Profissionais afirmam que o CFM está extrapolando suas competências legais ao violar os limites das suas atribuições constitucionais
Médicos brasileiros adeptos da chamada medicina ``antiaging`` encaminharam nesta terça-feira (6) uma carta-protesto ao Conselho Federal de Medicina (CFM). Eles são contra resolução que veta o uso de terapias hormonais com o objetivo de retardar, modular ou prevenir o envelhecimento.
No documento, que contém mais de 100 assinaturas, os médicos afirmam que o CFM está extrapolando suas competências legais ao violar os limites das suas atribuições constitucionais, ainda mais por julgar trabalhos científicos da prática médica, quando sua missão é analisar aspectos éticos e não científicos.
Para o ginecologista Ítalo Rachid, diretor-científico do Grupo Longevidade Saudável e presidente da Sociedade Brasileira para Estudos da Fisiologia (Sobraf), “a resolução do CFM fere frontalmente a Constituição brasileira, porquanto proíbe a liberdade de escolha e de expressão do médico na relação com o seu paciente”.
O neurologista Paulo Roberto de Paiva, que está entre os médicos que assinaram a carta, afirma ter sentido na própria pele os benefícios do uso de terapias hormonais. ``Eu tenho 62 anos e, com 50 anos, eu não me sentia tão bem assim``, relata o profissional, que faz reposição de testosterona, hormônio do crescimento e tireoidiano, entre outros. ``A velocidade de processamento cerebral aumentou, a memória quase duplicou e minha vida sexual voltou ao normal. Como posso negar isso aos pacientes?``, questiona.
Para Paiva, não é preciso ter uma especialidade para receitar o uso de hormônios. ``Não é nada que fuja da fisiologia médica; é preciso apenas conhecer os efeitos colaterais, como ao receitar qualquer medicamento``, opina o neurologista. Para ele, a medicina ``antiaging`` não é uma especialidade, apenas um movimento de médicos que ``cansou de agir apenas depois que as doenças estão instaladas``. O objetivo, de acordo com ele, não é retardar o envelhecimento, apenas melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Segundo o CFM, faltam evidências científicas sobre os benefícios e riscos das terapias hormonais. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que apoia a resolução do CFM, diz que a proibição ajuda a proteger a população de danos à saúde que podem ocorrer com o uso de hormônios, como aumento da toxicidade no organismo até casos de câncer.
A resolução permite a reposição de deficiências hormonais e de outros elementos apenas em casos de necessidade comprovada.
Veja a íntegra da carta encaminhada ao CFM:
Ao:
Ilmo. Dr. Roberto D’Ávila, Presidente do Conselho Federal de Medicina, e demais membros do Conselho.
Nós, médicos abaixo assinados, ativa e regularmente habilitados para a prática de medicina no território nacional, vimos, através desta carta, protestar veementemente contra a recém-publicada Resolução 1999/2012, que proíbe expressamente as práticas denominadas antienvelhecimento, bem como o uso de hormônios na prática clínica.
Com esta proibição, o CFM está:
· Extrapolando suas competências legais, através da publicação de leis que claramente violam os limites das atribuições constitucionais delegadas a este Conselho;
· Tomando partido em controvérsias científicas que, igualmente, fogem às suas competências, quando a missão desta autarquia é analisar aspectos éticos e não científicos da prática médica;
A Resolução impossibilita ao CFM e, consequentemente, aos CRMs, avaliar ou julgar qualquer outro médico brasileiro envolvido com estas práticas, uma vez que o CFM e os CRMs devem não apenas agir com completa imparcialidade, como prover a aparência de imparcialidade ao julgar.
O parecer da Câmara Técnica de Geriatria sobre o qual se fundamenta a Resolução, bem como a crença de que não existe fundamentação científica para as práticas acima referidas, são severamente incorretos e distorcidos da realidade, posto que estão fundamentados em omissão de farta base de evidências científicas disponibilizadas. Simplesmente não conseguimos compreender como foi possível ignorar a abundante base de dados e estudos científicos evidenciando significativas correlações entre as doenças e comorbidades associadas ao envelhecimento, aumento da mortalidade e baixos níveis hormonais. E, ao mesmo tempo, a correção, melhora ou reversão de vários destes processos por meio de técnicas e protocolos de reposição hormonal, que foram desconsideradas.
Agravando os fatos, a assinatura do senhor Presidente naquela Resolução materializa, para todos os médicos que aqui assinam, desabono, difamação, descaso e calúnia, uma vez que a Resolução se constitui, no seu conjunto, uma grave distorção da realidade.
Somos possuidores de vasta e sólida base de dados e estudos científicos que conferem amplo suporte à prática do envelhecimento saudável e do modelo de medicina preventiva que defendemos e praticamos.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, representada pela sua Câmara Técnica, é destituída de capacidade científica para contestar o modelo de medicina que praticamos, uma vez que o mesmo é baseado em ciência, evidências e, principalmente, prática clinica direta, com resultados clínicos positivos, mensurados e comprovados, obtidos através do uso e da aplicação dessas práticas, que ora passam a ser equivocadamente proibidas.
É nossa responsabilidade lembrar que o necessário e inevitável progresso da medicina é fundamentado na diversidade do diagnóstico e na variedade dos modelos terapêuticos e das opiniões.
Esta Resolução e as ostensivas e amplas proibições nela contidas constituem não apenas um ataque frontal ao livre exercício profissional - de direito amplamente garantido pela Constituição Federal -, mas configura um severo entrave à possibilidade de progresso científico em uma área social, humana e medicamente tão importante quanto o envelhecimento humano.
Outro agravante são as suas potenciais consequências, uma vez que restringe e impede o livre acesso da sociedade brasileira à melhor qualidade de vida e consistente redução da incidência das doenças associadas ao envelhecimento, que podem ser alcançadas através de terapias médicas solidamente embasadas em ciência e evidências.
Fonte: UOL
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- MARCOS COLTRI
- Advogado. Especialista em Direito Médico e Odontológico. Especialista em Direito da Medicina (Coimbra). Mestre em Odontologia Legal. Coordenador da Pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar - Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenador ajunto do Mestrado em Direito Médico e Odontológico da São Leopoldo Mandic. Preceptor nos programas de Residência Jurídica em Direito Médico e Odontológico (Responsabilidade civil, Processo ético médico/odontológico e Perícia Cível) - ABRADIMED (Academia Brasileira de Direito Médico). Membro do Comitê de Bioética do HCor. Docente convidado da Especialização em Direito da Medicina do Centro de Direito Biomédico - Universidade de Coimbra. Ex-Presidente das Comissões de Direito Médico e de Direito Odontológico da OAB-Santana/SP. Docente convidado em cursos de Especialização em Odontologia Legal. Docente convidado no curso de Perícias e Assessorias Técnicas em Odontologia (FUNDECTO). Docente convidado de cursos de Gestão da Qualidade em Serviços de Saúde. Especialista em Seguro de Responsabilidade Civil Profissional. Diretor da ABRADIMED. Autor da obra: COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.