Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado do curso de Bioética e Biodireito do HCor. Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Jovens médicos enfrentam incerteza da formação

PORTUGAL

Mais de 1500 médicos e 2000 internos começaram as suas formações, mas 114 ficaram de fora da especialidade. O PÚBLICO foi conhecer quatro deles, que partilham receios quanto ao futuro da profissão e do SNS.

Os jovens médicos que no polémico concurso de Dezembro conseguiram uma vaga para completar a formação numa especialidade chegaram na semana passada ao Serviço Nacional de Saúde. Ao todo são 1569, distribuídos pelas mais de 40 especialidades disponíveis, que passarão os próximos anos entre centros de saúde e hospitais de todo o país. Pela primeira vez, um grupo de 114 médicos ficou de fora do concurso por falta de lugar – o que gerou críticas à forma como Administração Central do Sistema de Saúde conduziu o processo, em especial por ter divulgado a lista de vagas em cima da hora e ter feito alterações com a selecção já a decorrer. Fala-se no risco de uma geração de clínicos indiferenciados, sem oportunidades para se especializarem.

Há também 2082 internos que na mesma semana deram início ao chamado “ano comum” – um período após o mestrado em Medicina em que vão colocar a formação em prática, rodando por vários serviços – o que lhes permitirá perceber melhor por que especialidade optar no próximo concurso.

O PÚBLICO foi conhecer quatro jovens que gostariam de ficar a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde. Porém, reconhecem que os cortes dos últimos anos estão a colocar em risco os cuidados prestados e deixam um alerta: os problemas na formação dos médicos reflectem-se não apenas em questões de emprego, mas na qualidade do atendimento. Defendem, por isso, que é urgente rever as vagas de Medicina e também a capacidade que cada hospital tem para receber os internos.

“Os médicos indiferenciados são um enorme retrocesso”
Raquel Rocha Afonso, 24 anos, Centro Hospitalar de Lisboa Central
Terminado o mestrado integrado em Medicina na Universidade do Minho, Raquel Rocha Afonso tinha uma certeza: após experiências nos hospitais do Norte (nomeadamente no Hospital de Braga, que funciona em regime de parceria público-privada), estava decidida a rumar a Sul e conhecer outra grande unidade. Aos 24 anos, vai fazer o ano comum onde queria: entrou na semana passada no Centro Hospitalar de Lisboa Central, que de fazem parte o São José e o Curry Cabral.
“O ano comum serve muito para ganharmos prática e estarmos no terreno”, explica, adiantando que começará por trabalhar num centro de saúde de Lisboa, seguindo-se depois alguns meses em medicina interna, cirurgia geral, pediatria e numa especialidade opcional. Acredita que a experiência pode ser importante para os jovens médicos perceberem o que querem fazer a seguir, mas no seu caso sabe que o futuro passa certamente por uma especialidade cirúrgica. “Gosto do contacto com os doentes e uma especialidade cirúrgica permite fazer muitas consultas, estar no internamento e também no bloco operatório.”

No entanto, é com apreensão que Raquel olha para o próximo concurso em que se candidatará à especialidade. Com a mudança de regras, será já em Junho e não no final de 2016. Mas não é a data que a preocupa. “Os médicos indiferenciados são um enorme retrocesso. É importante vermos assegurada a entrada na especialidade. Pensando de forma muito pragmática, sei que nos outros países já acontecia o que aconteceu cá no último concurso, em que mais de cem colegas ficaram de fora. Mas não é o correcto, até porque a qualidade da nossa formação, que era reconhecida lá fora, agora fica comprometida”, alerta.

Para a recém-formada, é importante haver uma revisão do numerus clausus de Medicina. Caso contrário, entende que há o risco de Portugal estar a formar médicos para exportar, “o que sai caro ao país”. A interna assume que estudou juntamente com uma geração para quem a emigração é um caminho natural, mas não se revê nessa ideia. “Não digo que não a completar a minha formação lá fora. Mas por uma questão de princípio quero ficar no Serviço Nacional de Saúde, sinto que sou obrigada a retribuir o que aprendi.”

“Preocupa-me que se promova uma mão-de-obra menos especializada”
Sara Pires, 26 anos, Hospital de Santo António
Durante os próximos cinco anos, Sara Pires vai fazer a especialidade de Medicina Interna no Hospital de Santo António, no Porto. Foi a sua primeira opção. Existiam 201 vagas e conseguiu ficar com uma. Foi ainda durante o curso que a médica percebeu que teria de escolher uma especialidade que lhe desse a oportunidade de continuar a lidar com várias doenças e situações. Como prefere a vida hospitalar aos cuidados primários, encontrou na Medicina Interna a solução. Vai circular entre os vários internamentos e o serviço de urgência.

Apesar de só agora ter começado a especialidade, já traz “muita estaleca”. Fez o ano comum no Hospital de Faro, um dos mais carenciados do país em termos de profissionais de saúde. “O objectivo foi ganhar bastante traquejo num hospital com menor carga de alunos do que um grande hospital central ou universitário. Há muita auto-aprendizagem, com tudo o que isso tem de bom e de mau”, conta. No entanto, aos 26 anos, olha com apreensão tanto para o seu futuro profissional como para o estado do Serviço Nacional de Saúde. As horas extraordinárias são somadas praticamente todos os dias, relata. E é por sentir-se necessária que quer ficar no sistema público.

A médica mostra-se, porém, preocupada com a actual formação de colegas. “Para quem ficou de fora do concurso a opção é ficar a fazer tarefas e urgências, quando o objectivo devia ser exercer a medicina correctamente. Preocupa-me o facto de se estar a promover uma mão-de-obra cada vez menos especializada e recompensada. Se somos indiferenciados isso repercute-se nos doentes, que são vistos por médicos com uma formação aquém do que deveriam ter. Não é uma questão só de emprego, é de má formação. Vão ocorrer mais erros médicos e vão falecer mais doentes”, alerta.

“É nos cuidados primários que se consegue fazer a diferença mais cedo”
Joana Afonso, 25 anos, Unidade de Saúde Familiar Braga Norte
Joana Afonso terminou o ano comum no Hospital de Viana do Castelo e no concurso de Dezembro entrou para a especialidade que queria na zona do país que desejava: está em medicina geral e familiar na Unidade de Saúde Familiar Braga Norte. Com 25 anos, foi uma das 473 médicas a entrar para a especialidade que, de longe, reúne mais lugares. “Desde o decorrer do curso que me interessei mais por uma área médica e não cirúrgica, porque dou muito valor ao contacto com o doente. Medicina geral e familiar era associada a uma estilo de vida mais facilitado ou inferior, mas isso felizmente mudou”, observa.

Durante os próximos quatro anos, Joana espera encontrar grandes desafios, mas também recompensas – ajudando os utentes a não adoecerem. “Desafia-me o que pode parecer ser banal, mas que pode ser levado ao extremo. Cada vez há um apelo maior a que o primeiro contacto com os serviços de saúde seja feito nos cuidados de saúde primários. É de facto aqui que se consegue fazer a diferença cada vez mais cedo, apostando na prevenção”, justifica, lembrando que os médicos de família têm agora uma especialidade, o que não acontecia há largos anos.

“A especialização aumentou muito a qualidade”, acrescenta, defendendo que em tempos de restrição orçamental é ainda mais importante apostar na promoção da saúde e prevenção da doença. Até porque, apesar da curta carreira, Joana Afonso já se cruzou com o impacto que a falta de dinheiro pode ter: “Em hematologia clínica vi tratamentos a serem negados e doentes a serem referenciados para outros hospitais porque o hospital não tinha dinheiro. É revoltante ter de abdicar de um doente quando sabemos como o tratar”.

Apesar de estar onde quer, o sabor é agridoce. “Sinto-me uma privilegiada.” Muitos colegas de Joana não conseguiram lugar para se especializarem. “Com as vagas de Medicina, é irreal pensarmos que todos íamos conseguir sempre uma vaga. A revolta surge mais por causa da forma como tudo aconteceu e pelo risco que é a Medicina passar a ser exercida de forma precária e de forma indiferenciada”, explica.

“Não é um objectivo de vida ser indiferenciado”
Fábio Amaral, 30 anos, sem vaga no concurso de acesso à especialidade
Fábio Amaral tem 30 anos e além do mestrado em Medicina soma também já um doutoramento em Microbiologia. Em Dezembro, se tudo tivesse corrido bem, teria entrado para a especialidade de Cirurgia Pediátrica. Existiam apenas quatro vagas, que não chegaram até à sua vez de escolher. Aliás, nenhum dos 1569 lugares, independentemente da especialidade, ficou por preencher. O jovem médico faz parte do primeiro grupo de mais de cem clínicos que se depararam com um problema esperado, que só faltava saber em que ano iria acontecer. Portugal formou mais internos do que aqueles a quem consegue assegurar a especialização.

“O número de médicos novos tem vindo a aumentar sempre e sabíamos que íamos atingir um ponto de ruptura, mas nada se fez a tempo. O país não tem capacidade e tornamo-nos exportadores de médicos. Isso sai caro”, lamenta Fábio Amaral, criticando também a forma como o acesso é feito à especialidade: um único exame “obsoleto” que “só avalia cinco das 50 áreas da Medicina” e que dá origem a uma nota.

Apesar do contratempo, o médico tinha já alguns planos traçados. O doutoramento foi feito parcialmente em Nova Iorque e é fora do país que continuará a sua formação. “Não é um objectivo de vida ser indiferenciado, vejo-o como temporário”, assegura, adiantando que está a procurar alternativas em Cirurgia Pediátrica em países como Alemanha, Suíça, Áustria ou Reino Unido.

Até saber o desfecho, Fábio não tenciona estar parado e irá trabalhar, muito provavelmente, em urgências na zona de Braga. “É uma forma de ganhar experiência, mas não é o que quero para o futuro.” É por causa da experiência que teve além-fronteiras que está certo de que um dia irá regressar. “Portugal não é tão mau como se faz crer. Valorizo a qualidade de vida cá e a forma como o Serviço Nacional de Saúde funciona, mesmo com os cortes e problemas que estão a acontecer.”

As especialidades com mais internos

- Medicina Geral e Familiar (473)

- Medicina Interna (201)

- Pediatria Médica (81)

- Anestesiologia (80)

- Psiquiatria (55)

- Ortopedia (49)

- Saúde Pública (46)

- Ginecologia/Obstetrícia (40)

- Cirurgia Geral (39)

- Pneumologia (31)

As especialidades com menos internos

- Farmacologia Clínica (2)

- Cirurgia Torácica (2)

- Medicina Desportiva (2)

- Cardiologia Pediátrica (3)

- Cirurgia Pediátrica (4)

- Medicina Legal (4)

- Genética Médica (5)

- Cirurgia Maxilo-Facial (5)

- Cirurgia Cardíaca (5)

- Medicina Nuclear (5)

Fonte: www.publico.pt