*Por Beatriz Vichessi
Para doar seus óvulos, a mulher também tem de estar em tratamento para engravidar
Inúmeros casais sonham em ter filhos, mas desistem da ideia quando é necessário se submeter à fertilização in vitro, tratamento que custa, em média, R$ 10 mil. Porém, o que muita gente não sabe é que se o casal ceder os óvulos para doação, uma parte do tratamento é custeado pelas beneficiadas que não podem produzir as próprias células reprodutoras.
Para isso, as duas partes precisam estar em tratamento para engravidar e a doadora deve ter até 35 anos, entre outros requisitos que constam da nova resolução 2.121/2015 do CFM (Conselho Federal de Medicina), publicada em setembro de 2015.
Andreia*, 32, e Flavia*, 39, se valeram desse benefício. Ambas se submeteram ao tratamento de reprodução assistida. Andreia doou parte de seus óvulos, enquanto Flavia foi receptora das células reprodutoras --de outra mulher, que ela desconhece, como determina a resolução-- fertilizados in vitro com o sêmen de seu marido.
Andreia diz que realizar a fertilização só foi possível porque os custos do tratamento foram bancados pelas três mulheres que receberam os óvulos doados por ela. Hoje, ela comemora a gestação gemelar de 11 semanas. "Sonhava com isso há quatro anos, mas, desde então, tive cinco abortos espontâneos. Fui diagnosticada com trombofilia e reconheci a necessidade de buscar a fertilização in vitro", conta. Mesmo tendo o benefício de parte do tratamento custeado por outras pessoas, ela e o marido lutaram bastante. "Ninguém no meu ambiente de trabalho sabia que estava nessa jornada. Precisava esquecer o cansaço, a dor de cabeça e outros efeitos colaterais dos medicamentos que tomava para o tratamento e encarar a rotina."
Flavia foi receptora de óvulos de outra mulher e por isso pagou parte do tratamento da doadora. "Tentei engravidar por dois anos e desembolsei R$ 250 mil. Quando era mais nova, não queria ter filhos. Quando comecei a tentar, não consegui", fala. Depois de três fertilizações in vitro sem sucesso, o médico indicou a possibilidade de Flavia pagar o tratamento dela e parte do tratamento de outra mulher (cerca de R$ 21 mil por ambos), receber os óvulos para fertilizá-los com o sêmen do marido e, então, implantar o embrião para crescer em seu útero. "Hoje tenho uma filha de cinco meses e estou feliz, mas não é fácil ouvir de outras pessoas que ela não se parece comigo", afirma. Flavia e o marido optaram, como Andreia, por não contar sobre o tratamento a ninguém. "Eu me sentia fracassada por não engravidar, não via receptividade nas pessoas ao meu redor a respeito e queria poupar minha filha de comentários futuros também."
Nova resolução
Embora o esquema de doação com custeio de parte do tratamento de fertilização in vitro por quem recebe o material seja motivo de comemoração para muitos casais, o CFM proibiu, desde setembro, as doações voluntárias de óvulos.
"Agora, as doadoras só podem ser aquelas que estão em tratamento para engravidar. Por isso, ficaram menores as probabilidades de encontrar óvulos compatíveis", afirma Arnaldo Cambiaghi, diretor do Centro de Reprodução Humana do IPGO (Instituto Paulista de Ginecologia Obstetrícia e Medicina da Reprodução), em São Paulo.
Cambiaghi compreende que a mudança foi feita para evitar o mercado ilegal de óvulos, que envolvia pagamento silencioso para as ditas voluntárias, porém observa que houve um aumento na fila de mulheres à espera de óvulos em sua clínica. "Antes, em dois meses, encontrávamos a possibilidade de doação. Agora esse prazo deve se estender por seis meses ou mais", diz. Isso porque, para que a doação possa ocorrer, são feitos diversos testes de compatibilidade, então, quanto maior a oferta, mais chances de obter sucesso.
* Nomes fictícios para garantir o anonimato das entrevistadas.
Fonte: UOL
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.