Segundo o setor de Ética do CROSP, elaborar este documento na forma determinada pelo Código de Ética é essencial para o exercício profissional seguro, minimizando riscos de malentendidos com pacientes
A Odontologia é uma atividade que deve ser exercida em benefício do ser humano e da coletividade, através da prestação de um serviço de saúde inserido na relação de consumo entre paciente e cirurgião- -dentista. O oferecimento de um serviço culmina, necessariamente, na responsabilidade do profissional pela atividade que desenvolve, com o dever de responder pelas consequências dos próprios atos e outros atos vinculados ao atendimento odontológico. Nesse sentido, o Código de Ética Odontológica, além de dispor como dever do profissional o ato de zelar pela saúde do paciente e por sua dignidade – assumindo responsabilidade pelos atos praticados, que engloba o âmbito ético, civil e criminal –, também apresenta como regra que o cirurgião-dentista deve garantir e preservar a autonomia do paciente, conceito que também está previsto no Código de Defesa do Consumidor.
É essencial apresentar o plano de tratamento ao paciente?
Sim. Essa autonomia é resguardada na medida em que o profissional esclarece ao paciente, de maneira clara e objetiva, quais são os propósitos, riscos, custos e alternativas de tratamento possíveis em seu caso, considerando as suas condições clínicas de saúde bucal e geral, bem como suas particularidades biológicas e comportamentais, que podem influenciar diretamente na perspectiva do planejamento de tratamento e de sua conclusão, além dos fatores internos e externos inseridos no contexto dos procedimentos odontológicos. A Odontologia exige do cirurgião-dentista análises específicas sobre as condições de saúde bucal e geral de cada paciente e suas necessidades, além da técnica e terapêutica mais adequada ao caso, das limitações científicas e das limitações biológicas próprias do organismo de cada ser humano. Essas situações podem apresentar variáveis, motivo pelo qual os procedimentos odontológicos não devem ser tratados como mero produto ou serviço.
A cura é uma obrigação do cirurgião-dentista?
Não há como assegurá-la sempre. O sucesso do tratamento odontológico não depende somente da destreza profissional, dos procedimentos técnicos, dos materiais e dos avanços da Ciência, mas também das condições biológicas do paciente, de sua colaboração durante o tratamento, frequência às consultas e higienização bucal adequada, dentre outros fatores que interferem potencialmente no tratamento odontológico, o que justifica considerar a Odontologia como uma Ciência de meios e não de resultados. O cirurgião-dentista deve apresentar a Odontologia e os procedimentos propostos como meios que serão utilizados na perspectiva de alcance de cura da doença bucal ou de condutas que visam restabelecer a adequada e harmônica reabilitação oral, a fim de produzir benefícios à saúde em geral do paciente. A Odontologia tem por princípio a prevenção e a cura. Entretanto, o resultado esperado pelo paciente pode não ser necessariamente alcançado – embora deva ser buscado. Há o compromisso inequívoco do zelo, do cuidado, do emprego da técnica mais adequada e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se obrigar com a efetivação do resultado, haja vista que saúde não se trata de Ciência exata. A Odontologia será considerada como uma obrigação de resultado quando o profissional desconsiderar, na apresentação de seus serviços ao paciente, os fatores já mencionados e comprometer-se essencialmente com o resultado, garantindo que não existirão influências externas ou internas capazes de interferir ou impedir que a expectativa do resultado seja alcançada. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor e o fácil acesso à informação, a população brasileira está mais consciente de seu livre acesso à Justiça e aos órgãos regulamentadores das profissões, inclusive no âmbito da saúde. Esse fator, aliado às alterações comportamentais do ser humano e do conhecimento mais objetivo sobre eventuais direitos, tem ensejado o aumento de ações judiciais e éticas envolvendo profissionais da Odontologia, independentemente da alegação ou comprovação de erro ou falha técnica.
Qual é a melhor forma de elaborar um prontuário?
A maneira mais apropriada para que o cirurgião-dentista possa ter segurança do procedimento odontológico que se dispõe a realizar, assim como minimizar riscos no exercício da profissão, é elaborar o prontuário odontológico na forma como está determinado no Código de Ética. A documentação não impede eventual ajuizamento de ação judicial ou disciplinar. Entretanto, um prontuário bem elaborado, contendo informações sobre as condições de saúde do paciente – sua queixa principal –, a avaliação clínica e dos exames complementares, o diagnóstico bem fundamentado e o planejamento de tratamento com indicação dos propósitos, riscos, custos e alternativas de tratamento – além da comprovação de ciência sobre recomendações técnicas necessárias à boa condução do caso, comprometimento e responsabilidade própria do paciente, frequência às consultas, colaboração e seguimento das orientações profissionais, indicação expressa de eventuais intercorrências e apresentação de novo planejamento terapêutico, quando for o caso –, são documentos de máximo valor para resguardar o cirurgião-dentista em sua atividade profissional. Muitas vezes, o cirurgião-dentista detém a informação sobre a importância de um prontuário bem elaborado, mas acredita que não acontecerá com ele qualquer tipo de problema que envolva demanda ética ou judicial, assim como eventual conflito com o paciente ou falha técnica – seja por negligência, imperícia ou imprudência –, deixando de observar fatos fundamentais e informações indispensáveis na confecção do prontuário odontológico e dos documentos que o compõe. A elaboração da anamnese, por exemplo, é inegociável e deve ser a primeira conduta a ser adotada em um atendimento odontológico, pois é através dela que conheceremos o paciente que será ou não submetido ao tratamento, não se tratando de mera liberalidade ou faculdade do cirurgião-dentista. Durante o tratamento, convém que o profissional questione o paciente quanto a eventuais alterações clínicas, uso de medicamentos ou outros fatores que possam modificar as informações apresentadas na anamnese inicial. Esse documento deve ser assinado pelo paciente ou por seu responsável legal, o que contribuirá para evitar riscos de intercorrências e potencializar o êxito no tratamento.
O prontuário é obrigatório?
Sim. É preciso ter a percepção e compreensão de que o prontuário, além de oferecer ao paciente um requisito importante de confiança no profissional, é uma segurança jurídica na prática odontológica – podendo se tornar o documento mais importante no esclarecimento do relacionamento mantido entre o cirurgião-dentista e o paciente, sobre a forma como este iniciou o tratamento, os procedimentos realizados e como se deu a finalização do caso ou sua interrupção. A confecção de um prontuário bem elaborado representa, na esfera ética ou judicial, a prudência do profissional e responsabilidade assumida, fatores que podem ser determinantes na avaliação de uma suposta infração ética ou de uma falha ou intercorrência técnica que possam gerar indenização por danos morais e materiais.
O prontuário é meu ou do paciente?
Considere que é do interesse de ambos. É comum que o cirurgião-dentista atenda pacientes conhecidos, ou por indicação, sem se documentar – seja por consideração ou por alegação de falta de tempo. Isso deve mudar. A elaboração de um prontuário odontológico minucioso não é simples burocracia, mas um ato de prudência e valorização profissional. A prudência resguardará o cirurgião-dentista de dissabores muitas vezes imensuráveis. É desejável que não se descubra o seu valor somente no momento em que já se experimenta a amargura de um processo ético ou judicial. A documentação composta por exames, ficha clínica e anamnese assinadas, planejamento de tratamento e custos, diagnóstico e termo de consentimento esclarecido o amparará em caso de questionamentos futuros. Ser didático e esclarecer ao paciente sobre os procedimentos que serão realizados, solicitando a assinatura de termos de ciência e consentimento, também são condutas de suma importância, pois demonstrarão a compreensão do que foi explicado e fortalecerão a confiança e a cooperação do paciente. A precaução também é fundamental. O registro adequado de qualquer fato, procedimento, intercorrência e observações importantes que podem influenciar no planejamento, em sua execução e conclusão, deve ser mantido no prontuário. Adotando essas medidas, grande parte de eventuais problemas no exercício profissional poderão ser minorados. E minimizar riscos dependerá do tipo de Odontologia que se pretende praticar.
Fonte: CROSP (Revista do CROSP, Ano I, Número, 02 - 2º Semestre 2014 - pag. 12/15)
Espaço para informação sobre temas relacionados ao direito médico, odontológico, da saúde e bioética.
- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.